Espiritismo científico apenas?
Grande contingente de estudiosos das teses espiritistas
pleiteia agora uma situação especial de evidência para o
Espiritismo estritamente científico, pugnando pelo
esquecimento dos tesouros evangélicos. Alguns vão ao
extremo de condenar a prática da prece. Outros apontam
as tarefas de consolação com uma pontinha de ridículo na
observação impensada e mordaz.
A invocação dos ensinamentos do Cristo provoca-lhes
estranheza ao coração. São discípulos que esqueceram
suas origens, olvidando o carinho das mãos dedicadas que
lhes guiaram os passos vacilantes do princípio.
Querem fenômenos e prosélitos.
Seria interessante para os novos trabalhadores do
Evangelho povoarem seus centros de oração e de estudo
com balanças, agulhas, trenas e máquinas elétricas. No
meio de todo esse aparelhamento, haveria uma cátedra
para o estranho Colombo, disposto à maravilhosa
descoberta do Plano espiritual, sentado calmamente em
sua cadeira. A operação mais difícil seria encontrar o
Espírito verdadeiramente sábio e amigo, que viesse de
sua adaptação aos desígnios de Deus para tocar o botão
misterioso da maquinaria humana, como o pequeno
vagabundo contratado repentinamente, nos palcos
improvisados, para os toques da mágica imprevista.
É certo que ninguém poderá excluir as características
científicas no exame transcendente do intercâmbio entre
os vivos da Terra e os vivos do Infinito. Toda indagação
séria é justa e toda análise conscienciosa produzirá os
frutos doces da verdade. Charles Richet, com toda a sua
impertinência de pesquisador, prestou grande serviço à
divulgação dos novos ensinamentos; suas perquirições
desapaixonadas e incessantes impuseram respeito aos
valores psíquicos, entre os espíritos mais empedernidos
de nossa época. Mas, entre a mentalidade indagadora e a
mentalidade leviana existe considerável distância.
A grande questão de todos os tempos não é propriamente a
de conhecer, mas a de entender a finalidade do
conhecimento.
O Espiritismo constitui a porta da esperança para um
mundo melhor. Seus fenômenos representam chamamentos
comuns para uma compreensão mais elevada dos valores da
vida. O intercâmbio entre a natureza visível e a
invisível conduz a profundas ilações de ordem moral, que
é necessário não esquecer. Sua expressão religiosa com o
Cristo tem de ser essencial. Sua mensagem permanente tem
no Evangelho os primórdios eternos. Nada poderá realizar
de substancialmente útil, sem aquele Divino Amigo dos
homens.
Instalar mais uma ciência puramente intelectual, onde
todas as expressões científicas do cérebro sem o coração
já faliram desastradamente, no capítulo da elevação real
da criatura, não constituiria uma leviandade de
consequências fatais?
A plataforma espiritista, em todos os lugares, será,
antes de tudo, uma aleluia dos corações. Suas vozes
deverão reviver as lições incompreendidas daquele Mestre
amoroso e sábio que veio salvar os pecadores.
O Evangelho está repleto das expressões “subir ao
monte”. Jesus pregava no “monte”. Comumente, os
discípulos iam encontrá-lo aí, de modo a lhe ouvirem o
ensinamento.
Nós, entretanto, os Espíritos pobres e endividados, que
nos encontramos em esforços de autorreajustamento sobre
a Terra, na carne ou fora de seus liames, constituímos a
pesada multidão de seres indecisos no vale sombrio da
morte, da enfermidade, do sofrimento. Para encontrarmos
o Cristo, é indispensável a viagem difícil da montanha.
É preciso alçar o coração, no sacrifício, e marchar,
marchar, não obstante todos os apelos das ambições
desvairadas, vencendo as sugestões do egoísmo e da
tentação do bem-estar, que, por vezes, se manifestam,
inesperadamente, nas observações afetuosas, de timbre
familiar.
A realização cristã, que é o primeiro programa do
Espiritismo santificante, não se conquista tão só com as
rotulagens científicas e deduções filosóficas, mais ou
menos brilhantes. Os antepassados dos discípulos atuais,
nas diversas famílias religiosas do Cristianismo,
adquiriram os valores da fé com a própria vida. Para
conduzirem um mundo que se perdia na destruição e na
indiferença, a tomar conhecimento do Cristo, nunca se
vestiram com a túnica da inconstância. Padeceram e
morreram. Deram-se em holocausto, imolando-se a si
próprios.
A inquietação tem sido um mal de todos os séculos. Mas,
seria justo perguntarmos ao homem dos tempos que correm,
quando os problemas da profundidade submarina e da
estratosfera o preocupam, porque se espanta consigo
próprio, entre as muralhas dos livros de paz e as ruínas
fumegantes das guerras.
Enquanto o Espiritismo se constitui em fonte de alívio
para a compacta fileira de infelizes que buscam
ansiosamente as suas águas confortadoras e claras,
alguns de seus estudiosos se deixam empolgar pela mania
das novidades, ansiosos pela atenção balofa dos
publicistas sem consciência dos valores sentimentais.
De nossos núcleos, temos de afirmar que, sem a sintonia
com o Cristo, qualquer edificação será inútil.
Taunay, em suas “Reminiscências”, conta que o
Conselheiro Paulino José Soares de Souza era o provedor
da Santa Casa da Misericórdia, no Rio de Janeiro, quando
as autoridades republicanas, logo após a queda do
Império, o intimaram a eliminar o “Deus guarde” dos seus
expedientes oficiais, nas relações com o Governo. Mas o
Conselheiro experiente respondeu sem titubear:
— Não me é possível aceder às indicações de V. Ex.ª,
porquanto, neste estabelecimento, ainda há Deus e nem se
pode dispensá-lo, entre tantos sofrimentos e misérias
dos homens.
E prosseguiu com as mesmas expressões.
Aos que nos disserem de um Espiritismo científico
apenas, tomados pelo entusiasmo fácil dos jogos de
palavras, responderemos igualmente:
— Não nos seria lícito seguir em vossas águas, porque,
entre nós, antes de tudo, prevalecem os fundamentos da
verdade com Jesus-Cristo e, considerando a extensão de
nossas necessidades, não sabemos daqui a quantos séculos
poderemos pensar em modificação das velhas fórmulas.
Do livro Pontos e contos,
obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
|