Simplesmente Francisco
Morreu o Papa Francisco. Assim foi anunciado nas
notícias que surpreenderam e abalaram o mundo. Apesar da
idade e da doença, é como se, na realidade, ninguém
estivesse à espera deste desfecho.
Desencarnou o Papa Francisco, assim dizemos nós,
espíritas, ou melhor ainda, desencarnou Francisco,
designação que melhor se adequa à simplicidade com que
sempre se vestiu na vida e na “morte”. Simplesmente
Francisco. O representante supremo da Igreja Católica,
“Sumo Pontífice”, assim era designado na sua função. Mas
simplesmente um homem. Simples, humilde, humano,
solidário, um verdadeiro missionário do Cristo, em suma,
um Cristão. Um Cristão na verdadeira acepção da palavra,
preocupado em espalhar as sementes do Evangelho, do qual
a Igreja que representou anda tão e há tanto tempo
arredada.
Conheci, ao longo desta minha existência, cinco Papas.
Mas, segundo creio, nunca se falou tanto e de forma tão
emotiva da “morte” de um Papa. Nunca, pelo mundo,
circularam, nos tempos que se seguiram ao
desaparecimento físico, tantas frases, dizeres, apelos,
conselhos, imagens, sorrisos, que a todos comovem e
fazem pensar, refletir, querer seguir. Não foi amado por
todos, evidentemente. Talvez, até, seja detestado por
muitos, disso não tenhamos dúvidas. Nem de outro modo
poderia ser. Jesus não foi amado por todos. Foi
compreendido por poucos. E mesmo por esses não foi
compreendido inteiramente. Mas esses poucos sentiram de
tal modo a energia do Amor que estava implícito na sua
Doutrina que conseguiram a força necessária para
espalhar a semente da Boa Nova pelo mundo e fazer com
que chegasse até aos dias de hoje, passados dois
milénios. Francisco tinha esse dom. O dom de levar o
Amor do Cristo aos mais simples e humildes, aos
sofredores, aos desprezados da sociedade, aos
incompreendidos. Esta atitude não agrada a todos porque
mexe com as forças do poder terreno, colide com os
interesses mesquinhos e redutores de muitos, não
compactua com o orgulho, a vaidade e a avidez do poder
instituído, seja político, seja religioso, ou de outros
setores da sociedade. Mas, por isso mesmo, talvez tenha
a capacidade de abalar convicções e desfazer “enganos”
que nos têm afastado da essência da Doutrina do Cristo.
A sua expressão “todos, todos, todos” é de uma força e
coragem sem limites, por isso é poderosa e ficará, com
toda a certeza, para a história da Humanidade. Ficará,
de certeza, impressa nos corações de milhões ou bilhões
de pessoas, por esse mundo fora. Sim, atrevo-me a
acreditar nisso. Vi e ouvi gente de todos os quadrantes,
de todos os credos e confissões religiosas falar de
Francisco com carinho, respeito, admiração pura, como
ainda não tinha visto acontecer com nenhum outro
representante do Catolicismo. O sentido pesar pelo seu
desaparecimento do mundo terreno tem um cunho de
sinceridade visível e tocante. O seu desencarne
constitui uma perda para os mais diversos setores
humanos. Vi, inclusive, muitos que se dizem ateus,
falar, pela primeira vez, em espiritualidade e em
“enviados” para espalhar a Luz e o Bem. Enviados de
quem?, poderemos perguntar. Enviados de um Deus em que
afirmam não acreditar? É como se, por instantes, as
convicções de alguns que teimam em ser descrentes
começassem a ser abaladas. Deus permita que sim. Que a
semente deste Papa, que gostava de se ver como
simplesmente Francisco, germine e dê fruto.
Por que razão, decidi, neste artigo falar de alguém que
nem sequer é espírita? Importa assim tanto o facto de
não o ser? Jesus disse: Fora da igreja não há salvação?
Não. Fora da verdade não há salvação? Não. Jesus
alertou: Fora da Caridade/Amor não há salvação. Foi esse
o aviso do Mestre. Penso que Francisco cumpriu bem esse
desígnio e é um exemplo para todos nós, católicos,
evangélicos, ortodoxos, muçulmanos, budistas, espíritas,
ateus… A todos ele acolheu com amor e igual deferência.
Todos, todos, todos, estamos irmanados na mesma busca da
felicidade e na busca de Deus. Como ele dizia, as
religiões são os diversos caminhos de buscar a Deus.
Sabemos nós, espíritas, que já percorremos outros
caminhos, ao longo dos milénios, até chegarmos ao estado
de compreensão atual. E mesmo aqui chegados, temos ainda
um longo caminho a percorrer até nos podermos
considerar, efetivamente, Cristãos.
Não é fácil ser cristão. Não era fácil no tempo dos
apóstolos do Cristo que palmilharam “meio mundo” para
espalhar o Evangelho. Não foi fácil combater a
ignorância, a descrença, o poder religioso instituído
que se sentiu lesado e via a simplicidade da mensagem
cristã como uma afronta à Lei Mosaica e o poder político
de Roma que a via como afronta e desrespeito aos seus
deuses. Não foi fácil enfrentar o martírio e a morte,
mas tudo encararam com a força das suas convicções, na
certeza de que o que ensinavam era algo maior do que
tudo porque provinha do Mestre que lhes prometera uma
vida feliz no Seu Reino. Os apóstolos foram uns
vencedores.
Lamentavelmente, com o passar dos séculos a mensagem por
quer tanto lutaram e sofreram deu origem a religiões e a
institucionalização levou à desvirtualização, à
digladiação entre si, à imposição pela força, levando
dor e sofrimento onde deveria levar amor, luz e alegria.
E nós, espíritas que hoje reprovamos essa realidade e
nos esforçamos por repor as verdades cristãs relembradas
pelos Espíritos, onde estávamos no tempo do Cristo? Onde
estávamos no correr dos séculos de exemplos religiosos
cunhados pelo negativismo, erros e enganos? Nós
estivemos lá. Estivemos com o Cristo, mas afastados
dele. Estivemos por lá, vimos, ouvimos e não entendemos,
ou não quisemos entender porque éramos daqueles a quem a
mensagem não convinha. Não me admiraria que tenhamos
sido dos que gritaram “Crucifiquem-no!”. Ou dos que
perseguiram, ensovalharam e condenaram os mensageiros
cristãos. Fomos dos que, acoitados à sombra de igrejas e
religiões (fossem elas quais fossem, não me refiro a
nenhuma em específico), contribuímos para a ignorância
humana, separámos, excluímos, aprisionamos, em vez de
espalhar a semente libertadora que deveria fazer deste
mundo um lugar bem melhor para todos, todos, todos, como
gostava Francisco de dizer. Por estarmos altamente
endividados é que hoje estamos imbuídos da incumbência
de renovar ideias e espalhar luz onde antes espalhamos
escuridão. Mas, continua a não ser fácil ser cristão,
nos dias de hoje. Se já não somos perseguidos por
torturadores que nos martirizem fisicamente, porque, a
maioria de nós vive em sociedades onde impera a
liberdade de expressão e ação, essa liberdade continua a
ser relativa, porque não é fácil enfrentar a
desconfiança e o olhar de viés perante opiniões, ideias
e ideais que não condizem com os institucionalmente
aceites.
Francisco teve o condão de não ter medo. Apresentou as
suas ideias e sugestões de vida deforma simples e
humilde, mas com firmeza e convicção, sem medo de
desagradar. É, disso não tenhamos qualquer dúvida, Ser
de Luz, um Espírito Superior que encarnou na Terra para
desempenhar uma missão sublime de tentar imprimir um
sopro de vida na Igreja de que foi Pontífice, mas muito
mais do que isso. Foi um Apóstolo do Cristo a semear o
Evangelho sem medo, tal como fizeram os Apóstolos do
início do Cristianismo.
E nós, espíritas? Conseguiremos ser Luz no meio da
escuridão, levar Amor onde impera o ódio, Esperança onde
alastra o desespero, Fé raciocinada e esclarecida onde a
fé cega semeia ignorância e fanatismo? Que o Mestre
Jesus nos dê força no caminho porque a empreitada é
dura. E nos ajude a conquistar a humildade, alegria,
bondade e coragem de Francisco.
Maria de Lurdes Duarte reside em Arouca,
Portugal.