Especial

por Wellington Balbo

A Experiência de Quase Morte e um paralelo com a literatura de Kardec

 

A Experiência de Quase Morte, que tem a sigla EQM, de forma resumida é o fenômeno em que indivíduos “retornam à vida corporal” após uma parada cardiorrespiratória. A EQM tem ocorrido há séculos e não escolhe “eleitos”; que o digam os leitores da obra Uma prova do céu, do neurocientista Eben Alexander, em que é relatado que, após contrair uma grave enfermidade, o médico teve impressionante vivência do outro lado da vida e trouxe esses registros no livro acima citado, com riqueza de detalhes muito interessantes.

A primeira EQM de que se tem registro na história consta no livro A República, de Platão, em que Er, um soldado, ao ser morto em combate, visita um outro mundo e, depois, retorna à vida trazendo informações de uma vida que prossegue além da matéria.

Os registros de EQM, contudo, popularizaram-se em meados do século XX com os estudos do Dr. Raymond Moody e seu livro Vida depois da Vida. Antes disso os relatos eram mais escassos até porque a tecnologia ainda incipiente não propiciava condições de “ressuscitamento” quando o coração parava de bater.

A medicina, ainda pouco avançada, muitas vezes confundia fenômenos de catalepsia com morte, sendo, não raro, muitas pessoas sepultadas com vida. A propósito, há relatos que dizem ser a expressão “Salvo pelo gongo” uma prática dos tempos antigos, em que se colocava um sino ao lado dos “mortos” para que tocassem, caso despertassem antes, naturalmente, do sepultamento. Eis, então, literalmente, salgo pelo gongo. Hoje, com a tecnologia já avançada esses casos de sepultamento em vida já quase não existem, embora haja, aqui e ali, relatos do tipo.

A EQM, portanto, está dentro dos campos e limites dos fenômenos naturais e passíveis de serem estudados e analisados com um olhar espírita.

No século XIX, com o advento da doutrina espírita, Allan Kardec aborda o conceito de emancipação da alma a mostrar que não está o Espírito preso ao corpo como um pássaro na gaiola. O Espírito, nos momentos em que o corpo repousa, tem os laços que o prendem à matéria mais afrouxados, ganha o espaço e vai, se assim podemos dizer, “viver a sua vida”.

Um outro ponto a ser tocado é quando o corpo adoece e, portanto, os laços que o prendem à matéria ficam mais frouxos, mais leves, e, então, pelo fenômeno já dito de emancipação da alma, o Espírito adentra mais facilmente o mundo espiritual. Certamente todos nós temos o relato de um parente que próximo à morte informa estar recebendo a visita de parentes e amigos que já deixaram o corpo físico. Muitos colocam na conta da alucinação o que, em realidade, é um evento perfeitamente comum, pois que tem sua gênese nessa liberdade que a alma conquista ao não ter mais tantos embaraços do corpo de modo a poder visualizar, por isso mesmo, os afetos que já partiram.

Portanto, se formos colocar dentro de um campo para estudos, a EQM tem como origem a emancipação da alma e poderíamos dizer uma emancipação de forma até mais vigorosa, pois os laços que mantêm corpo e espírito unidos estão já bem mais frouxos, porque, no caso de algumas categorias de EQM, já não há batimento cardíaco, emissão de sinais elétricos pelo cérebro e se a natureza seguir seu curso muito provavelmente ocorrerá o óbito.

Em 1975 o já citado livro do Dr. Raymond Moody inaugura um novo panorama nesses estudos que compreendem a relação entre mente e cérebro – para nós, espíritas, corpo físico e Espírito.

Um, dois, três, diversos relatos sendo contados por indivíduos que “foram e voltaram” chamaram a atenção do Dr, Moody que, aliás, já conhecia o trabalho da Dra. Elisabeth Kübler-Ross, outra pesquisadora do tema; então, o Dr. Moody passou a entrevistar os experienciadores de EQM de modo a perceber algumas semelhanças entre os casos:

O chamado túnel de luz.

O encontro com um ser mais evoluído.

Os sentimentos de amor e paz.

Revisão de vida.

A percepção de uma vida mais rica, saudável e melhor.

A existência de um corpo com a mesma aparência do corpo material.

O indivíduo, portando este corpo chamado de espiritual e vendo, por exemplo, as manobras de ressuscitamento de seu corpo físico, ao retornar à “vida” narra os acontecimentos ao Dr. Moody, que acolhe os relatos, não julga os pacientes; ao contrário, deixa-os à vontade para trazerem suas experiências, garantindo-lhes que não receberão a alcunha de “alucinados”.

Afinal, quem acreditaria num relato trazido por alguém que estava “tecnicamente” morto? Aliás, quem acreditaria que o indivíduo se movimentava com o corpo espiritual pelas redondezas e escutava conversas entre as pessoas e peculiaridades das mais sensíveis e que ele não poderia registrar, afinal, “oficialmente” ali não estivera, porquanto estava “morto”.

Melhor ficar quieto, lidar sozinho com a questão e não passar “recibo” de alienado. Mas o Dr. Moody agiu diferente e conseguiu extrair dos pacientes preciosas informações. Realmente o acolhimento produz maravilhas.

Para nós, espíritas, a sobrevivência da alma, sua vida além dos muros deste mundo físico, é uma realidade. Isso, para nós, é assunto corriqueiro, mas não para alguém treinado a compreender a vida sob um aspecto materialista. Mas este não era o caso do Dr. Moody, pois que vislumbrou a perspectiva que apontava algo a mais, além da matéria.

Dentre as percepções dos experenciadores da EQM pode-se tecer diversos textos fazendo paralelos com o trabalho realizado por Kardec e pelos Espíritos. Há vários tópicos. O do chamado corpo espiritual é um deles. O Dr. Moody, no prefácio de seu livro, por exemplo, pede desculpas por não ter os termos adequados para tratar os fenômenos relatados, afinal, para ele é algo novo e que espanta. Então, resolve chamar esse “corpo” com que os experienciadores relatam estarem “vestidos” de corpo espiritual. Kardec, bem sabemos, o chamou de perispírito.

Como já falamos, o material é bem vasto para que os espíritas e simpatizantes do tema possam pesquisar mais. Quero aqui, hoje, ater-me ao estudo da emancipação da alma.

Kardec dedicou várias partes de sua obra para tratar deste fenômeno. Vejamos: na questão 400 de O Livro dos Espíritos - OLE - Kardec quer saber se voluntariamente o Espírito permanece preso ao corpo. A resposta dos Espíritos vai no sentido de que o corpo oferece vários embaraços ao Espírito, impossibilitando-o de viver em plenitude. Os estudiosos da EQM, Dra. Elisabeth Kübler-Ross, Dr, Moody e Dr. Bruce Greyson, colheram relatos de que, em geral, a sensação dos experienciadores da EQM era de liberdade ao estarem “tecnicamente mortos”. Era como se vivessem num mundo muito mais rico e com as percepções bem mais apuradas, como se, de fato, o corpo físico exercesse um peso e embotasse as percepções gerais do ser.

Não raro os experienciadores da EQM lamentaram o fato de terem sido “jogados” de volta ao corpo físico. Interessante que provavelmente, sem conhecerem o Espiritismo, os experianciadores corroboram a resposta dos Espíritos à questão 400: é como perguntar ao prisioneiro se ele fica feliz com a prisão.

Passemos à questão 402 de OLE, em que indaga Kardec sobre o tema liberdade e como pode sê-la apreciada durante o sono. Faço um parêntese necessário que pode parecer repetitivo, mas ainda julgo necessário para melhor compreensão: – se os laços que prendem espírito e corpo durante o sono estão mais frágeis, imaginemos na EQM, cuja liberdade do Espírito é ainda maior.

Registrado isto, voltemos ao tema liberdade do Espírito e à resposta da questão 402, que é realmente uma aula sobre a vida do Espírito ao desprender-se parcialmente do corpo.

O que dizem os Espíritos a Kardec encontra respaldo nas observações dos pesquisadores da EQM. As lembranças da EQM são mais nítidas do que as do sonho, por exemplo, porque os Espíritos gozam ainda de mais faculdades, haja vista que a influência exercida pela matéria nesses casos é bem menor.

Dr. Bruce Greyson trabalhou neste tema para verificar se as recordações de EQM são reais ou fantasias, produto do cérebro ou provenientes de efeitos de fármacos. No livro Depois da Morte, o Dr. Greyson informa que 71% de todos os pacientes que estudou revelaram que suas experiências de EQM podem ser descritas como mais nítidas do que as memórias de outros acontecimentos.

O rádio-oncologista Jeffrey Long trabalhou com 600 indivíduos que passaram pela EQM e cerca de 96% deles atestou serem as lembranças da EQM mais vivas do que a própria realidade.

As abordagens novamente concordam com a ideia espírita da influência que o corpo físico exerce sobre o Espírito e que embaça as percepções do ser imortal.

Sendo o corpo físico um elemento mais rústico e não dotado de capacidades mais poderosas de absorver componentes sutis que estão ao seu redor, é compreensível que, sem a influência tão vigorosa da matéria, o espírito guarde impressões mais nítidas de suas lembranças nas experiências de EQM.

A propósito, o esquecimento temporário da vida levada na erraticidade e que se experimenta ao reencarnar pode ser fruto do instinto de conservação. A fim de não deixar que a alma se recorde plenamente de sua vida no mundo dos Espíritos e queira, por antecipação, deixar esta vida, fomos poupados das lembranças de nossa existência antes de reencarnar para não sermos massacrados pela saudade de “casa”.

Os parcos recursos de captação do mundo espiritual de que o corpo físico é dotado têm, portanto, várias finalidades e uma delas é a de deixar-nos conectados à vida presente.

O Dr. Greyson, quando aborda cérebro e mente, coloca o cérebro como uma espécie de filtro que capta apenas os elementos mais essenciais para nossa vida material. Penso que é como se o Espírito buscasse outros temas a todo custo e o cérebro, antes de ser gerador do pensamento, torna-se a ferramenta que nos traz para o aqui e agora, que faz a seleção do que devemos e podemos captar; enfim, o responsável pelas percepções mais urgentes e que, claro, devem e precisam ser vividas para o progresso do Espírito. Nesta ideia o cérebro não é o grande agente do pensar, mas o filtro, pois o agente, o gerador do pensar, é o que está além da matéria.

Claro que não queremos aqui fechar questões no que se refere ao instinto de conservação e uma de suas finalidades que levantamos acima; ao contrário, queremos apenas sugerir hipóteses para que possamos pensar e desenvolver nossa capacidade de buscar as verdades esparsas, aqui e ali, pelo universo e que podem ser montadas, tal como um quebra-cabeça, para que cheguemos próximos da verdade.

Percebe-se que há entre a literatura de Kardec e as experiências de quase morte vastos e profundos pontos de convergência a mostrar a beleza deste trabalho tão bem produzido por Kardec e pelos Espíritos no século XIX.

As evidências que apontam a sobrevivência do Espírito à morte do corpo físico vão, aliás, muito além da EQM.

A imortalidade da alma, antes ignorada, ridicularizada, colocada como mera superstição, hoje é levada a sério; basta ter olhos de ver para observar os inúmeros casos que são registrados por estudiosos, pesquisadores e as pessoas em geral, no seu cotidiano, a mostrar que a vida prossegue.

Há as aparições de pessoas “já mortas”, assim como as lembranças de alegadas vidas passadas e os inúmeros casos de contatos entre nós, os encarnados, e os Espíritos como apenas alguns fenômenos dignos de registro e estudo para além da EQM.

Não se trata da informação pela informação, mas, sobretudo, de informações checadas e rechecadas e que apontam ser muito alta a probabilidade da sobrevivência da alma. Aqueles que refutam de forma obstinada e sem apreço pela observação as gritantes evidências referentes à sobrevivência do Espírito são homens de uma fé cega, e haja fé cega na matéria para descartar tão amplo e vasto material fornecido ao longo do tempo.

Quem viver verá, como todos viveremos, todos veremos, uns mais cedo, outros mais tarde...

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita