Introdução
O acolhimento, em sua essência mais pura, é um gesto que
transcende a hospitalidade ou a cortesia social. Acolher
é abrir espaço dentro de si para o outro: sua dor, sua
história, sua humanidade. No contexto da Doutrina
Espírita, esse ato adquire profundidade espiritual,
sendo expressão direta da Lei de Amor, Justiça e
Caridade. Não se trata apenas de um dever moral, mas de
uma construção contínua do espírito em direção à sua
elevação.
Allan Kardec, nos cinco livros da Codificação Espírita
— O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O
Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A
Gênese — fornece os fundamentos doutrinários e
morais para compreender o acolhimento como uma atitude
necessária à regeneração individual e coletiva. Neste
texto, propomos uma reflexão ampla sobre o acolhimento à
luz dessas obras.
1. O Acolhimento e a Lei Natural (O Livro dos
Espíritos)
Logo nos primeiros capítulos de O Livro dos Espíritos,
os benfeitores espirituais ensinam que as Leis Naturais
são leis divinas, e que o ser humano as traz inscritas
na consciência (questão 621). Entre essas leis está a
Lei de Sociedade (questões 766 a 775), que nos revela
que o homem não foi criado para viver isolado. A vida
social é um instrumento de progresso, mas também um
campo de exercício de virtudes.
O acolhimento, então, se mostra como um mandato natural:
viver em sociedade implica lidar com o outro — em sua
diversidade, em seus limites, em suas dores. E é aí que
entra a Lei de Justiça, Amor e Caridade (questões 873 a
888), que nos convida a amar ao próximo e fazer-lhe todo
o bem possível.
O acolhimento é uma forma concreta de vivenciar essa
lei. É o gesto de escutar sem pressa, de auxiliar sem
interesse, de enxergar no outro não apenas um
semelhante, mas um espírito imortal em jornada de
crescimento. O Espiritismo, ao revelar a reencarnação e
a pluralidade das existências, nos lembra que muitas
vezes o que hoje acolhemos, ontem nos acolheu.
2. O Acolhimento no Exercício Mediúnico (O
Livro dos Médiuns)
Em O Livro dos Médiuns, Kardec aprofunda a
compreensão do intercâmbio entre o mundo espiritual e o
mundo corporal. A mediunidade, como faculdade natural,
deve ser exercida com responsabilidade, humildade e
discernimento.
Muitos médiuns iniciantes buscam apoio nos centros
espíritas sem entender o que se passa com eles. Ali, o
acolhimento é essencial: é preciso receber essas pessoas
com paciência, sem alarmismo ou julgamentos, oferecendo
esclarecimento doutrinário e apoio fraterno.
Mas o acolhimento não é apenas para os médiuns. Ele se
estende também aos espíritos sofredores que se
manifestam nas reuniões mediúnicas. São almas, muitas
vezes, em profundo desequilíbrio, dor ou revolta. Como
recomendam os próprios Espíritos, devem ser tratadas com
caridade, firmeza moral e amor — jamais com desprezo ou
arrogância.
A função do médium, portanto, não é apenas transmitir
mensagens: é servir de ponte acolhedora entre dois
mundos, praticando o bem de forma ativa, silenciosa e
humilde. O médium acolhe com o coração; e o grupo
mediúnico, se bem orientado, transforma-se em verdadeiro
hospital da alma.
3. Acolher como Jesus: A Caridade Viva (O
Evangelho Segundo o Espiritismo)
O Evangelho Segundo o Espiritismo é o coração moral da
Doutrina Espírita. Kardec, ao compilar os ensinamentos
de Jesus sob a ótica espírita, revela a prática do amor
como o caminho seguro para a evolução espiritual.
O acolhimento se insere diretamente nessa proposta. No
capítulo 11, “Amar o próximo como a si mesmo”,
aprendemos que a caridade verdadeira não escolhe a quem
amar, nem quando amar. Acolher é, antes de tudo, aceitar
o outro como ele é — mesmo que pense diferente, aja de
modo diverso ou se encontre mergulhado em equívocos.
No capítulo 13, “Que a vossa mão esquerda ignore o que
dá a direita”, é dito que a caridade moral é muitas
vezes mais difícil do que a caridade material. E que
consolar, ouvir, perdoar e tolerar são formas superiores
de auxílio. Acolher, portanto, exige esforço íntimo:
requer domar o orgulho, silenciar a crítica e estender a
mão com humildade.
Jesus acolheu os publicanos, os doentes, os desprezados.
Ensinou pelo exemplo. O Espiritismo, como o Consolador
Prometido, retoma esse caminho do acolhimento,
convidando-nos à vivência do amor universal.
O Capítulo 15 de O Evangelho Segundo o Espiritismo,
ao afirmar que “fora da caridade não há salvação”, nos
convida a refletir sobre o acolhimento como expressão
prática da verdadeira caridade. Acolher é mais do que
oferecer ajuda material: é escutar com paciência,
consolar com ternura e abraçar com o coração. O
Espiritismo ensina que o bem feito ao próximo, com
desinteresse e compaixão, aproxima-nos de Deus. O
acolhimento fraterno rompe as barreiras do julgamento e
da indiferença, e revela o Cristo que habita em cada
gesto de amor. Kardec mostra que a salvação não está nas
crenças, mas nas ações inspiradas pela caridade. Assim,
acolher é abrir espaço em nossa vida para o outro, é
exercer a bondade ativa ensinada por Jesus. Toda
caridade começa no acolher com sinceridade, sem esperar
recompensa. Acolher é servir com o coração, com
indulgência e perdão. É, enfim, viver o Evangelho no
cotidiano.
4. Acolher
na Dor: Reflexões em O
Céu e o Inferno
O Céu e o Inferno é
dividido em duas partes: a primeira, teórica, trata da
justiça divina segundo o Espiritismo; a segunda,
prática, apresenta comunicações de espíritos em
diferentes estados após a morte.
Esses testemunhos revelam a importância do acolhimento
durante a vida encarnada. Espíritos felizes relatam como
foram amparados em suas dificuldades e como, por sua
vez, acolheram os outros com caridade. Já os sofredores
descrevem o arrependimento por não terem exercido o amor
ao próximo quando tiveram oportunidade.
Entre os relatos, há casos de suicidas, criminosos
arrependidos, pessoas que viveram no egoísmo ou na
indiferença. Muitos dizem que bastava um gesto de amor,
uma palavra de conforto, um olhar de compaixão para que
suas vidas tomassem outro rumo. Isso nos mostra como o
acolhimento é não apenas ato de bondade, mas um
verdadeiro socorro espiritual.
E mais: nos alerta para a responsabilidade que temos uns
com os outros. Ao fecharmos o coração, podemos estar
contribuindo para o desespero de alguém. Ao abrirmos os
braços, podemos estar salvando uma alma da queda.
5. O Acolhimento e a Regeneração Planetária (A
Gênese)
Em A Gênese, Kardec analisa a relação entre
ciência e religião, os milagres de Jesus e os sinais dos
tempos. No capítulo XVIII, “Os tempos são chegados”, é
anunciado o período de transição da Terra — de mundo de
expiações e provas para mundo de regeneração.
Esse processo, segundo os Espíritos, não se dará por
catástrofes espetaculares, mas por meio da transformação
moral da humanidade. O acolhimento será uma das marcas
dessa nova era. Os espíritos endurecidos, egoístas,
violentos, não mais encontrarão afinidade com o planeta
que se eleva moralmente.
Aqueles que já compreendem a necessidade do acolher — e
o praticam — são os trabalhadores do bem que semeiam o
mundo novo. Cada gesto de escuta atenta, cada palavra de
consolo, cada sorriso dado ao aflito é uma pedra lançada
na construção desse mundo regenerado.
Assim, o acolhimento se mostra como atitude evolutiva e,
ao mesmo tempo, como condição de permanência na Terra em
sua nova fase. Seremos acolhidos por Deus na medida em
que aprendermos a acolher nossos irmãos.
Conclusão
Acolher é a arte de fazer-se ponte. É reconhecer que
todo espírito em jornada carrega dores, esperanças e
desafios. A Doutrina Espírita, com sua profundidade
filosófica e sensibilidade moral, convida-nos a viver o
acolhimento não apenas como um dever religioso, mas como
um movimento de alma que reconhece no outro um irmão.
O Livro dos Espíritos ensina
que amar é cumprir a lei de Deus. O Livro dos Médiuns mostra
que a caridade é o fundamento da prática mediúnica. O
Evangelho Segundo o Espiritismo revela que sem amor
não há salvação. O Céu e o Inferno alerta que os
que acolhem são amparados. A Gênese anuncia que o
futuro pertence aos que amam.
Em um mundo ainda marcado pela indiferença e pelo
egoísmo, o acolhimento é um ato revolucionário. E no
Espiritismo, é um gesto de fé ativa, amor consciente e
fraternidade operante.
Como nos disse o Cristo: “Vinde a mim todos vós que
estais aflitos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”
(Mateus 11:28). Que sejamos nós, à luz do Espiritismo,
braços que acolhem em nome d’Ele.