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por Juan Carlos Orozco

As duas mortes


“Vendo Jesus uma multidão em redor de si, mandou passar para a outra margem do lago. E chegou um escriba e disse-lhe: Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores. Respondeu-lhe Jesus: as raposas têm seus covis, e as aves do céu seus pousos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.E um outro discípulo disse-lhe: Senhor, deixa-me ir primeiro enterrar meu pai. Porém Jesus respondeu-lhe: segue-me, e deixa que os mortos enterrem os seus mortos.”
 (Mateus, 8:18-22; e Lucas, 9:59-60)


Esclarecimentos de Cairbar Schutel

O título “As duas mortes” é dado por Cairbar Schutel no livro Parábolas e ensinos de Jesus, referindo-se ao Evangelho de Mateus (8:18-22), começando seu esclarecimento com a frase: “Existem duas vidas, devem consequentemente existir duas mortes: a morte concreta e a morte abstrata”.

Para Cairbar Schutel, há duas mortes: a morte do corpo físico, chamada de concreta; e a morte da alma no corpo vivo, ou abstrata, no sentido de morte para as coisas de Deus na existência física, assemelhando-se a um cadáver espiritual.

O escritor espírita expressou, ainda, que a morte da alma no corpo vivo é pior do que a morte do corpo físico, dizendo: “A morte do corpo é a libertação do Espírito; a morte da alma é a sua escravidão ao serviço da carne”.

Em mensagem de consolo, o autor complementa que há ressurreição ou regeneração para esses casos de mortes: os que ressurgem a caminho da eternidade; e os atingidos pela lei de causa e efeito, renascendo para enterrar antigo morto de alma, daí a proposição de ficarem os mortos incumbidos do enterro dos seus mortos.

Cairbar Schutel complementa:

“A morte do corpo, para a alma morta, é o arrebatamento do indivíduo que fica forçado a alhear-se de todos os bens da Terra, de todos os gozos mundanos e até dos seres que o cercavam na vida do mundo.

A morte da alma é a abstração de tudo o que interessa à vida imortal, é a ausência de todos os bens incorruptíveis, é o desconhecimento da divindade, é a pobreza dos sentimentos nobres, do caráter, da virtude.”

No final, sintetiza: “Existem duas vidas, existem duas mortes; existem duas estradas, duas portas; existem dois senhores, sigamos o Senhor do Céu e deixemos que os mortos enterrem os seus mortos!”


O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, essa passagem evangélica é esclarecida no Capítulo XXIII, Estranha moral, junto de outras, cujos textos desafiam interpretações de acordo com os verdadeiros ensinos do Mestre Jesus, tais como: odiar os pais; abandonar pai, mãe e filhos; deixar aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos; e não vim trazer a paz, mas a divisão.

Em esclarecimento geral, Kardec expressa que interpretações não podem ser literais, porquanto elas conduzirão para entendimentos relativos e controvertidos e para conclusões equivocadas e contrárias aos ensinamentos e à amorosidade do Mestre Jesus.

Importante recordar que o Cristo não deixou nada escrito. As palavras de vida eterna, seus ensinamentos e exemplos ficaram gravados nas mentes dos discípulos e das pessoas da época, as quais foram transmitidas e multiplicadas oralmente.

Os evangelhos foram escritos muito tempo depois da morte e ressureição do Cristo, ou seja, nenhum deles foi redigido enquanto ele estava vivo.

Em decorrência, alguns textos sofreram problemas de entendimentos e traduções, sendo lícito acreditar que o pensamento do Mestre pode não ter sido bem expresso ou ocorrido alguma alteração.

Além disso, vários textos são eivados de alegoria, conduzindo a interpretação para o sentido espiritual, que oferece conclusões lógicas às indagações.

Retornando ao tema, pode causar estranheza a ideia de Jesus não permitir alguém dar bênção na sepultura ao corpo de um ente querido que morreu. Também não há lógica a mensagem de um cadáver enterrar um cadáver.

Portanto, não era esse o sentido da orientação de Jesus na passagem evangélica.

Kardec chama a atenção para as considerações precedentes e as circunstâncias em que essas palavras foram ditas, porquanto elas não poderiam censurar aquele que considerava um dever de piedade filial ir sepultar seu pai.

O Mestre Jesus se referia aos “mortos de Espírito”, que ainda não despertaram para o trabalho de conscientização espiritual, prisioneiros das ilusões da matéria, que trazem a consciência adormecida e precisa despertar para a essência da vida em Deus.


Ensinamentos do Espírito Emmanuel, na psicografia de Chico Xavier

Em “Acorda e ajuda”, Emmanuel esclarece: “Jesus não recomendou ao aprendiz deixasse ‘aos cadáveres o cuidado de enterrar os cadáveres’, e sim conferisse ‘aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos’. Há, em verdade, grande diferença. O cadáver é carne sem vida, enquanto um morto é alguém que se ausenta da vida. Há muita gente que perambula nas sombras da morte sem morrer”.

Mais adiante, Emmanuel aconselha: “Aprende a participar da luta coletiva. Sai, cada dia, de ti mesmo, e busca sentir a dor do vizinho, a necessidade do próximo, as angústias de teu irmão e ajuda quanto possas. Não te galvanizes na esfera do próprio ‘eu’. Desperta e vive com todos, por todos e para todos, porque ninguém respira tão somente para si. (…) Cedamos algo de nós mesmos, em favor dos outros, pelo muito que os outros fazem por nós. Recordemos, desse modo, o ensinamento do Cristo. Se encontrares algum cadáver, dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras de caridade, mas, tratando-se da jornada espiritual, deixa sempre ‘aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos’.”


Ressurreição do morto da alma para a vida espiritual

Vinicius, no livro Nas pegadas do Mestre, em “Ressurreição”, relaciona as duas mortes às suas ressurreições para a renovação e regeneração, nos seguintes termos:

“Jesus realizou duas categorias de ressurreição: ressurreição do corpo, e ressurreição do espírito. (...) A carne ressurge para a morte, a alma ressurge para a vida. Jesus, ressuscitando Lázaro, ressuscitou um vivo, porque Lázaro já vivia a vida do espírito. Ressuscitando Madalena, ressuscitou um cadáver, porque sua alma era morta para a espiritualidade.

Jesus ressuscitando Lázaro, a filha de Jairo, e o filho da viúva de Naim, teve em mira promover ressurreições de almas. Operava aqueles milagres como meio de atingir um fim: ressuscitar Espíritos mortos, sepultados em túmulos de carne. Tal é o que de fato o interessava. Em produzir milagres dessa natureza está a missão da qual o Pai o revestira.

Quando Jesus disse aos seus apóstolos – ‘Ide, pregai o Evangelho, ressuscitai os mortos’ (Marcos, 16:15) – é da ressurreição do espírito que ele curava. Em idêntico sentido se devem tomar estas suas palavras: ‘Eu sou a ressurreição e a vida, aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e o que vive e crê em mim nunca jamais morrerá’. (João, 11:25)”

Nos exemplos de ressuscitações, Vinicius comenta que Lázaro já tinha uma vida de Espírito, ressuscitando um vivo, e Madalena era morta para a espiritualidade, ressuscitando de um cadáver de alma.

Acrescentou que Jesus orientou seus discípulos a ressuscitarem os mortos de alma em corpos vivos, que perambulavam pelo mundo com enfermidades morais, para serem curados de seus males.

Assim, Jesus realizava cura espiritual dos que estavam mortos nas trevas de suas faltas ou iludidos pelos bens materiais do mundo, em ressurreição pela transformação, renovação e regeneração do Espírito a caminho da sua evolução moral e espiritual.

Que os mortos de alma enterrem os seus mortos interiores do passado, renascendo para a vida imortal a caminho da evolução moral e espiritual.

 

Bibliografia:

BÍBLIA SAGRADA.

EMMANUEL (Espírito); Saulo Cesar Ribeiro da Silva (Coordenador). O Evangelho por Emmanuel: comentários ao Evangelho segundo Mateus. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

MOURA, Marta Antunes de Oliveira (organizadora). Estudo aprofundado da doutrina espírita: Ensinos e parábolas de Jesus – Parte I. Orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas direcionadas ao estudo do aspecto religioso do Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2016.

SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e Ensino de Jesus. 28ª Edição. Matão/SP: Casa Editora O Clarim, 2016.

VINÍCIUS. Nas pegadas do Mestre. 12ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2014.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita