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por Vladimir Alexei

 

Roustaing e a política: uma reflexão para os dias de hoje


Jean Baptiste Roustaing (1805-1879) foi, talvez, para o Espiritismo, o que Judas representou para o Cristianismo. É uma provocação.

Em plena efervescência dos trabalhos desenvolvidos por Allan Kardec, Roustaing, após ler O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, sentiu que era seu papel dar asas a planos ousados de pesquisa na filosofia e religião, de forma a se aprofundar nos fenômenos estudados, até então, nas obras de Allan Kardec.

Assim, segundo dados biográficos, surge a relação de Roustaing com o casal Émilie e Charles Collignon. Émilie seria a médium que publicaria a obra mais criticada do movimento espírita brasileiro, “Os quatro evangelhos ou Revelação da Revelação”.

Se os estudiosos difundissem tais obras como se fossem um compêndio de interpretações evangélicas com alguns pontos de abordagem doutrinários e outros totalmente avessos ao Espiritismo, talvez essa obra enfrentasse menos resistência. Por quê? Porque hoje, a pretexto do “estudo interpretativo do Evangelho”, utiliza-se todo tipo de base doutrinária, religiosa e filosófica como recurso didático para se refletir nos ensinamentos espirituais que precisam ser descortinados pelo véu das alegorias das escrituras, e essa obra não foge muito desse processo, com exceção de algumas afirmações que não são doutrinárias. Dessa forma, entendemos que “cabe tudo” na interpretação, inclusive, desinformação.

Por isso, quase tudo hoje é doutrinário, menos a desprestigiada obra. Antes de mais nada, cabe uma explicação: não defendemos tais obras por inúmeras razões, dentre elas os erros doutrinários. Mas a abordagem aqui é outra.

Ocorre que no movimento espírita, às vésperas de mais um ano de eleição, pelas andanças que temos feito no interior de Minas Gerais, fazendo uso da tribuna, inclusive em Alianças Municipais Espíritas (AMEs), algo que nos surpreende positivamente pela autonomia doutrinária de algumas regiões no Estado, já que somos críticos do movimento de Unificação, percebemos que acontece o mesmo processo na política que ocorreu com a obra de Roustaing.

Dirigentes confidenciando-nos suas dificuldades em se comunicar porque se sentem “tolhidos” na “liberdade de expressão”, acusando o “sistema” de ser maquiavélico.

Nosso primeiro impulso, graças à Espiritualidade e à educação que recebemos, é de fraternidade diante desses comentários. O segundo é de um silêncio quase sepulcral, por alguns segundos, porque nem na eleição anterior (2022) discutimos política ou utilizamos a tribuna para falar de política com nenhum espírita (salvo alguns artigos escritos).

Durante o lanche fraterno em que todos se reuniam diante de uma mesa farta com variedades de pães de queijo (em Minas não pode faltar), bolos, tortas, chás, cafés e sucos, o assunto continuava borbulhando, mesmo após refletirmos sobre o capítulo 16 de Mateus, versículo 24, quando Jesus diz aos “discípulos” que se alguém quisesse seguir após Ele, devia “negar-se a si mesmo”, carregasse “sua cruz” e o “seguisse”.

Confessamos que diante dessas situações, como trabalhamos na área da Educação, surge uma ponta de frustração (é o orgulho assanhado querendo roubar a cena), por nossas reflexões não terem sido tão bem aproveitadas a ponto de continuarem no “ágape”.

Como bom mineiro, mais ouvimos do que falamos, afinal, percorremos mais de três cidades falando por horas e naquele momento estávamos curiosos para compreender até onde aquele assunto chegaria, para depois emitirmos a nossa opinião. E não teve jeito. Em dado momento, perguntaram nosso entendimento.

Foi aí que lembramos a figura do Roustaing, enquanto articulávamos algumas palavras introdutórias. Até hoje a obra de Roustaing é mal falada, inclusive por pessoas que não leram e nem a conhecem de fato. É um movimento “ignorante”, no sentido de pertencer a um rol de pessoas que criticam e condenam sem conhecer.

Sim! Se os Espíritas conhecessem realmente sobre política e Doutrina Espírita, jamais se prestariam ao desserviço de usar a tribuna para criticar, emitir opiniões com base em fontes recheadas de desinformação e nem muito menos grupos de WhatsApp, sobre algo que, definitivamente, não conhecem. Assim nasce o “Roustaing e a política”.

Com algum tato e, acreditamos, muita fraternidade, tentamos entender os apontamentos e angústias compartilhadas no grupo, porque, se foram verbalizadas, é sinal de que, de alguma forma, incomodavam os comunicadores.

Tentamos, escolhendo palavras, esboçar nossa preocupação, sem misticismo, diante do cenário que vivemos de desinformação e desconhecimento. Para que a crítica formulada não fosse ostensiva, atribuíam os problemas da atualidade ao “sistema”. (Os quatro evangelhos ou revelação da revelação, por analogia, pode ser entendido como o “sistema”: existem coisas boas e não boas na obra, mas eles insistiam em tratar o sistema de forma pejorativa, mesmo sem conhecer). Até para defendermos ou criticarmos o tal “sistema” é preciso saber objetivamente do que se trata. A que se referem especificamente? Não havia resposta.

A cada palavra emitida sobre a política e o tal sistema, compreendíamos que faltava “compreensão” por parte dos críticos (perdoem-nos a figura de linguagem), porque não sabiam formular nenhum entendimento a respeito do tal sistema. Eram expressões cochichadas, como se fosse um pecado ou existissem “drones espirituais” pairando sobre a casa espírita, aguardando, a qualquer momento, para abduzi-los por “pensarem alto”.

Com essa tratativa começamos a perceber que o tal “sistema” representa apenas tudo aquilo com que eles não concordavam (subjetivo), seja porque as opiniões eram divergentes, ou porque alguém em algum lugar disse que não era assim.

Confesso que não sei os mecanismos utilizados pela Espiritualidade, todavia, naquele momento “eles” já haviam percebido a “saia justa” em que estávamos e antes mesmo de emitirmos nosso entendimento sobre o assunto, sobretudo as virtudes e defeitos do tal “sistema”, tentando apresentar uma discussão mais pautada em funcionamento prático (empírico) do que “achismo”, o grupo foi-se dissipando porque um foi convidado a ir buscar o filho na evangelização, o outro para a Cozinha, a ponto do assunto não ser concluído, para “nossa alegria”.

Aqui, neste espaço, cabe, porém, uma reflexão mais objetiva a respeito do orgulho que se manifesta muito sutilmente por meio de pensamentos soltos, piadinhas, ideias extrovertidas até que o ouvinte comece a compreender que naquela Casa Espírita seus dirigentes são abertamente defensores de A ou B e que isso pode ser entendido como uma “orientação espiritual” ou “doutrinária”. É muito sério o compromisso de comunicação do dirigente espírita com a Sociedade Espírita e leiga.

Essa defesa ostensiva pode inibir as pessoas de buscarem consolo e conforto doutrinário por causa de política, por pensarem diferente e com isso acreditarem que naquela Casa Espírita “todos os Espíritos” comungam do mesmo pensamento e, portanto, não haveria espaço para o contraditório, como ocorreu no passado em relação às obras de Roustaing (ainda que a obra contenha erros doutrinários).

O tempo passa, mas o compromisso com a Doutrina Espírita não pode ser dissoluto, a pretexto de vivermos em uma sociedade obtusa. Somos apenas instrumentos para levar a Doutrina Espírita e o Evangelho aos que sofrem. E é nesse processo de levar a Doutrina Espírita que aprendemos.

Que o compromisso doutrinário seja prioridade acima das opiniões pessoais e políticas na hora de difundir o Espiritismo, para não incorrermos nos mesmos erros do passado!

Muita paz a todos!


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita