Especial

por Hugo A. Novaes

Acolhimento à luz da Doutrina Espírita

 

Introdução

O acolhimento, em sua essência mais pura, é um gesto que transcende a hospitalidade ou a cortesia social. Acolher é abrir espaço dentro de si para o outro: sua dor, sua história, sua humanidade. No contexto da Doutrina Espírita, esse ato adquire profundidade espiritual, sendo expressão direta da Lei de Amor, Justiça e Caridade. Não se trata apenas de um dever moral, mas de uma construção contínua do espírito em direção à sua elevação.

Allan Kardec, nos cinco livros da Codificação Espírita — O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese — fornece os fundamentos doutrinários e morais para compreender o acolhimento como uma atitude necessária à regeneração individual e coletiva. Neste texto, propomos uma reflexão ampla sobre o acolhimento à luz dessas obras.


1. O Acolhimento e a Lei Natural (O Livro dos Espíritos)

Logo nos primeiros capítulos de O Livro dos Espíritos, os benfeitores espirituais ensinam que as Leis Naturais são leis divinas, e que o ser humano as traz inscritas na consciência (questão 621). Entre essas leis está a Lei de Sociedade (questões 766 a 775), que nos revela que o homem não foi criado para viver isolado. A vida social é um instrumento de progresso, mas também um campo de exercício de virtudes.

O acolhimento, então, se mostra como um mandato natural: viver em sociedade implica lidar com o outro — em sua diversidade, em seus limites, em suas dores. E é aí que entra a Lei de Justiça, Amor e Caridade (questões 873 a 888), que nos convida a amar ao próximo e fazer-lhe todo o bem possível.

O acolhimento é uma forma concreta de vivenciar essa lei. É o gesto de escutar sem pressa, de auxiliar sem interesse, de enxergar no outro não apenas um semelhante, mas um espírito imortal em jornada de crescimento. O Espiritismo, ao revelar a reencarnação e a pluralidade das existências, nos lembra que muitas vezes o que hoje acolhemos, ontem nos acolheu.


2. O Acolhimento no Exercício Mediúnico (O Livro dos Médiuns)

Em O Livro dos Médiuns, Kardec aprofunda a compreensão do intercâmbio entre o mundo espiritual e o mundo corporal. A mediunidade, como faculdade natural, deve ser exercida com responsabilidade, humildade e discernimento.

Muitos médiuns iniciantes buscam apoio nos centros espíritas sem entender o que se passa com eles. Ali, o acolhimento é essencial: é preciso receber essas pessoas com paciência, sem alarmismo ou julgamentos, oferecendo esclarecimento doutrinário e apoio fraterno.

Mas o acolhimento não é apenas para os médiuns. Ele se estende também aos espíritos sofredores que se manifestam nas reuniões mediúnicas. São almas, muitas vezes, em profundo desequilíbrio, dor ou revolta. Como recomendam os próprios Espíritos, devem ser tratadas com caridade, firmeza moral e amor — jamais com desprezo ou arrogância.

A função do médium, portanto, não é apenas transmitir mensagens: é servir de ponte acolhedora entre dois mundos, praticando o bem de forma ativa, silenciosa e humilde. O médium acolhe com o coração; e o grupo mediúnico, se bem orientado, transforma-se em verdadeiro hospital da alma.


3. Acolher como Jesus: A Caridade Viva (O Evangelho Segundo o Espiritismo)

O Evangelho Segundo o Espiritismo é o coração moral da Doutrina Espírita. Kardec, ao compilar os ensinamentos de Jesus sob a ótica espírita, revela a prática do amor como o caminho seguro para a evolução espiritual.

O acolhimento se insere diretamente nessa proposta. No capítulo 11, “Amar o próximo como a si mesmo”, aprendemos que a caridade verdadeira não escolhe a quem amar, nem quando amar. Acolher é, antes de tudo, aceitar o outro como ele é — mesmo que pense diferente, aja de modo diverso ou se encontre mergulhado em equívocos.

No capítulo 13, “Que a vossa mão esquerda ignore o que dá a direita”, é dito que a caridade moral é muitas vezes mais difícil do que a caridade material. E que consolar, ouvir, perdoar e tolerar são formas superiores de auxílio. Acolher, portanto, exige esforço íntimo: requer domar o orgulho, silenciar a crítica e estender a mão com humildade.

Jesus acolheu os publicanos, os doentes, os desprezados. Ensinou pelo exemplo. O Espiritismo, como o Consolador Prometido, retoma esse caminho do acolhimento, convidando-nos à vivência do amor universal.

O Capítulo 15 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, ao afirmar que “fora da caridade não há salvação”, nos convida a refletir sobre o acolhimento como expressão prática da verdadeira caridade. Acolher é mais do que oferecer ajuda material: é escutar com paciência, consolar com ternura e abraçar com o coração. O Espiritismo ensina que o bem feito ao próximo, com desinteresse e compaixão, aproxima-nos de Deus. O acolhimento fraterno rompe as barreiras do julgamento e da indiferença, e revela o Cristo que habita em cada gesto de amor. Kardec mostra que a salvação não está nas crenças, mas nas ações inspiradas pela caridade. Assim, acolher é abrir espaço em nossa vida para o outro, é exercer a bondade ativa ensinada por Jesus. Toda caridade começa no acolher com sinceridade, sem esperar recompensa. Acolher é servir com o coração, com indulgência e perdão. É, enfim, viver o Evangelho no cotidiano.


4. Acolher na Dor: Reflexões em O Céu e o Inferno

O Céu e o Inferno é dividido em duas partes: a primeira, teórica, trata da justiça divina segundo o Espiritismo; a segunda, prática, apresenta comunicações de espíritos em diferentes estados após a morte.

Esses testemunhos revelam a importância do acolhimento durante a vida encarnada. Espíritos felizes relatam como foram amparados em suas dificuldades e como, por sua vez, acolheram os outros com caridade. Já os sofredores descrevem o arrependimento por não terem exercido o amor ao próximo quando tiveram oportunidade.

Entre os relatos, há casos de suicidas, criminosos arrependidos, pessoas que viveram no egoísmo ou na indiferença. Muitos dizem que bastava um gesto de amor, uma palavra de conforto, um olhar de compaixão para que suas vidas tomassem outro rumo. Isso nos mostra como o acolhimento é não apenas ato de bondade, mas um verdadeiro socorro espiritual.

E mais: nos alerta para a responsabilidade que temos uns com os outros. Ao fecharmos o coração, podemos estar contribuindo para o desespero de alguém. Ao abrirmos os braços, podemos estar salvando uma alma da queda.


5. O Acolhimento e a Regeneração Planetária (A Gênese)

Em A Gênese, Kardec analisa a relação entre ciência e religião, os milagres de Jesus e os sinais dos tempos. No capítulo XVIII, “Os tempos são chegados”, é anunciado o período de transição da Terra — de mundo de expiações e provas para mundo de regeneração.

Esse processo, segundo os Espíritos, não se dará por catástrofes espetaculares, mas por meio da transformação moral da humanidade. O acolhimento será uma das marcas dessa nova era. Os espíritos endurecidos, egoístas, violentos, não mais encontrarão afinidade com o planeta que se eleva moralmente.

Aqueles que já compreendem a necessidade do acolher — e o praticam — são os trabalhadores do bem que semeiam o mundo novo. Cada gesto de escuta atenta, cada palavra de consolo, cada sorriso dado ao aflito é uma pedra lançada na construção desse mundo regenerado.

Assim, o acolhimento se mostra como atitude evolutiva e, ao mesmo tempo, como condição de permanência na Terra em sua nova fase. Seremos acolhidos por Deus na medida em que aprendermos a acolher nossos irmãos.


Conclusão

Acolher é a arte de fazer-se ponte. É reconhecer que todo espírito em jornada carrega dores, esperanças e desafios. A Doutrina Espírita, com sua profundidade filosófica e sensibilidade moral, convida-nos a viver o acolhimento não apenas como um dever religioso, mas como um movimento de alma que reconhece no outro um irmão.

O Livro dos Espíritos ensina que amar é cumprir a lei de Deus. O Livro dos Médiuns mostra que a caridade é o fundamento da prática mediúnica. O Evangelho Segundo o Espiritismo revela que sem amor não há salvação. O Céu e o Inferno alerta que os que acolhem são amparados. A Gênese anuncia que o futuro pertence aos que amam.

Em um mundo ainda marcado pela indiferença e pelo egoísmo, o acolhimento é um ato revolucionário. E no Espiritismo, é um gesto de fé ativa, amor consciente e fraternidade operante.

Como nos disse o Cristo: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Que sejamos nós, à luz do Espiritismo, braços que acolhem em nome d’Ele. 

    

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita