Comer ou não da árvore do conhecimento?
Desafio ao livre-arbítrio
Na mais antiga obra que norteia o pensamento religioso
do mundo ocidental, a Bíblia Sagrada, logo no seu
início, é apresentado aos humanos – Adão e Eva – um dos
maiores dilemas que nos acompanham até os dias de hoje:
como usar o livre-arbítrio com sabedoria.
Dentro da concepção criacionista, após a formação da
Natureza, Deus criou aqueles destinados a povoar a
Terra, mas advertiu tanto o homem quanto a mulher sobre
a proibição de comer da árvore do conhecimento do bem
e do mal no Jardim do Éden; caso o fizessem, seriam
mortos.1
Lembrando apenas uma das judiciosas observações feitas
por Allan Kardec na obra A Gênese sobre o caso em
exame, indaga-se: de que valeria Deus ameaçar de morte
Adão e Eva se eles acabavam de ter sido criados e, desta
forma, não poderiam jamais entender o que representava a
morte!?
Mas, deixando de lado as questões controversas do Antigo
Testamento, podemos afirmar que, por esta narrativa,
surgiu simbolicamente o primeiro caso concreto sobre a
questão da tentação na obra mais lida, vendida e
traduzida no mundo; contudo, os envolvidos falharam de
imediato nesse primeiro teste para a Humanidade.
Buscaram responsabilizar a pobre serpente, sabemos, sem
êxito, afinal, haviam recebido uma ordem direta de Deus
sobre esta proibição. E foram todos punidos por diversas
formas.
É inegável que já havia humanos antes desse evento
mencionado na Bíblia, não só no Ocidente, bem como no
Oriente, e existiam também escritos mais antigos do que
os contidos nesse livro dito sagrado e, não há dúvida, o
exercício do livre-arbítrio já vinha sendo praticado
milênios antes.
De lá para cá, desenvolvemos mais ainda o livre-arbítrio
- possibilidade de decidir, escolher em função da
própria vontade, sem influência de qualquer
condicionamento, motivo ou causa determinante -, pois
evoluímos no conhecimento das coisas, aumentamos a nossa
inteligência a níveis jamais imaginados no passado e,
com estas conquistas construídas pelos nossos próprios
esforços, indagamos: quantas escolhas fizemos e
continuamos a fazer? Incontáveis!
A maioria já esteve na Terra por diversas vezes,
experimentando reencarnações consecutivas em diversos
locais, épocas e culturas, contudo, observando o nível
médio moral e ético desta Humanidade, só podemos
concluir que as escolhas têm sido feitas, geralmente, no
sentido de desobedecer a centelha divina comendo da
árvore do conhecimento, ou seja, temos usado o nosso
livre-arbítrio repetindo erros antigos, senão a Terra já
seria o Jardim do Éden, e não o que somos obrigados a
conviver hoje em dia. Apenas para exemplificar, há
aproximadamente 120 conflitos armados envolvendo 31% dos
países do mundo.2
E o que falta para transformar a Terra no Jardim do
Éden, em um mundo Celeste ou Divino?
É preciso que todos os Adões e Evas modernos façam
melhores escolhas, usem o livre-arbítrio para vivenciar
apenas o bem, e não o mal, com vontade férrea,
constantemente, contudo, os Espíritos formadores desta
Humanidade ainda são fracos, hesitantes, pusilânimes, e
se deixam levar, frequentemente, pelo quase
irresistível canto da sereia – teses e doutrinas
nebulosas e permissivas de toda ordem que se apresentam
aqui e ali - criando, desta forma, em função de suas
falhas morais, mares turbulentos e bravios em que se
afogam, com constância, retornando, ciclicamente, a
mundos materiais, como este, para refazer condutas,
resgatar faltas, reparar incontáveis males perpetrados
contra o próximo em suas jornadas terrenas anteriores.
Este é o cenário atual, ainda estamos em um mundo de
provas e expiações.
Como Adão e Eva que se descobriram desnudos,
imediatamente após desobedecerem o Criador, os
habitantes da Terra, também ainda se surpreendem, ao se
enxergarem desnudos, mas não de roupas, como o casal
bíblico, mas de virtudes, entretanto, fartamente
vestidos de hipocrisia, vilanias e corrupção e, em
conformidade com esta realidade, complementam suas
vestes com os acessórios da mentira, perfídia,
sensualidade, vícios de toda ordem e, por último, não
que seja menos relevante, a crueldade da indiferença
diante de tantas injustiças vigentes, com raras
exceções, é claro.
O mundo assiste boquiaberto o festival de iniquidades de
todas as partes e, sem ídolos, com escassos modelos
vivos que possam servir de inspiração para cultivar o dever
de acertar, deixando de lado, definitivamente, o
ilusório direito de errar, delinquem, como todos,
afinal, se a maioria privilegia o mal, por qual razão
também não posso agir, falar e pensar da mesma maneira?
Em consequência, o uso do livre-arbítrio está
contaminado pelo excesso de condutas malsãs que
pontilham o nosso cotidiano, e para se certificar desta
triste realidade, destes muitos pecados, basta assistir
os noticiários das redes televisivas.
Que encruzilhada vive esta Humanidade!? Qual direção
tomar, quais condutas adotar para conquistar um pouco de
paz de espírito, como usar o livre-arbítrio, sabiamente,
nestes tempos turbulentos?
O nosso destino é construído, paulatinamente, pois, ao
fazermos escolhas, criamos o nosso futuro, como se
denota em:
Diariamente criamos destino, porquanto, em cada hora de
luta, é possível renovar as causas a que se nos
subordinam as circunstâncias da marcha.3
Muitas destas circunstâncias da marcha foram
delineadas ainda na erraticidade, quando aguardávamos
para voltar às lides terrenas e, em conjunto com os
guias espirituais, definimos grandes marcos da futura e
promissora jornada na Terra, sobre: família, profissão,
doenças, tempo de vida, tipo de morte, riqueza ou
pobreza, mas as leis divinas permitem que modifiquemos
estas significativas provas, expiações ou missões, não
todas, é fato, pois algumas permanecem apesar de nossos
melhores esforços em alterar o modo como se manifestam
no cotidiano.
Tomemos como exemplo a duração da existência e o tipo de
desencarnação, previamente acertados. Quando o Espírito
inicia a sua nova trajetória terrena tem diversas
estradas a seguir e pode escolher adotar o modismo de
ingerir bebidas alcoólicas, para se sentir aceito por
seu grupo social. Havia também a previsão do surgimento
de uma doença em um certo período da vida, mas sem
gravíssimas consequências e a morte acabaria se dando
por causas naturais. Entretanto, com a acentuada
ingestão de alcoólicos, rotineiramente, antecipa o
surgimento da doença expiatória, surgindo mais grave do
que era previsto. Com o passar do tempo, o corpo vai se
enfraquecendo, sua capacidade de gerar e armazenar
fluido vital vai diminuindo e, como resultado final,
ocorre a desencarnação prematura, não natural, fora do
tempo, por força da pujança da doença, não há dúvida.
Considerando o outro lado da moeda, se este mesmo
Espírito mantém uma conduta regrada, equilibrada, com
hábitos moderados, sem exageros na alimentação, nenhum
uso de drogas lícitas ou ilícitas, trabalhando dentro de
suas atribuições com zelo e respeito, sem reclamações
contra tudo e contra todos, mente higienizada dos vícios
mentais tão comuns em nossa sociedade, entre outras
atitudes recomendadas pela moral e pela ética, aquela
doença que surgiria em determinada fase da vida, pode
ser adiada e, mesmo quando surgir, poderá ter seus
efeitos atenuados. Como dádiva final, a hora da morte
também poderá ser postergada, através de uma moratória,
ou seja, o grande marco de vida representado pela sua
duração, é alterado, pelo uso do livre-arbítrio, por
quem optou em não comer o fruto da árvore do bem e do
mal.
Podemos ressaltar este princípio divino por esta outra
citação:
O determinismo não é absoluto, em face dos recursos do
livre-arbítrio que está sempre alterando o destino e os
rumos da vida. O renascimento, algumas ocorrências e a
desencarnação constituem fatalismo durante cada
existência corporal.4
Ao citar a desencarnação como episódio fatal, o autor
não invalida os exemplos anteriormente apresentados,
pois de fato, muitas desencarnações se darão,
exatamente, conforme previsto, outras não e, além disso,
o processo de desencarnação é certo para todos, ninguém
se esquivará deste fatalismo. Pode-se alterar o quando e
o como, mas nunca o desfecho em si.
É por isso que fatalidade e livre-arbítrio não são
conceitos antagônicos, coexistindo nos menores ângulos
durante as nossas jornadas planetárias.
A propósito, não há nenhuma sustentação na Bíblia para
afirmar que a fruta ingerida pelo primeiro casal foi a
maçã dos tempos modernos, pela simples razão de que esta
fruta, como a conhecemos, há algum tempo, é resultado de
experiências e manipulações do fruto por largo período
após a ocorrência do caso bíblico narrado no Livro
Sagrado de modo que ele hoje se mostre tal qual é. A
fruta que poderia corresponder à maçã de agora era bem
diferente, à época de Moisés.5
Entretanto, por conta desta lenda, nos acostumamos a ver
neste fruto um dos símbolos do pecado, embora esta
perfeita criação de Deus não possua nenhuma
característica ou sabor que possa sequer sugerir tal
associação e seria mesmo um absurdo, pois tudo na
Natureza visa o nosso bem. Mas, se fizermos uma analogia
com as más escolhas que fazemos corriqueiramente, é
preciso parar de consumir tais maçãs, pois
enquanto mantivermos o hábito de comer da árvore do
conhecimento do bem e do mal, o ritmo da evolução do
planeta diminuirá e o Jardim de Éden não se fará
presente, tão cedo, nesta Casa do Pai.
A escolha é nossa!
Referências:
1 BÍBLIA
DE JERUSALÉM. Diversos tradutores. 3. imp. São Paulo:
Paulus, 2004. Gênesis, 2:17.
2 Disponível
em: Feliz
ano novo - Acesso em: 29 jul.
2025.
3 XAVIER,
Francisco Cândido. Família. 1. ed. São Paulo:
CEU, 1981. Liberdade e expiação. pág. 195.
4 FRANCO,
Divaldo Pereira. Loucura e obsessão. Pelo
Espírito Manoel P. de Miranda. Rio de Janeiro: FEB,
1990. cap. 9. pág. 116.
5 Disponível
em: BBC
português - Acesso em: 29 jul.
2025.