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por Juan Carlos Orozco

 

Provações, expiações e resgates coletivos


Essa reflexão apoia-se em alguns textos da Codificação Espírita, de Allan Kardec, e da literatura complementar espírita que tratam de provações, expiações e resgates coletivos, os quais, por vezes, são difíceis de compreender as suas causas diante de situações extremamente chocantes aos olhos humanos.

De vez em quando, vemos acidentes, tragédias, flagelos e resgates coletivos sem entender o porquê de tanto sofrimento e a razão de arrastar pessoas consideradas boas para esses desastres, ou de envolver os que se conhecem ou não.

Para a Doutrina Espírita, as partidas coletivas têm suas razões de ser, podendo ser vários os motivos conforme as circunstâncias envolvidas.

Uma das justificativas estaria na relação de causa e efeito, em que o passado delituoso e desconhecido de certas pessoas, com os mesmos débitos, atua no presente e no futuro de forma individualizada e coletivamente, provocando provações, expiações e resgates comuns.

Há de se considerar que as leis divinas regem o indivíduo, a família, a nação, as raças e o conjunto dos habitantes dos mundos, que formam individualidades coletivas solidárias. Portanto, existem faltas do indivíduo, da família, da nação, e cada uma, qualquer que seja o seu caráter, expia em virtude da mesma lei.

Essas faltas solidárias são expiadas coletivamente pelos indivíduos que para elas concorreram, os quais se encontram de novo reunidos para sofrerem juntos a pena, ou para terem ensejo de reparar o mal que praticaram, socorrendo e assistindo aqueles a quem outrora maltrataram.

Assim, a solidariedade ocorre pelo laço social, conectando-se passado, presente e futuro, pois que as mesmas individualidades se reuniram, reúnem e reunirão para subir juntas a escala do progresso, auxiliando-se mutuamente.

Além disso, independentemente do atual nível de evolução da pessoa, a justiça divina não deixará de atingir o faltoso do passado para a hora de sua expiação, pois o estágio de progresso presente não exclui as provações que foram escolhidas e aceitas como complemento dessa expiação. Por isso, muitas desgraças parecem imerecidas, quando somente vemos o presente.

Ademais, a justiça das provações não decorre dos atos da vida presente, porque há de se reconhecer que elas são o resgate das dívidas do passado.

A esse respeito, um exemplo a destacar é o que ocorreu com João Batista, o maior dos profetas, considerando-se as perseguições ocorridas e a morte por decapitação a que foi alvo.

Em “Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita, no livro I, Cristianismo e Espiritismo, Módulo II, Roteiro 3 - João Batista - o precursor, encontramos uma explicação acerca da decapitação de que João Batista sofreu: “Em virtude da lei de causa e efeito, sabemos que não há efeito sem causa. Por conseguinte, para que João Batista sofresse a pena de decapitação é porque ainda tinha dívidas de encarnações anteriores a pagar. Apesar do alto grau de espiritualidade que tinha alcançado, João teve de passar pela mesma pena que infligira aos outros. De fato, se João Batista era Elias, poderemos ver nessa decapitação o saldo da dívida que tinha contraído quando, como Elias, mandou decapitar os sacerdotes de Baal. É Justiça Divina que se cumpre, nada deixando sem pagamento.”

Nesse contexto, diferentes tipos de pessoas poderão estar em um resgate comum, reunidos em face dos seus compromissos individuais e coletivos perante as leis de Deus.

Outra justificativa é a de transformar mais rapidamente o espírito da massa, livrando-a das más influências e o de dar maior ascendência às ideias novas, porquanto já maduros para a transformação, é que muitos partem, a fim de se retemperarem em fonte mais pura. E, ao regressarem, acharão mudadas as coisas e experimentarão a influência do novo meio em que houverem nascido. Longe de se oporem às novas ideias, constituir-se-ão seus auxiliares.

O Espírito Emmanuel, no livro O Consolador, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, em “Provação”, nas questões de 246 a 250, esclarece acerca de provação, expiação e como se processa a provação coletiva.

Em suas respostas, Emmanuel esclarece que: “provação é a luta que ensina ao discípulo rebelde e preguiçoso a estrada do trabalho e da edificação espiritual. A expiação é a pena imposta ao malfeitor que comete um crime. (...) Na provação coletiva verifica-se a convocação dos Espíritos encarnados, participantes do mesmo débito, com referência ao passado delituoso e obscuro. O mecanismo da justiça, na lei das compensações, funciona então espontaneamente, através dos prepostos do Cristo, que convocam os comparsas na dívida do pretérito para os resgates em comum, razão por que, muitas vezes, intitulais, ‘doloroso acaso’, as circunstâncias que reúnem as criaturas mais díspares no mesmo acidente, que lhes ocasiona a morte do corpo físico ou as mais variadas mutilações, no quadro dos seus compromissos individuais.”

Desse esclarecimento, podemos inferir que expiação é a manifestação da lei de causa e efeito em decorrência de faltas anteriormente cometidas, em que toda elas representam dívidas contraídas que deverão ser pagas, cedo ou tarde.

Já as provações são situações educativas da vida, que evidenciam os cuidados de Deus para com todos nós, oferecendo-nos benditas oportunidades de progresso moral e espiritual.

Allan Kardec, no livro Obras póstumas, em “Questões e problemas: As expiações coletivas”, traz luz no tocante à justiça de Deus que, às vezes, pode tardar, mas não deixa de atingir os faltosos.

Desse texto, destaca-se que, embora possamos ter uma existência honrosa no momento, ela não exclui as provações, mesmo aqueles mais elevados e esclarecidos que, hoje, repugnam atos de barbárie cometidos nos tempos de menosprezo pela vida do outro, ou, quando poderoso, eliminava o fraco impiedosamente, dentre outras tantas ações que fizeram sucumbir vítimas por acidentes isolados ou por catástrofes coletivas.

Nesse sentido, a distinção entre as responsabilidades decorrentes das faltas individuais ou coletivas explica certos fatos ainda desconhecidos, mostrando a solidariedade existente entre seres e gerações.

Importante ressaltar, ainda, as relações existentes entre os seres humanos que, de maneira geral, renascem “no mesmo meio, na mesma nação, na mesma raça, quer por simpatia, quer para continuar, com os elementos já elaborados, estudos começados, para se aperfeiçoar, prosseguir trabalhos encetados e que a brevidade da vida não lhe permitiu acabar. A reencarnação no mesmo meio é a causa determinante do caráter distintivo dos povos e das raças. Embora melhorando-se, os indivíduos conservam o matiz primário, até que o progresso os haja completamente transformado.” (Allan Kardec. Obras póstumas)

Por conseguinte, não é difícil de entender a solidariedade existente entre famílias, cidades, nações e raças que, no passado, dominadas por sentimentos inferiores, enveredaram por mau caminho e fizeram coletivamente o que um indivíduo faz isoladamente.  A solidariedade é fato que assenta numa lei universal da Natureza, ligando os seres do passado, do presente e do futuro, cujas consequências não se pode subtrair.

Esse fenômeno de progresso, arrastando as massas ao mesmo tempo, transforma-se em instrumento de regeneração pelos erros e prejuízos de um passado que tem de desaparecer.

Por fim, citam-se alguns ensinamentos de Léon Denis, no livro O problema do ser, do destino e da dor, no Capítulo IX - Evolução e finalidade da alma e no Capítulo X – A morte: “... a vida do ser consciente é uma vida de solidariedade e liberdade. Livre dentro dos limites que lhe assinalam as leis eternas, faz-se o arquiteto do seu destino. O seu adiantamento é obra sua. (...) Quanto mais sobe, tanto mais se sente viver e sofrer em todos e por todos. Na necessidade de se elevar a si mesmo, atrai a si, para fazê-los chegar ao estado espiritual, todos os seres humanos que povoam os mundos onde viveu.”

Assim, a plenitude da consciência moral e espiritual conduz a trabalhar por nós mesmos e pelos nossos semelhantes, segundo os princípios divinos da lei de educação geral que rege as condições das nossas vidas, quer no plano físico como no espiritual.

Pensando nas mortes prematuras, acidentais e das catástrofes que eliminam numerosas existências humanas, somos conduzidos a reflexões sobre o sentido da vida para a nossa evolução moral e espiritual. As nossas vidas têm sentido existencial, segundo os propósitos divinos.

Provas e expiações são meios para educar o Espírito e agentes de progresso, em que as causas dos sofrimentos atuais se encontram nas violações do passado, anteriores aos efeitos, determinando as condições do destino de cada ser, sendo que os benefícios da dor e do sofrimento alcançam os que sabem compreender as suas ações e os seus efeitos.

A alma deve conquistar todos os atributos para se libertar dos sentimentos inferiores, renovar a sua morada e alcançar a verdadeira felicidade, mas para isso precisa dos obstáculos, das exigências e das duras lições que provocam os esforços e formam a experiência necessária para atingir a meta evolutiva.

Nos estágios inferiores da vida, há que se passar pelas provações e expiações da luta do bem contra o mal dentro do próprio íntimo, para se adquirir a conscientização necessária para o pleno exercício do livre-arbítrio e tornar possível o triunfo futuro.

Por isso, viva em função do amor maior, como Jesus amou, na busca da felicidade duradora, que nem a traça e a ferrugem corroem. Viva por você mesmo e pelo seu próximo, fazendo a caridade que liberta a alma.

 

Bibliografia:

EMMANUEL (Espírito); (psicografado por) Francisco Cândido Xavier. O Consolador. 29ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

DENIS, León. O problema do ser, do destino e da dor. 32ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.

KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.

KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. O Céu e o Inferno. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Médiuns. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. Obras póstumas. 41ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

MOURA, Marta Antunes de Oliveira. Estudo aprofundado da doutrina espírita: Cristianismo e Espiritismo. Orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do aspecto religioso do Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017. 
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita