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As duas mortes
“Vendo Jesus uma multidão em redor de si, mandou passar
para a outra margem do lago. E chegou um escriba e
disse-lhe: Mestre, seguir-te-ei para onde quer que
fores. Respondeu-lhe Jesus: as raposas têm seus covis, e
as aves do céu seus pousos, mas o Filho do Homem não tem
onde reclinar a cabeça.E um outro discípulo disse-lhe:
Senhor, deixa-me ir primeiro enterrar meu pai. Porém
Jesus respondeu-lhe: segue-me, e deixa que os mortos
enterrem os seus mortos.” (Mateus,
8:18-22; e Lucas, 9:59-60)
Esclarecimentos de Cairbar Schutel
O título “As duas mortes” é dado por Cairbar Schutel no
livro Parábolas e ensinos de Jesus, referindo-se
ao Evangelho de Mateus (8:18-22), começando seu
esclarecimento com a frase: “Existem duas vidas,
devem consequentemente existir duas mortes: a morte
concreta e a morte abstrata”.
Para Cairbar Schutel, há duas mortes: a morte do corpo
físico, chamada de concreta; e a morte da alma no corpo
vivo, ou abstrata, no sentido de morte para as coisas de
Deus na existência física, assemelhando-se a um cadáver
espiritual.
O escritor espírita expressou, ainda, que a morte da
alma no corpo vivo é pior do que a morte do corpo
físico, dizendo: “A morte do corpo é a libertação do
Espírito; a morte da alma é a sua escravidão ao serviço
da carne”.
Em mensagem de consolo, o autor complementa que há
ressurreição ou regeneração para esses casos de mortes:
os que ressurgem a caminho da eternidade; e os atingidos
pela lei de causa e efeito, renascendo para enterrar
antigo morto de alma, daí a proposição de ficarem os
mortos incumbidos do enterro dos seus mortos.
Cairbar Schutel complementa:
“A morte do corpo, para a alma morta, é o arrebatamento
do indivíduo que fica forçado a alhear-se de todos os
bens da Terra, de todos os gozos mundanos e até dos
seres que o cercavam na vida do mundo.
A morte da alma é a abstração de tudo o que interessa à
vida imortal, é a ausência de todos os bens
incorruptíveis, é o desconhecimento da divindade, é a
pobreza dos sentimentos nobres, do caráter, da virtude.”
No final, sintetiza: “Existem duas vidas, existem
duas mortes; existem duas estradas, duas portas; existem
dois senhores, sigamos o Senhor do Céu e deixemos que os
mortos enterrem os seus mortos!”
O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec
Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec,
essa passagem evangélica é esclarecida no Capítulo
XXIII, Estranha moral, junto de outras, cujos textos
desafiam interpretações de acordo com os verdadeiros
ensinos do Mestre Jesus, tais como: odiar os pais;
abandonar pai, mãe e filhos; deixar aos mortos o cuidado
de enterrar seus mortos; e não vim trazer a paz, mas a
divisão.
Em esclarecimento geral, Kardec expressa que
interpretações não podem ser literais, porquanto elas
conduzirão para entendimentos relativos e controvertidos
e para conclusões equivocadas e contrárias aos
ensinamentos e à amorosidade do Mestre Jesus.
Importante recordar que o Cristo não deixou nada
escrito. As palavras de vida eterna, seus ensinamentos e
exemplos ficaram gravados nas mentes dos discípulos e
das pessoas da época, as quais foram transmitidas e
multiplicadas oralmente.
Os evangelhos foram escritos muito tempo depois da morte
e ressureição do Cristo, ou seja, nenhum deles foi
redigido enquanto ele estava vivo.
Em decorrência, alguns textos sofreram problemas de
entendimentos e traduções, sendo lícito acreditar que o
pensamento do Mestre pode não ter sido bem expresso ou
ocorrido alguma alteração.
Além disso, vários textos são eivados de alegoria,
conduzindo a interpretação para o sentido espiritual,
que oferece conclusões lógicas às indagações.
Retornando ao tema, pode causar estranheza a ideia de
Jesus não permitir alguém dar bênção na sepultura ao
corpo de um ente querido que morreu. Também não há
lógica a mensagem de um cadáver enterrar um cadáver.
Portanto, não era esse o sentido da orientação de Jesus
na passagem evangélica.
Kardec chama a atenção para as considerações precedentes
e as circunstâncias em que essas palavras foram ditas,
porquanto elas não poderiam censurar aquele que
considerava um dever de piedade filial ir sepultar seu
pai.
O Mestre Jesus se referia aos “mortos de Espírito”, que
ainda não despertaram para o trabalho de conscientização
espiritual, prisioneiros das ilusões da matéria, que
trazem a consciência adormecida e precisa despertar para
a essência da vida em Deus.
Ensinamentos do Espírito Emmanuel, na psicografia de
Chico Xavier
Em “Acorda e ajuda”, Emmanuel esclarece: “Jesus não
recomendou ao aprendiz deixasse ‘aos cadáveres o cuidado
de enterrar os cadáveres’, e sim conferisse ‘aos mortos
o cuidado de enterrar os seus mortos’. Há, em verdade,
grande diferença. O cadáver é carne sem vida, enquanto
um morto é alguém que se ausenta da vida. Há muita gente
que perambula nas sombras da morte sem morrer”.
Mais adiante, Emmanuel aconselha: “Aprende a
participar da luta coletiva. Sai, cada dia, de ti mesmo,
e busca sentir a dor do vizinho, a necessidade do
próximo, as angústias de teu irmão e ajuda quanto
possas. Não te galvanizes na esfera do próprio ‘eu’.
Desperta e vive com todos, por todos e para todos,
porque ninguém respira tão somente para si. (…) Cedamos
algo de nós mesmos, em favor dos outros, pelo muito que
os outros fazem por nós. Recordemos, desse modo, o
ensinamento do Cristo. Se encontrares algum cadáver,
dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras
de caridade, mas, tratando-se da jornada espiritual,
deixa sempre ‘aos mortos o cuidado de enterrar os seus
mortos’.”
Ressurreição do morto da alma para a vida espiritual
Vinicius, no livro Nas pegadas do Mestre, em
“Ressurreição”, relaciona as duas mortes às suas
ressurreições para a renovação e regeneração, nos
seguintes termos:
“Jesus realizou duas categorias de ressurreição:
ressurreição do corpo, e ressurreição do espírito. (...)
A carne ressurge para a morte, a alma ressurge para a
vida. Jesus, ressuscitando Lázaro, ressuscitou um vivo,
porque Lázaro já vivia a vida do espírito. Ressuscitando
Madalena, ressuscitou um cadáver, porque sua alma era
morta para a espiritualidade.
Jesus ressuscitando Lázaro, a filha de Jairo, e o filho
da viúva de Naim, teve em mira promover ressurreições de
almas. Operava aqueles milagres como meio de atingir um
fim: ressuscitar Espíritos mortos, sepultados em túmulos
de carne. Tal é o que de fato o interessava. Em produzir
milagres dessa natureza está a missão da qual o Pai o
revestira.
Quando Jesus disse aos seus apóstolos – ‘Ide, pregai o
Evangelho, ressuscitai os mortos’ (Marcos, 16:15) – é da
ressurreição do espírito que ele curava. Em idêntico
sentido se devem tomar estas suas palavras: ‘Eu sou a
ressurreição e a vida, aquele que crê em mim, ainda que
esteja morto, viverá; e o que vive e crê em mim nunca
jamais morrerá’. (João, 11:25)”
Nos exemplos de ressuscitações, Vinicius comenta que
Lázaro já tinha uma vida de Espírito, ressuscitando um
vivo, e Madalena era morta para a espiritualidade,
ressuscitando de um cadáver de alma.
Acrescentou que Jesus orientou seus discípulos a
ressuscitarem os mortos de alma em corpos vivos, que
perambulavam pelo mundo com enfermidades morais, para
serem curados de seus males.
Assim, Jesus realizava cura espiritual dos que estavam
mortos nas trevas de suas faltas ou iludidos pelos bens
materiais do mundo, em ressurreição pela transformação,
renovação e regeneração do Espírito a caminho da sua
evolução moral e espiritual.
Que os mortos de alma enterrem os seus mortos interiores
do passado, renascendo para a vida imortal a caminho da
evolução moral e espiritual.
Bibliografia:
BÍBLIA SAGRADA.
EMMANUEL (Espírito); Saulo Cesar Ribeiro
da Silva (Coordenador). O Evangelho por Emmanuel:
comentários ao Evangelho segundo Mateus. 1ª Edição.
Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon
Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira
(organizadora). Estudo aprofundado da doutrina
espírita: Ensinos e parábolas de Jesus – Parte I.
Orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas
direcionadas ao estudo do aspecto religioso do
Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação
Espírita Brasileira, 2016.
SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e Ensino
de Jesus. 28ª Edição. Matão/SP: Casa Editora O
Clarim, 2016.
VINÍCIUS. Nas pegadas do Mestre.
12ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2014.
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