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por Almir Del Prette

 

Obediência à autoridade


A obediência a alguém que se supõe uma autoridade tem sido louvada como virtude importante, podendo consolidar um tipo de relação entre aquele que manda e aquele que obedece. Supõe-se que o mandante possui primazia concedida por uma autoridade ainda maior, ou por papéis sociais que não deixam dúvidas quanto a seus predicados.

O Antigo Testamento (1) narra a história da consolidação de um povo (hebreu), cujo início e desenvolvimento progressivo tiveram como base a autoridade, ou seja, o mando e a obediência. Entre as muitas ocorrências, provavelmente um efeito espetacular, no caso dos hebreus, teria sido a aparição/evocação do próprio Deus, que teria ordenado várias ações a Abraão, inclusive que tomasse seu único filho e o imolasse.

Abraão já havia se acostumado com as aparições (2) e, mais uma vez, nada questionou, nem mesmo sobre o teor da ordem dada e, incontinenti, decidiu que cumpriria o que lhe havia sido indicado fazer. No momento em que Abraão ia demonstrar sua obediência máxima, a ordem, conforme registro bíblico, foi revogada. Abraão, pela sua obediência contínua, teve fortalecido seu papel de patriarca, na constituição de uma grande nação.

Daí para diante, inclusive na heroica fuga do Egito, comandada por Moisés, os líderes hebreus contaram com o concurso da ajuda divina para superar os maiores obstáculos que enfrentavam. Resumidamente, essa é a história do povo hebreu narrada no Antigo Testamento.


Jesus inaugura uma nova maneira de liderar

No Novo Testamento (3)o relato parece sugerir que Deus aparentemente abandona a estratégia da presença assídua e envia um novo líder (Jesus), com o qual manteria contato frequente. Diferente de outros líderes, Jesus, ao se tornar adulto, sem demora formou um grupo de homens e mulheres com diferentes recursos e atributos (4). Ao invés de mandos, Jesus optou por preparar seus discípulos conforme as habilidades de cada um. Por exemplo, Mateus, o mais dotado em letras e cálculos, ficou com a atribuição de reportar os sermões do Mestre. Judas de Iscariotes foi incumbido da contabilidade financeira. Algumas mulheres se incumbiram das provisões etc.

Muitos séculos após esse período registrado na Bíblia, Irmão X, por meio do médium Francisco Cândido Xavier (5), narra a constituição de uma assembleia no plano espiritual que, além dos luminares do progresso da humanidade, contou com a presença do próprio Jesus na escolha de dois espíritos para importantes tarefas visando ao progresso da humanidade em nosso orbe.

Irmão X, com grande maestria, traça um breve perfil dos espíritos presentes naquela assembleia para, em seguida, se reportar à aparição de Jesus no evento. Quais as tarefas o Mestre iria atribuir? Trazia o Mestre um conjunto de ordens? Como se tratava de uma assembleia formada por grandes vultos do progresso de nosso planeta, certamente congregaria ali uma plêiade de espíritos dignos de novas missões no orbe terrestre. Quem seriam os escolhidos? Entretanto, o Mestre dirigiu-se a dois espíritos para lhes atribuir novas e importantes tarefas: Napoleão Bonaparte e Allan Kardec.

Ao invés de ordens que apontassem desempenhos notáveis, o Mestre chama a atenção para conquistas já alcançadas por eles no campo do conhecimento e das virtudes, ajudando-os a se fixarem em atributos relevantes para as tarefas que teriam pela frente. O conteúdo e estilo do relato do Irmão X permitem uma melhor compreensão do didatismo presente nas mensagens que a espiritualidade superior envia para os encarnados. No caso de Bonaparte e Kardec, nomes já conhecidos por notáveis experiências pregressas no planeta, eram referidos, especialmente, em ocasiões em que se reuniam os notáveis da espiritualidade superior.  

À guisa de conclusão

Obediência e mando não implicam sempre uma díade ou um indivíduo ou grupo ordenando alguma ação a alguém ou comunidade. O objeto do mando pode também ser o próprio indivíduo ordenando a si mesmo. A partir dos quatro anos de idade, a criança introjeta o mando, ou seja, ela já responde a si própria a pergunta “E agora, devo fazer o que me pedem?”, diante de situações nas quais é abordada por alguém e pressupõe algum risco. Essa aquisição do desenvolvimento é importante para a criança pois, ao mesmo tempo que pode livrá-la de situações desagradáveis, vai consolidando sua autonomia.  

Além desse recurso do desenvolvimento que realça a importância da recusa à obediência cega, a história registra muitos casos em que a desobediência era a resposta desejável. Um exemplo clássico registrado pela história de nosso país foi a recusa do Infante D. Pedro I em seguir o mando da coroa para retornar a Portugal, pois suas decisões não agradavam à corte.

No âmbito do movimento espírita precisamos, também, ficar atentos sobre a quem seguimos como autoridade, seja a fonte um espírito ou um companheiro encarnado. É importante refletir sobre quanto conseguimos ser críticos e/ou autocríticos às decisões abertas ou veladas; quanto podemos acatá-las ou recusá-las quando contrariam os elementos doutrinários fundantes das obras basilares de Allan Kardec.


Referências:

1 Antigo Testamento em Bíblia Sagrada. Edições Paulinas (B.S.E.P.), 1a. 3ª. Impressão, agosto, 1990.

2. Abrão se mostrou, desde a sua primeira expedição na busca da Terra Prometida, um indivíduo astuto. Por exemplo, ao chegar ao Egito convenceu Sara, sua esposa, a ser apresentada como sua irmã. Com isso, obteve presentes generosos do rei, que se mostrara interessado por Sara (Ver B.S.E.P. p. 25).

3 e 4. Novo Testamento, Idem. Edições Paulinas

(5) Irmão X (espírito) e (Francisco C, Xavier (médium). Kardec e Napoleão.  Cap. 28 Cartas e Crônicas. Editora F.E.B.

NOTA: O autor agradece a leitura e sugestões de Zilda A. P. Del Prette na finalização deste artigo.     


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita