Com a alma emancipada, Kardec visita o
seu amigo
Na Revista Espírita de dezembro de 1858, Allan
Kardec relata um episódio de bicorporeidade ocorrido com
um jovem de Londres. Em fevereiro de 1859, ao falar
sobre os agêneres (aparições materializadas, visíveis e
tangíveis, de pessoas desencarnadas), ele explica que a
principal diferença entre os fenômenos é que o agênere
não tem corpo vivo na Terra; apenas o seu perispírito
toma forma palpável. “O jovem de Londres era
perfeitamente vivo. Enquanto seu corpo dormia em
Boulogne, seu espírito, envolvido pelo perispírito, foi
a Londres, onde tomou uma aparência tangível.”
Ao estudar esses fenômenos, Kardec conta um fato que
aconteceu com ele.
Enquanto estava calmamente em sua cama, um de seus
amigos o viu várias vezes em sua casa, sob aparência não
tangível, conversando com ele como de hábito. Uma vez o
viu de “chambre” e outras vezes de paletó. O amigo
chegou depois a transcrever a conversa que tiveram, e no
dia seguinte enviou a Kardec. Contou que, durante o
fenômeno, ele ainda tentou oferecer um refresco a
Kardec, ao que lhe respondeu: “Não tenho necessidade
disto, porque não é o meu corpo que está aqui, vós o
sabeis. Não há a menor necessidade, portanto, de criar
para vós uma ilusão”.
O codificador relata também que, talvez, pelo gosto que
tinha pelos trabalhos intelectuais, desde a sua
juventude, seu semblante era de uma pessoa mais séria.
Mas, em sua visita, o amigo disse que Kardec
“mostrava-se mais extrovertido, mais comunicativo, quase
alegre. Revelava-se nele a satisfação e a calma de
sentir-se bem”.
Kardec aproveita o relato da experiência para argumentar
sobre as propriedades do perispírito. “Não estará aí um
efeito do espírito desprendido da matéria?”, escreve.
O episódio chama a atenção para as influências do corpo
físico, nas expressões faciais, uma vez que a
emancipação da alma permite que o perispírito adquira
uma aparência mais genuína de seu estado emocional, de
sua essência espiritual.
Em 1861, em O livro dos médiuns (*), e oito anos
depois, em A gênese, Kardec vai explicar
detalhadamente as propriedades do perispírito e os
diferentes fenômenos consequentes da emancipação da alma
de pessoas vivas. Esclarece que a bicorporeidade é
caracterizada pela materialização do perispírito da
pessoa viva que aparece a todos, mas que também pode
ocorrer a aparição de pessoas vivas, em momentos de
emancipação da alma (com o corpo físico adormecido),
onde o perispírito pode se materializar e se tornar
visível para todos; ou sem a materialização, tornando-se
visível apenas para médiuns, como ocorreu com Kardec e
seu amigo vidente.
(*) O livro dos médiuns, Allan
Kardec, cap. 7, itens 114 e 115.
O presente texto foi publicado
originalmente em 15
de dezembro de 2024 no jornal Correio Fraterno,
de São Bernardo do Campo-SP.