Palavras de um batalhador
Meus amigos, peçamos, antes de tudo, a Nosso Senhor
Jesus-Cristo nos ampare o trabalho.
Não pude furtar-me à alegria de visitá-los, ainda mesmo
de escantilhão.
Grande é a nossa esperança, observando a plantação de
luz a que se devotam.
Além disso, não posso esquecer que tenho aqui bons
amigos, a começar pelo nosso Rocha. [1]
Meus caros, a surpresa dos espíritas, depois do túmulo,
chega a ser incomensurável, porque frequentemente
mobilizamos os valores de nossa fé com a pretensão de
quem se julga escolhido à frente do Senhor.
Aguardamos, para além da morte, uma felicidade que nem
de longe, no mundo, cogitamos de construir.
Somos aprendizes novos do Evangelho.
Isso é verdade.
Mas estamos sempre interessados em conduzir ao Cristo os
nossos problemas, completamente despreocupados quanto
aos problemas do Cristo, a nosso respeito.
Buscamos nossa própria imagem no espelho da Graça
Divina. Somos velhos Narcisos encarcerados na própria
ilusão.
E admitimos que não há dores maiores que as nossas e que
as nossas necessidades superam as necessidades dos
outros.
Por esse motivo, o tempo estreito de permanência no
corpo carnal apenas nos favorece, na maioria das vezes,
mais densa petrificação de egoísmo, na concha de nossa
antiga vaidade.
Somos leitores de livros admiráveis.
Comovemo-nos e choramos, ante os valores iluminativos
com que somos agraciados, entretanto, depois do contacto
com o pensamento sublime de nossos orientadores, eis-nos
arrojados ao esquecimento de todos os dias, como se
padecêssemos irremediável amnésia, diante de tudo o que
se refira às nossas obrigações para com Jesus.
Em nossas casas doutrinárias, intensificamos disputas em
torno da direção humana, magnetizados pelos aspectos
menos dignos da luta que fomos chamados a desenvolver e,
muitas vezes, no intercâmbio com os nossos irmãos
tresmalhados na sombra, martelamos preciosas lições de
caridade e fé viva, compreensão e tolerância, olvidando
que os chamados “Espíritos sofredores”, em muitas
ocasiões, são trazidos até nós por vanguardeiros da Luz
Divina, interessados em nossa renovação, enquanto há
“melhor tempo”.
Ai de nós, porém!…
Dos conflitos inadequados em nossos templos de fé,
somente recolhemos frutos amargos, e das mensagens
pontilhadas de aflição, que guardam o objetivo de
reabilitar-nos para o Senhor, apenas retiramos
impressões negativas, de vez que nos movimentamos no
círculo de nossas responsabilidades, crendo-nos na
condição de cooperadores vitoriosos, quando, no fundo,
perante os Benfeitores da Espiritualidade Superior,
somos simplesmente companheiros em perigo, com imensas
dificuldades para satisfazer ao próprio reajuste.
Estejam vocês convencidos de que para nós, os espíritas
desencarnados, há uma tarefa espantosa, com a qual não
contávamos.
Por mais estranho nos pareça, somos geralmente situados
em serviços de orientação, junto aos companheiros que
ficaram. Espíritas com espíritas, como irmãos enlaçados
no mesmo dever a cumprir.
Alijados do corpo, contudo, é que vemos quão difícil se
faz o concurso eficiente aos corações cerrados à luz e
quão sacrificial se nos revela o socorro a doentes que
não se interessam pela própria cura!
Identificamos, então, o princípio de correspondência.
Colocados na posição daqueles que anteriormente nos
dirigiam, reconhecemos quanta impermeabilidade
oferecíamos, no mundo, aos que nos acompanhavam
abnegadamente de perto.
Tão logo descerrei os olhos, ante o esplendor da
verdade, encontrei nosso velho amigo Senra [2],
notificando-me, bem-humorado:
— Cícero, agora é o seu tempo de experimentar o novo
trabalho que vive em nossas mãos…
E, desde essa hora, eu que retinha a veleidade de
condutor, embora a insipiência do aprendiz de Evangelho
que ainda sou, comecei a entender alguma coisa do
serviço gigantesco que nos compete impulsionar para a
frente.
Afeiçoados à nova máquina de ação, sofremos o cuidado de
não trair a harmonia.
Porque é preciso equilibrar nossos passos, a fim de
orientar com segurança os passos alheios,
disciplinar-nos dentro das responsabilidades que
abraçamos para não ameaçar o trabalho daqueles que nos
cercam.
Ouvir mais.
Fazer mais.
E falar menos.
Difícil é suportar na cabeça o título de servidor da Boa
Nova, que, entre os homens, pode ser uma palma florida,
mas que se converte aqui em coroa de fogo, tal a
preocupação com que nos cabe aprender a auxiliar e a
renunciar para que o carro de nossos princípios avance
sobre os trilhos da ordem.
Registando-nos a experiência, esperamos que vocês venham
mais tarde para cá movimentando melhores recursos.
Reconheço que há muito ainda a dizer. Entretanto, o
horário está a esgotar-se.
Conosco, temos outros irmãos que lhes deixam afetuosa
visita.
Nossos amigos Hanriot, Mata Simplício e ainda o nosso
Efigênio [3] partilham-nos a oração.
Todos agora padecemos o mesmo mal, — o inquietante
privilégio de colaborar numa realização, cuja magnitude
efetivamente nos esmaga.
Façamos o melhor de nossa parte, na convicção de que o
Senhor não nos desampara.
E, agradecendo a satisfação desta hora, deixo aos
queridos companheiros o meu coração reconhecido. – Cícero
Pereira [4]
Referências:
[1] Reporta-se o visitante espiritual ao
nosso companheiro Geraldo Benício Rocha, de quem foi
amigo íntimo.
[2] Refere-se o comunicante ao Dr.
Ernesto Senra, antigo lidador do Espiritismo, em Minas
Gerais, desde muito desencarnado.
[3] Reporta-se o visitante a companheiros
espíritas de Belo Horizonte, já desencarnados.
[4] O professor Cícero Pereira foi
valoroso batalhador do Espiritismo em Minas Gerais, onde
é vastamente conhecido e carinhosamente lembrado por sua
grande bagagem de serviço, como presidente da União
Espírita Mineira.
Do livro Instruções psicofônicas, comunicação
recebida psicofonicamente pelo médium Francisco Cândido
Xavier.
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