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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Transexualidade: algumas observações


Uma das mais difíceis provas para o Espírito em sua marcha ascensional é certamente a que o faz reencarnar num corpo no qual não se sente ajustado sexualmente. Esse drama tem sido enfrentado por um grande número de criaturas, mas nunca tão exposto como na atualidade. Diante desse quadro, algumas considerações à luz da imortalidade se fazem necessárias. Seria Deus tão injusto ao ponto de conceder a um Espírito viver num corpo físico/gênero com o qual não possui afinidade? A resposta é óbvia: claro que não.

Tenhamos em mente que o Pai celestial sempre deseja o melhor para nós. Mas o atingimento da perfeição – meta delineada por ele para todas as criaturas – não será alcançado sem a experiência de se galgar todos os estágios evolutivos, inclusive no terreno sexual. N’O Livro dos Espíritos encontramos, a propósito, uma questão basilar a respeito e que vale a pena recordar:

“201. Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo de um homem animar o de uma mulher e vice-versa?

“Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulheres.

“202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher?

“Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.”

Notem que as entidades espirituais empregam o termo “provas”, significando, portanto, que elas existem também nesse aspecto. Em outras palavras, nascer na condição masculina ou feminina embute igualmente um conjunto de situações vivenciais às quais os Espíritos estão sujeitos. Allan Kardec acrescenta ainda, nos seus comentários referentes à questão 202, que:

“Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens.”

Na questão 335 da referida obra há mais elementos esclarecedores, entre eles a informação de que [...] Nem sempre, porém, lhe é permitida a escolha do seu invólucro corpóreo; mas, simplesmente, a faculdade de pedir que seja tal ou qual” (ênfase minha). Posto isto, parece natural que nós (Espíritos), em algum momento de nossa trajetória milenar, tenhamos passado ou haveremos de envergar uma indumentária carnal (corpo) à qual não nos sintamos absolutamente confortáveis. Entretanto, tal experiência é fundamental em vista dos objetivos propostos pelo Criador às suas criaturas.

A literatura espírita traz exemplos contundentes de indivíduos que enfrentam tais testes. Ou seja, há Espíritos que transitam numa polaridade sexual oposta aos seus desejos por expiação, isto é, devido ao abuso que empreenderam no sexo oposto ensejando, assim, experiências reparadoras, enquanto outros o fazem em conformidade com os ditames divinos. No primeiro caso vale lembrar Madame B, relatada no livro O Céu e o Inferno, de autoria de Allan Kardec. Essa personagem agasalhou o corpo masculino, em encarnação anterior, obtendo grande sucesso na condição de ilustre médico. Mas ávido por aumentar sua reputação e seus serviços, impôs sofrimentos inaceitáveis a alguns pacientes que nele confiavam. Mas colhendo a justa semeadura, reencarnou em corpo de mulher expurgando, assim, as consequências de suas experiências por meio de doenças dolorosas durante o período de setenta anos.

No segundo caso, é oportuno recordar a obra Eustáquio – Quinze Séculos de uma Trajetória, de autoria do Espírito Cairbar Schutel (psicografia de Abel Glaser), que aborda 17 encarnações desse indivíduo. Ao longo de doloroso processo de acrisolamento, Eustáquio reencarna sob várias condições, contextos e circunstâncias. Ora é rico, ora é pobre, ora é índio, ora é mulher até que a semente do bem nele eclode de maneira reluzente.

Voltando à atualidade, é público e notório que muitas Espíritos reencarnados, ao se sentirem profundamente inadaptados à sua roupagem carnal, optam pela realização da transição sexual através do seu livre-arbítrio. Esclareço que não há de minha parte qualquer juízo de valor com relação às pessoas que buscam esse caminho, mas apenas de examinar o tema à luz do arcabouço Espírita. Aliás, na visão doutrinária, o Espírito Manoel Philomeno de Miranda, na obra Loucura e Obsessão (psicografia de Divaldo Pereira Franco), esclarece que o transexualismo ocorre:

“[...] Quando o corpo se encontra definido numa ou noutra forma e o arcabouço psicológico não corresponde à realidade física, temos o transexualismo, que, empurrado pelos impulsos incontrolados do eu espiritual perturbado em si mesmo ou pelos fatores externos, pode marchar para o homossexualismo, caindo em desvios patológicos, expressivos e dolorosos... É, no entanto, na forma transexual, quando o Espírito supera a aparência e aspira pelos supremos ideais, que surgem as grandes realizações da Humanidade, como também sucede na heterossexualidade destituída de tormentos e anseios lúbricos, que lhe causam grandes distonias. […].”

Grande número de notícias e reportagens são veiculadas hodiernamente retratando indivíduos – famosos ou não – que optaram pela transexualidade. Muitos deles são pessoas bem estabelecidas profissionalmente, possuem família constituída, certa idade, independência financeira etc. Como traço comum em seus corajosos relatos nota-se a afirmação de que sempre foram, no caso de homens, atraídos por coisas pertencentes ao universo do gênero feminino tais como: hábitos, roupas, lingeries, cosméticos etc. No caso de mulheres geralmente ocorre o oposto. Confessam ainda que ao longo de toda a vida guardaram absoluto segredo dessa particularidade, até que um dia, não podendo mais suportar a angústia, decidiram assumir o que lhes ia n’alma. Tal decisão geralmente vem acompanhada de enorme impacto nos que os cercam, especialmente das companheiras. As reações variam de total apoio até perplexidade e rompimento das relações. Nesse sentido, grande número admite que as maiores decepções advêm das pessoas mais próximas das quais esperavam maior compreensão.

Depois da revelação pública vem a longa adaptação: procedimentos cirúrgicos (redesignação sexual), tratamento hormonal, questões legais para o estabelecimento da nova identidade social, e, sobretudo, mudança comportamental. Graças aos avanços da medicina, a transformação corporal é implementada satisfatoriamente, e o indivíduo pode, enfim, se realizar. Há, todavia, outro aspecto que deve ser considerado, ou seja, as necessidades do Espírito. Parece que esse aspecto não toma parte das decisões e mudanças, embora seja vital no que concerne ao progresso do indivíduo, quando considerado o quadro mais amplo. Por isso, para quem se encontra sob tal dilema de vida, cabe refletir sobre a sábia advertência do Apóstolo Paulo, “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm” (1 Coríntios 6:12).

Ademais, a solução pela mudança de sexo não impedirá que o indivíduo, conforme acima comentado, venha a ter que recapitular os mesmos desafios em futuras reencarnações. Desse modo, é certo que haverá de nascer novamente num corpo com o qual não possua afinidade de gênero, o que lhe exigirá maior conscientização e preparo. Sendo essa a realidade espiritual, é melhor, então, trabalhar o pensamento assimilando desde já tal imperativo. Afinal, deveria algo nos ensinar o fato de que os anjos, tal qual muitos se apresentam, possuem fisionomias andróginas, evidenciando, assim, que atingiram essa elevada condição evolutiva incorporando características dos dois gêneros.  


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita