Entrevista

por Orson Peter Carrara

Iniciativa dos grupos inter-religiosos estimula tolerância e une propósitos

 
Natural de Ribeirão Preto (SP) e residente em Londrina (PR), Rogério Caetano da Silva (foto) é bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, pós-graduado em Gestão em Segurança Pública, pela Academia Nacional de Polícia/CESPE e também pós-graduado em Psicanálise pelo Instituto Nacional de Parapsicologia e Psicometafísica de Londrina. Delegado da Polícia Federal ora aposentado, é advogado. Vincula-se ao Centro de Estudos Vinha de Luz e ao Lar Anália Franco, ambas instituições de Londrina (PR), e exerce no momento o cargo de vice-presidente do Conselho Deliberativo do Lar Anália Franco. Entrevistamo-lo sobre sua ativa participação em grupos inter-religiosos:


Como você se aproximou do Espiritismo?

Até 1990/1991 eu era católico. Embora seja muito grato à Igreja Católica, que foi meu berço religioso nesta existência, por não encontrar no catolicismo algumas respostas a perguntas íntimas sobre os problemas do ser, do destino, da existência, do porquê da dor e do sofrimento, passei a estudar os ensinamentos religiosos de outras religiões. Nessa época eu conheci um grande homem que passou a ser um grande amigo cujo exemplo familiar e de conduta moral muito me cativou. Ele era/é espírita e me convidou para uma reunião de estudos na Casa Espírita Joana D´Arc, em Apucarana-PR. Na reunião ganhei um exemplar de “O Livro dos Espíritos”. Foi “amor à primeira vista” e um sentimento de que já conhecia o Espiritismo desde priscas eras.

O que mais lhe chama atenção nas atividades inspiradas pela DE?

O que mais me chama a atenção e me inspira é a divulgação e difusão da Doutrina Espirita. A Doutrina Espírita trouxe para mim uma nova reinterpretação do Evangelho de Jesus. Fez-me compreendê-lo sob uma nova luz, sob os princípios da reencarnação e da vida espiritual. Isto fez com que os ensinamentos do Cristo passassem a fazer sentindo na vida e despertou uma vontade enorme de levar estes conhecimentos do ser, da vida espiritual e da filosofia moral a todos, sem barreiras, objetivando auxiliar no grande objetivo de transformação moral da humanidade.

E como se interessou pelos movimentos inter-religiosos?

Desde a época do catolicismo eu me interessava pelo sincretismo religioso. A forma como as religiões dos nossos Irmãos e Irmãs de matriz africana e dos indígenas influenciaram e influenciam o catolicismo em algumas regiões de nosso país já era algo que tentávamos implantar nos grupos de jovens em que participávamos. No movimento espírita foi mais acentuado, tendo em vista que a grande maioria veio de outras religiões, isso faz com que nós, espíritas, tenhamos uma facilidade muito grande em trabalhar em conjunto com outras pessoas de outras religiões em prol da tolerância religiosa e da união de todos em torno dos pontos que possuímos em comum. Desta forma, quando surgiu o convite para irmos a uma das reuniões do GDI – Grupo de Diálogo Religioso – de Londrina, não perdi a oportunidade. Nesse grupo conheci e conheço pessoas das mais variadas religiões, que pensam de forma humanitária e trabalham muito pela tolerância religiosa e agem pela paz e pela cultura de respeito e não violência entre todos, diminuindo muito as “barreiras” religiosas ainda existentes.

Explique como funciona.

Reunimo-nos presencialmente e bimestralmente. No início as reuniões eram na Associação Médica de Londrina, talvez por ser considerado um local neutro e por causa de um dos idealizadores ser médico e disponibilizar o local para as reuniões. Quando comecei a participar o grupo já se reunia há pelo menos um ano. No início percebíamos que ainda existia uma certa “defesa” natural de cada participante. Estávamos na fase do desenvolvimento da tolerância. À medida que fomos conhecendo de maneira mais profunda cada religião, percebemos que nossos caminhos podiam ser diferentes, mas nossos objetivos eram os mesmos (Amor ao próximo, à humanidade, fraternidade, solidariedade, não violência, tolerância religiosa etc.). Esse convívio desenvolveu entre nós um respeito muito grande. Passamos a ver o outro como um verdadeiro irmão/irmã e sentimos que alcançamos um outro patamar: o de Amorosidade e o de Irmandade Universal. Hoje nossas reuniões são nos templos religiosos de cada religião e isso fez com que ainda mais nos uníssemos. Nossas reuniões duram cerca de duas horas e discutimos assuntos previamente escolhidos pelo grupo para dialogarmos e vermos como cada religião enfrenta os desafios da humanidade e como podemos auxiliar como um todo. É um aprendizado constante.

Na prática considera bons os desdobramentos e resultados? Como ele pode ser percebido?

Os desdobramentos são vários e os resultados excelentes. Como um dos objetivos principais do grupo é a ação em favor da não violência e da tolerância religiosa, as ações do grupo se exteriorizam dentro da sociedade. Fazemos campanhas e participamos juntos em várias ações em prol da tolerância religiosa e da não violência, tanto em nossa região como em ações à distância, a fim de apoiar qualquer religião que venha em seu conjunto ou por seus representantes a ser vítimas de quaisquer ações de intolerância ou violência religiosa. Isto é percebido pela própria sociedade, tendo em vista que órgãos públicos e privados reconhecem o GDI como instituição e buscam nossa participação em vários eventos pertinentes à nossa atuação.

E os pontos conflitantes, como são encarados pelos participantes?

Focamos no que temos em comum e, para nossa surpresa, nossos pontos em comum são enormemente superiores aos conflitantes. Em verdade não vemos esses pontos discordantes como conflitantes, haja vista que não há quaisquer conflitos entre nós. Somos diferentes, como cada ser é diferente um do outro. O respeito a essa diversidade é que faz com que cada vez mais desenvolvamos um sentimento de amorosidade entre nós. Interessante que este sentimento se iniciou com a tolerância. Depois passamos a nos respeitar mais e mais, até surgir o sentimento de amorosidade com cada integrante de nosso grupo.

Em sua experiência com a questão, considera que tais movimentos conseguem vencer preconceitos e exercitar a solidariedade? Como?

Totalmente. O exercício entre os integrantes do GDI da tolerância religiosa e do respeito religioso faz com que qualquer espécie de preconceito logo salte aos olhos e passamos a agir em conjunto para fazer o contraponto. Esta ação é totalmente solidária. E desta solidariedade surge a sentimento fraterno entre nós, que faz com que nos sintamos em uma Irmandade.

Tem algum fato marcante para relatar?

Temos muitos momentos marcantes, mas relatarei o que mais me impactou e me impacta. Nos últimos três anos realizamos entre nós o Festival de Música Religiosa. Este Festival é realizado sempre na sede de uma das religiões do GDI e cada religião leva representantes que apresentam e cantam músicas religiosas. Nestas três edições vivemos momentos sublimes. A felicidade e alegria de ver uma apresentação da Umbanda ou do Candomblé, por exemplo, dentro de um templo de uma Igreja Evangélica, com todo o respeito e amorosidade, é algo que o mundo deveria conhecer...

Algo mais que gostaria de acrescentar?

Gostaria de acrescentar que em nosso país já existem GDIs em várias cidades e que os GDIs estão ligados à URI – United Religions Initiative (Iniciativa das Religiões Unidas – tradução livre), que é uma comunidade global dedicada à cooperação permanente e cotidiana entre as diferentes religiões e manifestações da fé, que busca eliminar a violência religiosa e estimular a cultura de paz, justiça e cura. Esta entidade está presente em 112 países e tem assento no Conselho Econômico e Social da ONU.

Suas palavras finais.

Ao observarmos a história do sentimento religioso na humanidade percebemos que de início adorávamos os elementos e forças materiais da natureza. Depois passamos a cultuar animais. Em seguida passamos a cultuar nossos antepassados. Depois colocamos nossos líderes no patamar de deuses e passamos a idolatrá-los. Do politeísmo, passamos ao henoteísmo e ao monoteísmo. Este último, apesar de ainda vivermos em conflitos religiosos por causa de nosso orgulho, egoísmo e soberba, redundará numa compreensão maior de que só existe uma Inteligência Suprema e que todas as criaturas foram por Ele criadas e somos verdadeiramente Irmãos e Irmãs em Humanidade. Isto, quando se tornar crença implícita nos corações de todos, fará que reconheçamos que a verdadeira religião é a do Amor e da Sabedoria Divina e Universal e que todos nós, sem a necessidade de deixarmos nossas crenças e culturas individuais, passaremos a vivê-la e a exercitaremos, pois ela emana diretamente do Criador e está dentro de cada um de nós e a sua descoberta íntima é algo que todos nós estamos destinados a encontrar.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita