Relata-nos um amigo das lides espíritas de grande cidade
brasileira que recentemente, face à violência social,
cogitaram alguns membros do centro espírita, em que
colabora, que nos dias e horários em que a instituição
funciona deve-se ter o cuidado de manter a porta de
entrada fechada, com uma recepção controlando quem pode
e quem não pode entrar. Alega-se que podem sofrer um
assalto a mão armada, com risco grande de ocorrer algo
pior. Disse-nos o amigo que muitos frequentadores e
colaboradores deixaram de frequentar o centro espírita
porque estão com medo de acontecer alguma coisa com
eles, mesmo vindo a morrer. Interessante é que essas
mesmas pessoas não deixaram de frequentar o
supermercado, o shopping, o estádio de futebol, a
casa de festas, o transporte público e assim por diante.
O perigo, segundo alguns, ronda o centro espírita.
O temor da morte, como bem estudado por Kardec junto aos
Espíritos Superiores, faz parte da lei divina de
conservação, dando ao ser humano o instinto de preservar
sua vida, pois de outra maneira acabaria morrendo bem
antes do previsto; é assim que cuidados são necessários,
mas não ao ponto de paralisar a própria existência, em
prejuízo de si mesmo e dos outros, pois que adianta
viver quando esse viver não é útil a ninguém?
É princípio básico do Espiritismo que somos almas
imortais, acabando com a morte, que é apenas fenômeno de
transição para retorno à dimensão espiritual. A morte
pode acontecer a qualquer momento e de qualquer modo,
pois não sabemos nem quando, nem como iremos morrer.
Então, por que esse medo que faz muitos espíritas
largarem as atividades presenciais do centro espírita? E
largam não apenas com medo da violência, mas também com
medo de vírus, como, por exemplo, da Covid, embora já
exista vacina e ele esteja sob controle.
Isso nos faz lembrar a querida amiga e trabalhadora da
seara espírita Suely Caldas Schubert. Estávamos na
cidade de São José dos Campos, estado de São Paulo,
hospedados no mesmo hotel, a convite de queridos amigos
para uma série de palestras e seminários, e tivemos
ocasião de conversarmos. Ela já estava com alguma
dificuldade de locomoção, e nos disse que haviam
recomendado que ela não viajasse mais sozinha, pois
poderia passar mal no apartamento e não ser socorrida a
tempo. Sua resposta foi que a morte poderia acontecer em
qualquer lugar, inclusive estando em casa, sentada no
sofá, e para ela a morte era o menor problema que a
incomodava diante da certeza que tinha da continuidade
da vida.
Essa certeza da continuidade da vida após a morte é o
que está faltando a muitas pessoas que se dizem
espíritas, mas que em verdade não deixaram que os
princípios do Espiritismo lhes modificassem o modo de
ver e sentir a vida. No dizer de Allan Kardec em O
Livro dos Médiuns, não são verdadeiros espíritas,
tanto que qualquer coisa que venha a acontecer, que lhes
ameace a zona de conforto em que vivem, fá-los
estremecer e fugir do compromisso de renovação moral e
espiritual. Para ilustrar isso, lembramo-nos de outra
história acontecida com um espírita que fez sua vida na
cidade do Rio de Janeiro, e sonhava em voltar para sua
cidade natal no interior de Minas Gerais. Ao
aposentar-se, tudo preparou para esse retorno e
considerava-se uma pessoa muito feliz, pois estava
concretizando esse sonho. Na véspera da mudança sofreu
um infarto e quase morreu, o que o fez rever tudo e,
quando chegou à pequena cidade interiorana, sua primeira
providência foi fundar um centro espírita e arregaçar as
mangas no trabalho da caridade, pois a felicidade não é
deste mundo.
Quando da eclosão da pandemia por ocasião da Covid-19,
obedecendo aos protocolos sanitários governamentais, as
instituições espíritas, como todos os demais templos
religiosos, fecharam suas portas. A diferença ficou no
processo de reabertura. Enquanto templos e igrejas
abriam paulatinamente suas portas, muitos centros
espíritas continuaram fechados, com dirigentes e
colaboradores morrendo de medo de se contaminar pelo
vírus. Sabemos de centros espíritas que fecharam em
definitivo, e de outros que somente reabriram dois anos
depois, mesmo assim com atividades parciais, e até hoje,
passados cinco anos, não conseguiram recuperar-se,
vivendo com falta de frequentadores e de colaboradores.
O resultado não poderia ser outro diante do fato de
muitos espíritas simplesmente terem medo de morrer, mas
aqui temos que considerar que esses não são verdadeiros
espíritas.
Temos um amigo, espírita de muito tempo, morador da
capital paulista, que já declarou que não contem com ele
para nenhuma atividade noturna no centro espírita, pois
de casa ele não vai sair, com medo que está da violência
da grande cidade. Seu sonho é mudar-se para uma pequena
cidade do interior, mesmo que nela não tenha uma
instituição espírita, mas pelo menos estará seguro de
ser assaltado e morto. Esquece esse nosso amigo que a
morte pode chegar-lhe de mil circunstâncias, e que pode
nada ter a ver com a violência urbana da nossa
sociedade.
É na hora da provação que devemos mostrar nossa fé,
nossa crença, não esquecendo que em O Livro dos
Espíritos somos advertidos que o mal predomina
porque o bem é tímido. Se o centro espírita vai filtrar
quem pode e quem não pode entrar, se vai instalar
câmeras de vigilância, se vai colocar na porta pessoas
para fazer a segurança, não seria melhor fechar a
instituição, que deveria ser posto de socorro para
todos, escola espiritual das almas que transitam neste
mundo? Onde ficam a fraternidade e a solidariedade?
Não esqueçamos que o centro espírita é ponto de luz,
onde os amigos espirituais trabalham incessantemente
pelo nosso bem. Se discursamos que a morte não existe,
está na hora de vivenciarmos esse discurso, como
verdadeiros espíritas que devemos ser.
Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante;
coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo
espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube;
é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e
apresenta programas espíritas na internet; possui 40
livros publicados.