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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

A dor antecedente


Na década de 1990 floresceu fortemente, com espaço até hoje, a discussão espírita da defesa da vida, dividida em ações de esclarecimento sobre a prevenção do aborto, da eutanásia, do suicídio e da pena de morte.

O debate, sempre focado no ato e no seu agente: a mulher que aborta, a família que autoriza desligar aparelhos, a pessoa que se mata e o criminoso que é executado, esquece o contexto, a dor antecedente que levou àquela situação complexa.

Mais do que discutir de forma insistente e panfletária se somos contra ou a favor, interessa entender a raiz desses fenômenos, o que leva a eles e de que forma podem ser evitados.

Por trás do aborto existe a carência de políticas de planejamento familiar, de educação sexual e debate sério sobre sexualidade e relacionamentos, temas tratados de forma transversal e puritana, quando não negligenciados, inclusive nas casas espíritas.

Em relação à eutanásia, a doença tida como incurável por vezes é falta de acesso à assistência no campo da saúde, e uma situação que pode ser entendida como terminal pode ter uma solução na expansão dos meios disponíveis, inclusive pela mobilização popular.

A pessoa que se mata deriva, muitas vezes, de mazelas da saúde mental, ou da falta de assistência adequada diante das dificuldades da existência, e as lacunas de ações que promovam o socorro aos desesperados são causas de muitas abreviações da vida.

Por fim, a pena de morte é parte de uma trajetória que começa com o crime, e se dá não só pela via formal, mas também na casuística do linchamento e da execução sumária. Interessa entender o crime, suas razões e como diminuir a sua incidência.

Simplificar o debate no combate à questão pontual e na polarização do contra ou a favor alimenta tertúlias em redes sociais, mas pouco contribui com a discussão da defesa da vida em sua plenitude, como trazido em O Livro dos Espíritos sobre esses temas.

Trata-se de questões complexas e que não têm solução simples; e ficarmos como juízes impiedosos diante dessas situações concretas sem entender o seu contexto e as causas antecedentes é de uma crueldade atroz e pouco contribui com a causa.

Passados mais de trinta anos dessas campanhas, iludidos com acharmos que o cerne delas é mudar legislações ou promover testemunhos públicos, tem-se que as causas continuam por aí, pujantes, favorecendo a ocorrência dessas dores, e ficamos felizes, cumpridores de nosso dever espantando moscas, sem estar preocupados com curar as feridas.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita