Especial

por Paulo Neto

Espiritismo: uma religião digna do Criador
Parte 2 e final

 
“O verdadeiro crítico deve afastar-se das ideias preconcebidas, despojar-se de qualquer preconceito pois do contrário julgará de seu ponto de vista, que talvez, nem seja justo.”
 (ALLAN KARDEC)

 

A seguir, a parte final do artigo publicado na edição da semana passada.


5º) A prece de Allan Kardec

Entre os documentos do acervo Forestier publicados pelo Projeto Allan Kardec [1], há um manuscrito que contém uma prece feita por Allan Kardec, datada de 2 de dezembro de 1866; destacamos o trecho inicial:

Senhor Deus Todo-Poderoso,

Quanto mais medito sobre o objetivo final do espiritista, que é sua constituição em religião, mais eu sinto minhas ideias se aclararem e o plano se delinear, sem dúvida graças à assistência de vossos mensageiros; porém, mais também eu sinto quanto esse trabalho exige calma e meditações sérias.

Se me julgais digno, Senhor, de uma tal tarefa, fazei, peço-vos, que eu possa ter a tranquilidade necessária. Se as circunstâncias me obrigarem a me expatriar, peço que os bons Espíritos preparem os caminhos para que eu possa, em meu retiro, dedicar-me sem problemas a esses trabalhos. Dai-me sobretudo saúde, assim como a Amélie. [2] (grifo nosso)

Nessa prece, temos o Codificador preocupado com a tarefa da constituição do Espiritismo em religião.


6º) Discurso na Sessão Anual Comemorativa dos Mortos

No fascículo do mês de dezembro de 1868 da Revista Espírita, Allan Kardec registrou o seu discurso de abertura, intitulando-o de “O Espiritismo é uma religião?” O astrônomo Camille Flammarion (1842-1925) disse que o Codificador pressentiu seu fim próximo [3], também foi essa a impressão que nos ficou diante desse título, razão pela qual viu a necessidade de deixar bem clara a questão proposta. A certa altura de sua alocução diz:

Se assim é, dir-se-á, o Espiritismo é, pois, uma religião? Pois bem, sim! sem dúvida, Senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e disto nos glorificamos, porque é a doutrina que fundamenta os laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.

Por que, pois, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Pela razão de que não há senão uma palavra para expressar duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; que ela desperta exclusivamente uma ideia de forma, e que o Espiritismo não a tem.

O Espiritismo, não tendo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não se poderia, nem deveria se ornar de um título sobre o valor do qual, inevitavelmente, seria desprezado; eis porque ele se diz simplesmente: doutrina filosófica e moral. [4] (grifo nosso)

Em nossa maneira de entender, a posição do Codificador era clara quanto ao Espiritismo ser religião, porém não no sentido comum que se dá ao termo, pois, fatalmente, o remeteria aos caracteres das religiões tradicionais, com seus dogmas, rituais, hierarquia etc.

Por outro lado, se logo no início da Codificação Espírita Allan Kardec o definisse como religião ele, o Espiritismo, seria desprezado, seria apenas mais uma “no mercado”, e em razão disso morreria no nascedouro.

Corroborando nosso pensamento, trazemos a opinião do jornalista José Herculano Pires (1914-1979), a respeito desse discurso do Codificador. A obra O Tesouro dos Espíritos foi traduzida por Herculano Pires, a 2ª parte intitulada “Marcha para o futuro” é de sua autoria, por inspiração de Miguel Vives, que, quando vivo, foi autor da 1ª parte dessa obra:

O Espiritismo é a Religião em espírito e verdade, de que Jesus falou à mulher samaritana. Mas há espíritas que não compreendem isso e negam a religião espírita. “É possível tirarmos do Espiritismo a fé em Deus e a lei da caridade?” Todo o problema, que tanta celeuma tem levantado entre alguns irmãos intelectuais, se resume na falta de compreensão do que seja religião. Os confrades antirreligiosos gastam tinta e papel em quantidade por quererem provar um absurdo. Alegam que Kardec se recusou a chamar o Espiritismo de religião. Mas o próprio Kardec explicou por que o evitou – não se recusou, mas apenas evitou – chamar o Espiritismo de religião: não queria confundir uma doutrina de luz e liberdade com as organizações dogmáticas e fanáticas do mundo religioso[5] (grifo nosso)

Bem clara é a posição de Herculano Pires, com a qual nos alinhamos sem o menor constrangimento, já que isso causa espécie a alguns confrades.

Nós estamos plenamente convencidos de que o Espiritismo é uma religião, porém somos concordes com Allan Kardec, que disse: “O que é evidente, para nós, pode não ser para vós outros; cada qual julga as coisas debaixo de certo ponto de vista, e do fato mais positivo nem todos tiram as mesmas consequências.” [6]

 

Referências bibliográficas:

KARDEC, A. O Que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.

KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006.

KARDEC, A. Revista Espírita 1868. Araras (SP): IDE, 1993.

KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Araras (SP): IDE, 2001.

VIVES, M. V. O Tesouro dos Espíritas. São Paulo: Edicel, 2016.

GRUPO MARCOS, A Imagem da Luz – A presença do Cristo nas Três Revelações, disponível em LINK-1

KARDEC, Qu’est-ce que le Spiritisme, disponível em: LINK-2

LUZ ESPÍRITA, Enciclopédia Espírita Online: Projeto Allan Kardec: acervo Forestier, disponível em: LINK-3  Acesso em: 01 nov. 2023.

PROJETO ALAN KARDEC: Prece de Allan Kardec – 02/12/1866, disponível em: LINK-4. Acesso em: 09 jun. 2021.


 


[1] LUZ ESPÍRITA, Enciclopédia Espírita Online: Projeto Allan Kardec: acervo Forestier, disponível em: LINK-3  Acesso em: 01 nov. 2023.

[2] PROJETO ALAN KARDEC: Prece de Allan Kardec – 02/12/1866, disponível em: LINK-4. Acesso em: 09 jun. 2021.

[3] No discurso de despedida junto ao túmulo de Allan Kardec, Camille Flammarion diz: “Há alguns meses, sentindo seu fim próximo, preparo as condições de vitalidade desses mesmos estudos depois de sua morte, e estabeleceu a Comissão Central que o sucede.” (KARDEC, Revista Espírita 1869, p. 139)

[4] KARDEC, Revista Espírita 1868, p. 359.

[5] VIVES, O Tesouro dos Espíritas, p. 85.

[6] KARDEC, O Que é o Espiritismo, p. 59.

  

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita