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Ana Maria Chiarelli de Miranda (foto), filha
do grande escritor Hermínio Corrêa de Miranda,
nasceu em Barra Mansa (RJ) e reside atualmente
na cidade do Rio de Janeiro. Formada em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, ela concedeu-nos gentilmente a presente
entrevista, na qual nos fala sobre seu pai, um
dos ícones do pensamento espírita.
Embora todos saibamos o que significa um pai,
qual sua sensação de filha do notável e
respeitado Hermínio de Miranda?
A pergunta me intrigou: será mesmo que "todos
sabemos" o que realmente significa "um
pai"? Fora o conceito genético, é realmente uma
premissa principalmente SENTIDA? Falo por mim
que sempre achei que soubesse o que o MEU PAI
significava para mim. Mas, eis que chega a idade
da razão e a gente se espanta um pouco ao nos
depararmos com mudanças nos nossos pensamentos e
sentimentos. Porém, se os que me leem acham que
eu mudei meu pensamento: não, não mudei: EU
ENTENDI o verdadeiro "SIGNIFICADO DE UM
PAI"! Será que os senhores já ouviram a
afirmação: "MEU PAI (É) FOI O MELHOR PAI DO
MUNDO"?Se sim, então tenho que me penitenciar
diante dos senhores, porque também fui uma
dessas pessoas! E afirmo que era o que eu
pensava! Ficaram espantados? Pois saibam que
MEU PAI FOI SIM O MELHOR PAI DO MUNDO, mas só
descobri isso na década dos meus 70 anos, quando
ele desencarnou. Eu fiz 70 anos, um mês depois
de seu desencarne, e, logo que isso aconteceu,
meus sentimentos sofreram uma profunda
metamorfose espiritual: não se espantem: posso
lhes dizer que hoje sei que meu pai FOI, DO
NOSSO PAI MAIOR, aquele que, para mim, mais se
aproximou do que é ser um PAI na vida
terrestre. O Apóstolo Paulo já dizia “não sou
mais eu que vivo, é o Cristo que vive em
mim.” Hoje posso lhes dizer que, juntamente com
o Cristo, é meu pai, Hermínio C. Miranda, que
vive em mim.
O que mais lhe causava admiração na
personalidade do homem, do pai, do escritor
Hermínio Miranda?
Acho que posso resumir tudo isso em uma única
palavra – AMOR – que norteou toda sua vida, no
nosso mundinho familiar, com mamãe, meus irmãos
e eu, nos seus livros, nas suas pouquíssimas
palestras, meditações, no trato com os
espíritos, os desiguais, as crianças, os
animais. Para dar um exemplo, mamãe e ele iam
para Caxambu (MG) todos os anos por volta de
novembro e só voltavam para o Rio em março ou
abril do ano seguinte. Era a fuga do calor e a
paz na sua casa na cidade mineira. Ele passava
muitos momentos meditando sentado em um
banquinho em frente do Gêiser, no Parque das
Águas, de manhã. Do lado de fora do parque há
charretes puxadas por cavalinhos ou burrinhos,
estacionadas no meio fio, aguardando os turistas
que desejam conhecer a cidade. Por vezes a
charrete carrega o charreteiro e três ou quatro
pessoas (!) pelas ruas íngremes, de
paralelepípedo ou de terra batida! O sol estava
muito forte em um determinado dia, para os
charreteiros e animais. Ao sair do parque, ele
viu um charreteiro dar uma chicotada em um dos
burrinhos que estava algo nervoso com o
calor. Ele, já bastante idoso, foi até o
carroceiro, com sua bengalinha e lhe deu uma
grande lição sobre os animais e do muito que
faziam para trazer o pão para a mesa dos seus
donos, por vezes, “com um esforço hercúleo para
aguentar a carga!” Chegou em casa com a pressão
elevada, mas com o espírito em paz. O
AMOR...SEMPRE O AMOR.
Do conteúdo intelectual do grande pensador
espírita, o que – em sua visão – mais se extrai?
A paixão do papai pelos livros, pela leitura,
saber, pesquisa, verdade, coisas do espírito,
era insaciável e sui generis. Lembro-me das
vezes que ele me pedia para encomendar algum
livro para ele do exterior, (porque ele nunca
teve cartão de crédito...), o que eu fazia com
uma alegria indescritível. Em uma tentativa de
fazer uma biografia dele há alguns anos, que não
pôde ser completada porque com mais de 92/93
anos, ele já não podia mais revisar os textos,
ele escreve para o autor do projeto:
“desenvolvi um hábito de ler nos lugares que
frequentava, tais como salas de espera de
médicos e dentistas, conduções, viagens de
avião, o que me ajudou muito no meu aprendizado
e pesquisas.”
Raramente ele pedia alguma coisa: preferia dar.
Certa vez para corroborar uma de suas pesquisas
para seu livro “Cristianismo, a Mensagem
Esquecida” (Editora O Clarim 1989), e sabendo
que eu ia a Nova York, me pediu que fosse à
“Circle Square”, à casa de um escritor e
pesquisador que tinha dito em uma entrevista,
que em um determinado livro que ele tinha
havia uma referência que interessou a ele. Ele
conseguiu o endereço do senhor pelo Consulado do
Brasil em Nova York, telefonou para ele, e o
senhor ficou tão encantado com ele que, ao me
conhecer, me deu o livro, e não só a
referência. A alegria dele quando eu cheguei com
o livro foi emocionante.
Ele e mamãe iam todos os anos para Caxambu. Eu,
saudosa, tirava uns 2 ou 3 dias de férias e
partira para lá estar com eles. A alegria deles
quando um dos filhos chegava era emocionante.
Seu dia começava muito cedo – às 7 horas ou
antes (com ele preparando o café da manhã para a
mamãe!!!), desde a toalha na mesa da cozinha, o
coador na cafeteira, tirando a manteiga e queijo
de Minas da geladeira, fazendo seu próprio
chazinho de erva cidreira. Depois, ele então ou
ia para o Parque das Águas meditar, ou subia
para o 2º. andar da casa e lá ficava meditando
e/ou lendo na rede, com seus livros, no
silêncio quebrado apenas pela algazarra das
maritacas na árvore que dava para a janela. Caso
contrário, ficava no andar térreo, no
computador, (sempre encantado com o que “o mundo
do computador havia trazido para a vida dele”.)
Era seu primeiro momento! Depois do almoço e o
cochilo da tarde, sentava na sala de visita para
novamente...ler! O livro era colocado em cima de
uma “almofadinha”, e lá ficavam os três – seu
segundo momento!
Às 18 h, infalivelmente, ia para seu quarto e
pegava um outro “livrinho” (...) - tipo um
caderninho, onde ele tinha escrito os nomes de
todos por quem ele orava às noites.
Por fim, à noite, mamãe e eu íamos ver televisão
e ele sentava na poltrona na
cozinha! (sim, ele tinha uma poltrona na
cozinha para ler à noite...)
A veneração pelo LIVRO era patente pelo
ACONCHEGO DO MESMO na almofadinha... Lá ele lia
até por volta das 21:00, quando, carinhosamente,
ia à sala nos dar boa noite. Seu último momento
do dia...
Assim terminava mais um de seus dias de paz, de
alimento para sua alma e seu espírito, da
alegria por ter podido estar com mamãe, um dos
filhos e seus amigos, os livros.
Sua entrevista com Bruno Tavares sobre a médium
Regina, do livro “Diversidade dos Carismas”,
edição da Lachatre, é um registro importante
dessa personalidade que conviveu com seu pai. O
que lhe ocorre dizer sobre o trabalho
desenvolvido por ambos?
O resultado do trabalho desenvolvido por ambos
foi de uma magnitude sem precedentes na época, e
é hoje admirado por milhares de pessoas que leem
o livro, e que leram o(s) livro(s) cujos
espíritos Regina (que como sabemos, significa
“Rainha” em latim), com sua mediunidade
incrível, recebeu no grupinho do papai. Este
grupo se reuniu por mais de 20 anos. Os
presentes eram ele, 3 casais (e depois apenas 1
casal), e Regina. Foi nessas sessões que ela
recebeu, com papai como dialogador), os quatro
livros da série “Histórias que os Espíritos
Contaram”: O EXILADO, AS MÃOS DE MINHA IRMÃ, A
IRMÃ DO VIZIR, A DAMA DA NOITE, editados pelo
CORREIO FRATERNO, no total de 52 “histórias”,
vividas através dos séculos, chegadas até
Regina, e que foram devidamente transcritas do
gravador por papai.
O “Diversidade...”, encantou milhares de
leitores, e deu margem a interpretações e
análises lindas, tais como o Livreto “A TAREFA
DOS ENXOVAIS” (LACHATRE, 2017), que você Orson,
criou com tanto carinho, admiração por papai e
amor. Sou tão grata a você por este livrinho que
eu batizei de “A PÉROLA NEGRA” e que está na
minha estante, junto com os livros do papai,
ao lado direito do “Diversidade”... Papai “se
emocionou” muito ao ver “A Pérola Negra” lá na
espiritualidade!
“DIVERSIDADE DOS CARISMAS”, está na sua 9ª
edição, de 2022, e é o segundo livro mais
vendido do papai. Nesta encarnação, Regina, a
médium descrita no livro, que teve vidas de
muito poder em outras encarnações, hoje vive uma
vida modesta, com humildade, e continua sua
“tarefa” ajudando dezenas de pessoas.
Qual dos livros de Hermínio mais a impactou? Por
quê?
Interessante que considero cada um e todos os
livros do papai como minha herança de
seus “amigos espirituais”. Eles trazem
verdadeiras aulas de amor, doutrina, pesquisas
exaustivas e esclarecedoras, consolo, incentivo,
além de traduções memoráveis. Difícil falar
sobre qual a obra que mais me impressionou
porque ainda não li todos os seus livros (pelo
que muito me penitencio). Assim, meus preferidos
dos 45 que ele escreveu e dos 5 que traduziu,
são os seguintes: NOSSOS FILHOS SÃO ESPÍRITOS
(hoje em sua 15ª Edição) – A MEMÓRIA E O TEMPO –
AUTISMO – DIVERSIDADE DOS CARISMAS – EU SOU
CAMILLE DESMOULINS – CRISTIANISMO, A MENSAGEM
ESQUECIDA.
De sua experiência de filha, o que mais a comove
em suas lembranças?
É a maneira pela qual ele me criou, pensando
no “agora” quando do meu nascimento e infância,
até o “futuro”, na minha juventude e idade
adulta. Meus pais se casaram em 11 de agosto de
1942 e eu nasci em 22 de agosto de 1943,
portanto só não “estive” com eles de agosto a
novembro de 1942, quando então mamãe ficou
grávida. Fui filha única durante 5 anos e meio.
Hoje, acredito que por ter sido a primogênita, e
já em Nova York, no distante 1950, ele começou a
me preparar para minhas futuras obrigações,
comportamentos, estudos, responsabilidades,
cultura...ou seja VIDA! Sou eternamente grata
pela maneira como me criou – jamais com
autoritarismo, e sim com um amor sem limites. No
meu aniversário de 7 anos, 6 meses depois que
chegamos nos Estados Unidos, ele me disse que eu
tinha que estudar, e ajudar mamãe a cuidar da
minha irmã com 14 meses, ligar sua vitrolinha,
brincar de casinha com ela, etc. Em dezembro do
mesmo ano, meu irmão nasceu e assim mamãe ficou
com digamos, 2 bebês: um recém-nascido e minha
irmã com 1 ano e dois meses, sem empregada, e
mal falando inglês! Ele me estimulou, comprando
discos e livros infantis em inglês. Nos quase 5
anos que passamos lá, em cada aniversário meu,
ele me dava um “presente” (cognome de
uma “experiência” para minha vida futura)!!! No
primeiro ano, tive apenas uma festinha, com
minhas amiguinhas americanas do condomínio. No
segundo ano, me levou ao “Madison Square Garden”
para assistir ao Rodeio do Roy Rogers, meu
“cowboy” ídolo e seu inesquecível cavalo
Trigger! No ano seguinte, me levou ao “Carnegie
Hall” para assistir Arturo Toscanini regendo a
orquestra da NBC com Jascha Heifetz e seu
Stradivarius, tocando Paganini, (eu com 9
anos)... e no último ano, antes de embarcarmos
de volta ao Brasil, mamãe e ele me levaram a
Washington de carro para conhecer as Cerejeiras
e (pasmem!) Erico Verissimo! Papai mantinha
correspondência sobre livros e música clássica,
com nosso grande e saudoso autor. Olhei para a
Casa Branca pela primeira vez, da calçada, sem
poder imaginar o que me aconteceria no futuro...
Visitamos também o Capitólio, os Monumentos de
Lincoln e Jefferson, o Rio Potomac, ladeado
pelas cerejeiras que meus olhos jamais
esqueceram. Agora, com meus 81 anos, ao escrever
este texto, me emociono só de lembrar daquele
dia mágico. No dia seguinte, fomos visitar “o
casal “Tio Erico”... e sua esposa, d. Mafalda.
Tudo isso me veio à lembrança, quando no dia 5
de fevereiro de 1968, logo após me formar em
Direito, abri as portas da Embaixada dos Estados
Unidos no Rio de Janeiro, para meu primeiro dia
como funcionária, no único emprego, que
tive, onde trabalhei durante 46 anos e meio para
o governo dos Estados Unidos!
Lamentavelmente, papai não chegou a ver os
diplomas, prêmios e medalhas que recebi no dia
da festa da minha aposentadoria, em setembro de
2014. Da espiritualidade, sei que ficou
emocionado.
A vida que eu levo hoje é testemunha e
consequência da minha infância, de exemplos dele
e mamãe, das responsabilidades que me deram
desde tenra idade, estudos, respeito humano,
profissionalismo, e principalmente AMOR. Ele e
mamãe foram impecáveis e mamãe foi aquela
companheira destinada a ele por Deus e a quem
ele amou até seu último sopro de vida, durante
72 anos.
Devo não apenas a vida física a eles, mas
a benção de ter vivido 70 anos ao lado deles
dois.
Algo mais a acrescentar?
Agradeço a você Orson, pela oportunidade desta
entrevista e pelo carinho que você devota ao
papai e seus livros. Você, que é coautor dele
ao escrever o livro “A Tarefa dos Enxovais”,
baseado no livro “Diversidade dos Carismas”,
pode imaginar minha alegria e emoção ao recordar
tantas lembranças da minha vida com papai, meu
ídolo enquanto “esteve” aqui comigo, e
meu protetor na espiritualidade, “presente em
mim a cada instante”. Imagino minha emoção ao me
reencontrar com ele e mamãe quando “eu voltar
para casa...”
Suas palavras finais.
Agradeço por participar de uma entrevista tão
amorosa, Orson. Foi uma emoção imensa reviver
algumas passagens da vida do papai no seu
despertar, e depois viver para o
Espiritismo durante 67 dos seus 93 anos de vida,
tendo a doutrina espírita como sua bússola e
seus livros como destino. Ele hoje tem
uma plêiade de amigos encarnados que entenderam
seus silêncios, sua visão dos conceitos, sua
inacreditável busca pela verdade, e a defesa
irrecorrível e destituída de “medos”, ao
defender seus pensamentos e seu único e
inimitável AMOR. Você é um
destes “amigos”, Orson. Receba a gratidão do
“embrulhinho morno”.
Se me permite, Orson, gostaria de encerrar com
duas frases sobre papai por um de seus maiores
admiradores, Alexandre Machado Rocha, editor de
quase todos os seus livros publicados de 1989
até depois de falecido em 2013:
“Foi um homem notável que se cercou de pessoas
notáveis como ele...”
“Quando a gente se apoia sobre gigantes, a gente
consegue entender como são as coisas vistas de
cima...”
Nota do Entrevistador:
Para acessar a entrevista com
Bruno Tavares sobre a personagem Regina no livro
Diversidade dos Carismas, clique neste LINK
Ou pesquise pelo título: O
Que Não Sabíamos Sobre Regina, A Médium de
Diversidade dos Carismas HCMOGE#60 Bruno e Ana
Maria.
Ana Maria Chiarelli de Miranda (foto), filha
do grande escritor Hermínio Corrêa de Miranda,
nasceu em Barra Mansa (RJ) e reside atualmente
na cidade do Rio de Janeiro. Formada em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, ela concedeu-nos gentilmente a presente
entrevista, na qual nos fala sobre seu pai, um
dos ícones do pensamento espírita.
Embora todos saibamos o que significa um pai,
qual sua sensação de filha do notável e
respeitado Hermínio de Miranda?
A pergunta me intrigou: será mesmo que "todos
sabemos" o que realmente significa "um
pai"? Fora o conceito genético, é realmente uma
premissa principalmente SENTIDA? Falo por mim
que sempre achei que soubesse o que o MEU PAI
significava para mim. Mas, eis que chega a idade
da razão e a gente se espanta um pouco ao nos
depararmos com mudanças nos nossos pensamentos e
sentimentos. Porém, se os que me leem acham que
eu mudei meu pensamento: não, não mudei: EU
ENTENDI o verdadeiro "SIGNIFICADO DE UM
PAI"! Será que os senhores já ouviram a
afirmação: "MEU PAI (É) FOI O MELHOR PAI DO
MUNDO"?Se sim, então tenho que me penitenciar
diante dos senhores, porque também fui uma
dessas pessoas! E afirmo que era o que eu
pensava! Ficaram espantados? Pois saibam que
MEU PAI FOI SIM O MELHOR PAI DO MUNDO, mas só
descobri isso na década dos meus 70 anos, quando
ele desencarnou. Eu fiz 70 anos, um mês depois
de seu desencarne, e, logo que isso aconteceu,
meus sentimentos sofreram uma profunda
metamorfose espiritual: não se espantem: posso
lhes dizer que hoje sei que meu pai FOI, DO
NOSSO PAI MAIOR, aquele que, para mim, mais se
aproximou do que é ser um PAI na vida
terrestre. O Apóstolo Paulo já dizia “não sou
mais eu que vivo, é o Cristo que vive em
mim.” Hoje posso lhes dizer que, juntamente com
o Cristo, é meu pai, Hermínio C. Miranda, que
vive em mim.
O que mais lhe causava admiração na
personalidade do homem, do pai, do escritor
Hermínio Miranda?
Acho que posso resumir tudo isso em uma única
palavra – AMOR – que norteou toda sua vida, no
nosso mundinho familiar, com mamãe, meus irmãos
e eu, nos seus livros, nas suas pouquíssimas
palestras, meditações, no trato com os
espíritos, os desiguais, as crianças, os
animais. Para dar um exemplo, mamãe e ele iam
para Caxambu (MG) todos os anos por volta de
novembro e só voltavam para o Rio em março ou
abril do ano seguinte. Era a fuga do calor e a
paz na sua casa na cidade mineira. Ele passava
muitos momentos meditando sentado em um
banquinho em frente do Gêiser, no Parque das
Águas, de manhã. Do lado de fora do parque há
charretes puxadas por cavalinhos ou burrinhos,
estacionadas no meio fio, aguardando os turistas
que desejam conhecer a cidade. Por vezes a
charrete carrega o charreteiro e três ou quatro
pessoas (!) pelas ruas íngremes, de
paralelepípedo ou de terra batida! O sol estava
muito forte em um determinado dia, para os
charreteiros e animais. Ao sair do parque, ele
viu um charreteiro dar uma chicotada em um dos
burrinhos que estava algo nervoso com o
calor. Ele, já bastante idoso, foi até o
carroceiro, com sua bengalinha e lhe deu uma
grande lição sobre os animais e do muito que
faziam para trazer o pão para a mesa dos seus
donos, por vezes, “com um esforço hercúleo para
aguentar a carga!” Chegou em casa com a pressão
elevada, mas com o espírito em paz. O
AMOR...SEMPRE O AMOR.
Do conteúdo intelectual do grande pensador
espírita, o que – em sua visão – mais se extrai?
A paixão do papai pelos livros, pela leitura,
saber, pesquisa, verdade, coisas do espírito,
era insaciável e sui generis. Lembro-me das
vezes que ele me pedia para encomendar algum
livro para ele do exterior, (porque ele nunca
teve cartão de crédito...), o que eu fazia com
uma alegria indescritível. Em uma tentativa de
fazer uma biografia dele há alguns anos, que não
pôde ser completada porque com mais de 92/93
anos, ele já não podia mais revisar os textos,
ele escreve para o autor do projeto:
“desenvolvi um hábito de ler nos lugares que
frequentava, tais como salas de espera de
médicos e dentistas, conduções, viagens de
avião, o que me ajudou muito no meu aprendizado
e pesquisas.”
Raramente ele pedia alguma coisa: preferia dar.
Certa vez para corroborar uma de suas pesquisas
para seu livro “Cristianismo, a Mensagem
Esquecida” (Editora O Clarim 1989), e sabendo
que eu ia a Nova York, me pediu que fosse à
“Circle Square”, à casa de um escritor e
pesquisador que tinha dito em uma entrevista,
que em um determinado livro que ele tinha
havia uma referência que interessou a ele. Ele
conseguiu o endereço do senhor pelo Consulado do
Brasil em Nova York, telefonou para ele, e o
senhor ficou tão encantado com ele que, ao me
conhecer, me deu o livro, e não só a
referência. A alegria dele quando eu cheguei com
o livro foi emocionante.
Ele e mamãe iam todos os anos para Caxambu. Eu,
saudosa, tirava uns 2 ou 3 dias de férias e
partira para lá estar com eles. A alegria deles
quando um dos filhos chegava era emocionante.
Seu dia começava muito cedo – às 7 horas ou
antes (com ele preparando o café da manhã para a
mamãe!!!), desde a toalha na mesa da cozinha, o
coador na cafeteira, tirando a manteiga e queijo
de Minas da geladeira, fazendo seu próprio
chazinho de erva cidreira. Depois, ele então ou
ia para o Parque das Águas meditar, ou subia
para o 2º. andar da casa e lá ficava meditando
e/ou lendo na rede, com seus livros, no
silêncio quebrado apenas pela algazarra das
maritacas na árvore que dava para a janela. Caso
contrário, ficava no andar térreo, no
computador, (sempre encantado com o que “o mundo
do computador havia trazido para a vida dele”.)
Era seu primeiro momento! Depois do almoço e o
cochilo da tarde, sentava na sala de visita para
novamente...ler! O livro era colocado em cima de
uma “almofadinha”, e lá ficavam os três – seu
segundo momento!
Às 18 h, infalivelmente, ia para seu quarto e
pegava um outro “livrinho” (...) - tipo um
caderninho, onde ele tinha escrito os nomes de
todos por quem ele orava às noites.
Por fim, à noite, mamãe e eu íamos ver televisão
e ele sentava na poltrona na
cozinha! (sim, ele tinha uma poltrona na
cozinha para ler à noite...)
A veneração pelo LIVRO era patente pelo
ACONCHEGO DO MESMO na almofadinha... Lá ele lia
até por volta das 21:00, quando, carinhosamente,
ia à sala nos dar boa noite. Seu último momento
do dia...
Assim terminava mais um de seus dias de paz, de
alimento para sua alma e seu espírito, da
alegria por ter podido estar com mamãe, um dos
filhos e seus amigos, os livros.
Sua entrevista com Bruno Tavares sobre a médium
Regina, do livro “Diversidade dos Carismas”,
edição da Lachatre, é um registro importante
dessa personalidade que conviveu com seu pai. O
que lhe ocorre dizer sobre o trabalho
desenvolvido por ambos?
O resultado do trabalho desenvolvido por ambos
foi de uma magnitude sem precedentes na época, e
é hoje admirado por milhares de pessoas que leem
o livro, e que leram o(s) livro(s) cujos
espíritos Regina (que como sabemos, significa
“Rainha” em latim), com sua mediunidade
incrível, recebeu no grupinho do papai. Este
grupo se reuniu por mais de 20 anos. Os
presentes eram ele, 3 casais (e depois apenas 1
casal), e Regina. Foi nessas sessões que ela
recebeu, com papai como dialogador), os quatro
livros da série “Histórias que os Espíritos
Contaram”: O EXILADO, AS MÃOS DE MINHA IRMÃ, A
IRMÃ DO VIZIR, A DAMA DA NOITE, editados pelo
CORREIO FRATERNO, no total de 52 “histórias”,
vividas através dos séculos, chegadas até
Regina, e que foram devidamente transcritas do
gravador por papai.
O “Diversidade...”, encantou milhares de
leitores, e deu margem a interpretações e
análises lindas, tais como o Livreto “A TAREFA
DOS ENXOVAIS” (LACHATRE, 2017), que você Orson,
criou com tanto carinho, admiração por papai e
amor. Sou tão grata a você por este livrinho que
eu batizei de “A PÉROLA NEGRA” e que está na
minha estante, junto com os livros do papai,
ao lado direito do “Diversidade”... Papai “se
emocionou” muito ao ver “A Pérola Negra” lá na
espiritualidade!
“DIVERSIDADE DOS CARISMAS”, está na sua 9ª
edição, de 2022, e é o segundo livro mais
vendido do papai. Nesta encarnação, Regina, a
médium descrita no livro, que teve vidas de
muito poder em outras encarnações, hoje vive uma
vida modesta, com humildade, e continua sua
“tarefa” ajudando dezenas de pessoas.
Qual dos livros de Hermínio mais a impactou? Por
quê?
Interessante que considero cada um e todos os
livros do papai como minha herança de
seus “amigos espirituais”. Eles trazem
verdadeiras aulas de amor, doutrina, pesquisas
exaustivas e esclarecedoras, consolo, incentivo,
além de traduções memoráveis. Difícil falar
sobre qual a obra que mais me impressionou
porque ainda não li todos os seus livros (pelo
que muito me penitencio). Assim, meus preferidos
dos 45 que ele escreveu e dos 5 que traduziu,
são os seguintes: NOSSOS FILHOS SÃO ESPÍRITOS
(hoje em sua 15ª Edição) – A MEMÓRIA E O TEMPO –
AUTISMO – DIVERSIDADE DOS CARISMAS – EU SOU
CAMILLE DESMOULINS – CRISTIANISMO, A MENSAGEM
ESQUECIDA.
De sua experiência de filha, o que mais a comove
em suas lembranças?
É a maneira pela qual ele me criou, pensando
no “agora” quando do meu nascimento e infância,
até o “futuro”, na minha juventude e idade
adulta. Meus pais se casaram em 11 de agosto de
1942 e eu nasci em 22 de agosto de 1943,
portanto só não “estive” com eles de agosto a
novembro de 1942, quando então mamãe ficou
grávida. Fui filha única durante 5 anos e meio.
Hoje, acredito que por ter sido a primogênita, e
já em Nova York, no distante 1950, ele começou a
me preparar para minhas futuras obrigações,
comportamentos, estudos, responsabilidades,
cultura...ou seja VIDA! Sou eternamente grata
pela maneira como me criou – jamais com
autoritarismo, e sim com um amor sem limites. No
meu aniversário de 7 anos, 6 meses depois que
chegamos nos Estados Unidos, ele me disse que eu
tinha que estudar, e ajudar mamãe a cuidar da
minha irmã com 14 meses, ligar sua vitrolinha,
brincar de casinha com ela, etc. Em dezembro do
mesmo ano, meu irmão nasceu e assim mamãe ficou
com digamos, 2 bebês: um recém-nascido e minha
irmã com 1 ano e dois meses, sem empregada, e
mal falando inglês! Ele me estimulou, comprando
discos e livros infantis em inglês. Nos quase 5
anos que passamos lá, em cada aniversário meu,
ele me dava um “presente” (cognome de
uma “experiência” para minha vida futura)!!! No
primeiro ano, tive apenas uma festinha, com
minhas amiguinhas americanas do condomínio. No
segundo ano, me levou ao “Madison Square Garden”
para assistir ao Rodeio do Roy Rogers, meu
“cowboy” ídolo e seu inesquecível cavalo
Trigger! No ano seguinte, me levou ao “Carnegie
Hall” para assistir Arturo Toscanini regendo a
orquestra da NBC com Jascha Heifetz e seu
Stradivarius, tocando Paganini, (eu com 9
anos)... e no último ano, antes de embarcarmos
de volta ao Brasil, mamãe e ele me levaram a
Washington de carro para conhecer as Cerejeiras
e (pasmem!) Erico Verissimo! Papai mantinha
correspondência sobre livros e música clássica,
com nosso grande e saudoso autor. Olhei para a
Casa Branca pela primeira vez, da calçada, sem
poder imaginar o que me aconteceria no futuro...
Visitamos também o Capitólio, os Monumentos de
Lincoln e Jefferson, o Rio Potomac, ladeado
pelas cerejeiras que meus olhos jamais
esqueceram. Agora, com meus 81 anos, ao escrever
este texto, me emociono só de lembrar daquele
dia mágico. No dia seguinte, fomos visitar “o
casal “Tio Erico”... e sua esposa, d. Mafalda.
Tudo isso me veio à lembrança, quando no dia 5
de fevereiro de 1968, logo após me formar em
Direito, abri as portas da Embaixada dos Estados
Unidos no Rio de Janeiro, para meu primeiro dia
como funcionária, no único emprego, que
tive, onde trabalhei durante 46 anos e meio para
o governo dos Estados Unidos!
Lamentavelmente, papai não chegou a ver os
diplomas, prêmios e medalhas que recebi no dia
da festa da minha aposentadoria, em setembro de
2014. Da espiritualidade, sei que ficou
emocionado.
A vida que eu levo hoje é testemunha e
consequência da minha infância, de exemplos dele
e mamãe, das responsabilidades que me deram
desde tenra idade, estudos, respeito humano,
profissionalismo, e principalmente AMOR. Ele e
mamãe foram impecáveis e mamãe foi aquela
companheira destinada a ele por Deus e a quem
ele amou até seu último sopro de vida, durante
72 anos.
Devo não apenas a vida física a eles, mas
a benção de ter vivido 70 anos ao lado deles
dois.
Algo mais a acrescentar?
Agradeço a você Orson, pela oportunidade desta
entrevista e pelo carinho que você devota ao
papai e seus livros. Você, que é coautor dele
ao escrever o livro “A Tarefa dos Enxovais”,
baseado no livro “Diversidade dos Carismas”,
pode imaginar minha alegria e emoção ao recordar
tantas lembranças da minha vida com papai, meu
ídolo enquanto “esteve” aqui comigo, e
meu protetor na espiritualidade, “presente em
mim a cada instante”. Imagino minha emoção ao me
reencontrar com ele e mamãe quando “eu voltar
para casa...”
Suas palavras finais.
Agradeço por participar de uma entrevista tão
amorosa, Orson. Foi uma emoção imensa reviver
algumas passagens da vida do papai no seu
despertar, e depois viver para o
Espiritismo durante 67 dos seus 93 anos de vida,
tendo a doutrina espírita como sua bússola e
seus livros como destino. Ele hoje tem
uma plêiade de amigos encarnados que entenderam
seus silêncios, sua visão dos conceitos, sua
inacreditável busca pela verdade, e a defesa
irrecorrível e destituída de “medos”, ao
defender seus pensamentos e seu único e
inimitável AMOR. Você é um
destes “amigos”, Orson. Receba a gratidão do
“embrulhinho morno”.
Se me permite, Orson, gostaria de encerrar com
duas frases sobre papai por um de seus maiores
admiradores, Alexandre Machado Rocha, editor de
quase todos os seus livros publicados de 1989
até depois de falecido em 2013:
“Foi um homem notável que se cercou de pessoas
notáveis como ele...”
“Quando a gente se apoia sobre gigantes, a gente
consegue entender como são as coisas vistas de
cima...”
Nota do Entrevistador:
Para acessar a entrevista com
Bruno Tavares sobre a personagem Regina no livro
Diversidade dos Carismas, clique neste LINK
Ou pesquise pelo título: O
Que Não Sabíamos Sobre Regina, A Médium de
Diversidade dos Carismas HCMOGE#60 Bruno e Ana
Maria.

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