Especial

por Marcus De Mario

O espírita e o medo da morte

 

Relata-nos um amigo das lides espíritas de grande cidade brasileira que recentemente, face à violência social, cogitaram alguns membros do centro espírita, em que colabora, que nos dias e horários em que a instituição funciona deve-se ter o cuidado de manter a porta de entrada fechada, com uma recepção controlando quem pode e quem não pode entrar. Alega-se que podem sofrer um assalto a mão armada, com risco grande de ocorrer algo pior. Disse-nos o amigo que muitos frequentadores e colaboradores deixaram de frequentar o centro espírita porque estão com medo de acontecer alguma coisa com eles, mesmo vindo a morrer. Interessante é que essas mesmas pessoas não deixaram de frequentar o supermercado, o shopping, o estádio de futebol, a casa de festas, o transporte público e assim por diante. O perigo, segundo alguns, ronda o centro espírita.

O temor da morte, como bem estudado por Kardec junto aos Espíritos Superiores, faz parte da lei divina de conservação, dando ao ser humano o instinto de preservar sua vida, pois de outra maneira acabaria morrendo bem antes do previsto; é assim que cuidados são necessários, mas não ao ponto de paralisar a própria existência, em prejuízo de si mesmo e dos outros, pois que adianta viver quando esse viver não é útil a ninguém?

É princípio básico do Espiritismo que somos almas imortais, acabando com a morte, que é apenas fenômeno de transição para retorno à dimensão espiritual. A morte pode acontecer a qualquer momento e de qualquer modo, pois não sabemos nem quando, nem como iremos morrer. Então, por que esse medo que faz muitos espíritas largarem as atividades presenciais do centro espírita? E largam não apenas com medo da violência, mas também com medo de vírus, como, por exemplo, da Covid, embora já exista vacina e ele esteja sob controle.

Isso nos faz lembrar a querida amiga e trabalhadora da seara espírita Suely Caldas Schubert. Estávamos na cidade de São José dos Campos, estado de São Paulo, hospedados no mesmo hotel, a convite de queridos amigos para uma série de palestras e seminários, e tivemos ocasião de conversarmos. Ela já estava com alguma dificuldade de locomoção, e nos disse que haviam recomendado que ela não viajasse mais sozinha, pois poderia passar mal no apartamento e não ser socorrida a tempo. Sua resposta foi que a morte poderia acontecer em qualquer lugar, inclusive estando em casa, sentada no sofá, e para ela a morte era o menor problema que a incomodava diante da certeza que tinha da continuidade da vida.

Essa certeza da continuidade da vida após a morte é o que está faltando a muitas pessoas que se dizem espíritas, mas que em verdade não deixaram que os princípios do Espiritismo lhes modificassem o modo de ver e sentir a vida. No dizer de Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, não são verdadeiros espíritas, tanto que qualquer coisa que venha a acontecer, que lhes ameace a zona de conforto em que vivem, fá-los estremecer e fugir do compromisso de renovação moral e espiritual. Para ilustrar isso, lembramo-nos de outra história acontecida com um espírita que fez sua vida na cidade do Rio de Janeiro, e sonhava em voltar para sua cidade natal no interior de Minas Gerais. Ao aposentar-se, tudo preparou para esse retorno e considerava-se uma pessoa muito feliz, pois estava concretizando esse sonho. Na véspera da mudança sofreu um infarto e quase morreu, o que o fez rever tudo e, quando chegou à pequena cidade interiorana, sua primeira providência foi fundar um centro espírita e arregaçar as mangas no trabalho da caridade, pois a felicidade não é deste mundo.

Quando da eclosão da pandemia por ocasião da Covid-19, obedecendo aos protocolos sanitários governamentais, as instituições espíritas, como todos os demais templos religiosos, fecharam suas portas. A diferença ficou no processo de reabertura. Enquanto templos e igrejas abriam paulatinamente suas portas, muitos centros espíritas continuaram fechados, com dirigentes e colaboradores morrendo de medo de se contaminar pelo vírus. Sabemos de centros espíritas que fecharam em definitivo, e de outros que somente reabriram dois anos depois, mesmo assim com atividades parciais, e até hoje, passados cinco anos, não conseguiram recuperar-se, vivendo com falta de frequentadores e de colaboradores. O resultado não poderia ser outro diante do fato de muitos espíritas simplesmente terem medo de morrer, mas aqui temos que considerar que esses não são verdadeiros espíritas.

Temos um amigo, espírita de muito tempo, morador da capital paulista, que já declarou que não contem com ele para nenhuma atividade noturna no centro espírita, pois de casa ele não vai sair, com medo que está da violência da grande cidade. Seu sonho é mudar-se para uma pequena cidade do interior, mesmo que nela não tenha uma instituição espírita, mas pelo menos estará seguro de ser assaltado e morto. Esquece esse nosso amigo que a morte pode chegar-lhe de mil circunstâncias, e que pode nada ter a ver com a violência urbana da nossa sociedade.

É na hora da provação que devemos mostrar nossa fé, nossa crença, não esquecendo que em O Livro dos Espíritos somos advertidos que o mal predomina porque o bem é tímido. Se o centro espírita vai filtrar quem pode e quem não pode entrar, se vai instalar câmeras de vigilância, se vai colocar na porta pessoas para fazer a segurança, não seria melhor fechar a instituição, que deveria ser posto de socorro para todos, escola espiritual das almas que transitam neste mundo? Onde ficam a fraternidade e a solidariedade?

Não esqueçamos que o centro espírita é ponto de luz, onde os amigos espirituais trabalham incessantemente pelo nosso bem. Se discursamos que a morte não existe, está na hora de vivenciarmos esse discurso, como verdadeiros espíritas que devemos ser.

 

Marcus De Mario é escritor, educador, palestrante; coordena o Seara de Luz, grupo on-line de estudo espírita; edita o canal Orientação Espírita no YouTube; é editor-chefe da Revista Educação Espírita; produz e apresenta programas espíritas na internet; possui 40 livros publicados.

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita