Entrevista

por Orson Peter Carrara

Da infância à maturidade no trabalho espírita


 
Isis Miranda Vidal (foto) nasceu em Recife e reside em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha, no estado de Pernambuco. Formada em Fisioterapia, atua profissionalmente na área e, nas lides espíritas, participa do Centro Espírita Amor e Caridade, localizado no bairro de Sucupira, de sua cidade, do qual é a atual presidente. Voluntária da Comissão Estadual de Espiritismo (CEE), uma das federativas estaduais de Pernambuco, nela integra o Conselho Fiscal e a diretoria  de comunicação social. A seguir, a entrevista que gentilmente nos concedeu.


Como conheceu o Espiritismo?

Nasci em família espírita e por isso desde cedo fui apresentada à doutrina, participando da evangelização infantojuvenil, dos evangelhos no lar na minha casa e também acompanhando meus pais nas palestras, reuniões e eventos do movimento espírita.

Como lhe surgiu o interesse pela Fisioterapia?

Meu objetivo principal com a minha profissão era conseguir ajudar as pessoas e, associado a isso, fazer algo de que eu gostasse, me sentisse útil e realizada. Inicialmente optei pela Fisioterapia para auxiliar profissionais de dança na prevenção e recuperação de lesões e mesmo na melhora da performance artística. Porém, esse interesse pela área da Fisioterapia acabou tomando um rumo totalmente diferente. Atualmente não trabalho na área de dança, porém atuo promovendo uma saúde que enxerga além do adoecimento do corpo físico.

Que conexão podemos fazer entre a Fisioterapia e a Doutrina Espírita?

Todos nós somos seres biopsicossociais, isso nos mostra que o significado de saúde vai além da matéria. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. A doutrina espírita nos traz um olhar para além do físico, das queixas e das dores, ampliando a visão e nos fazendo lembrar que cada pessoa é um ser espiritual, numa vivência material, e precisa ser visto como um ser integral, inclusive durante os tratamentos físicos. O próprio conceito de “Cuidar do corpo e do espírito” reforça a necessidade do cuidado holístico do ser. Nos últimos anos vemos com alegria a inserção da disciplina de "Saúde e Espiritualidade" em muitos cursos de graduação da área da saúde, buscando integrar a dimensão espiritual no cuidado em saúde, compreendendo a relação entre fé, crenças e bem-estar, além de explorar como a espiritualidade influencia o processo saúde-doença, promovendo uma abordagem mais humanizada e integral do paciente.

Nos atendimentos, como percebe a influência das emoções no equilíbrio da saúde?

Corpo, mente e espírito, essa tríade do ser humano vem-se tornando cada vez mais ponto de análise dentro das ciências médicas. Muitos estudos mostram a influência das emoções na saúde física, com análises positivas e negativas sobre hábitos e acontecimentos que influem sobre nossa saúde mental. O físico reflete o que o espírito vivencia e processa através da mente, gerando muitas vezes adoecimentos psicossomáticos desencadeando o surgimento, manutenção ou piora de sintomas físicos. Mas, quando em equilíbrio, eles trabalham juntos também para a melhora, ou ao menos para a boa convivência com as dores que a matéria apresenta. Todos nós, enquanto seres integrais, trazemos as nossas cargas mentais e espirituais refletidas no nosso físico, mas que podem ter origem ou conexões diretas e indiretas com todos os âmbitos que constituem nossa completude. Por isso a necessidade do olhar amplo, inclusive na relação com a saúde espiritual.

Nesse quesito das harmonias da alma, como percebe a conexão entre saúde e Espiritismo?

A harmonia entre o corpo, a mente e o espírito constitui um grande desafio para a humanidade, sendo a conquista da saúde integral uma das metas de vida ambicionada pela criatura humana. A falta da doença não significa necessariamente ter saúde, nos elucida a OMS (Organização Mundial de Saúde). Isso nos mostra que para estarmos saudáveis precisamos de mais do que comer bem e fazer exercícios físicos. Na pergunta 718 de O Livro dos Espíritos compreendemos que “sem força e saúde, impossível é o trabalho”, por isso mesmo a lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do corpo. Emmanuel, no livro O Consolador nos traz o conceito da saúde calcada na “perfeita harmonia da alma”. Joanna de Ângelis no livro Atitudes renovadas nos coloca que “O ser humano está fadado à plenitude e o seu processo de iluminação é inevitável, cabendo-lhe o dever de estruturar-se nos princípios ético-morais que proporcionam harmonia interior e bem-estar emocional”. O Espiritismo nos mostra que cada um de nós é composto por corpo, períspirito e espírito e eles se influenciam entre si. Pensamentos, sentimentos e atitudes podem gerar saúde ou adoecimento baseado no que nos alimentamos num sentido amplo: o que comemos, bebemos, assistimos, ouvimos, falamos, nossas ações e mesmo nossos ideais de vida. Compreender e aplicar esses conceitos nos oportuniza alcançar a harmonia da alma de forma mais leve e consciente.

No processo todo de educação da alma, inclusive com os devidos benefícios para a saúde, qual sua percepção sobre o Evangelho de Jesus?

Jesus nos convida para viver a matéria sem esquecer o reino dos céus, ou seja, cuidar do corpo e do espírito. Ter a consciência de que somos espíritos vivenciando uma experiência material faz com que todo o âmbito de vivência que nós temos enquanto individualidade e coletividade se ampliem. Cristo, o eterno educador das almas, nos faz refletir não somente sobre o que nos alimentamos fisicamente, mas principalmente, sobre o que alimenta a nossa alma. Sua mensagem nos consola, sua palavra nos guia e seus exemplos e reflexões ainda reverberam sobre nós, nos fortalecendo para sermos luz e seu reflexo. O Espiritismo, enquanto cristianismo redivivo, vem tirar o véu de sobre o além túmulo, esclarecendo sobre o passado refletido no agora, orientando para  a vivência do presente de forma consciente e nos oferecendo consolação e fé para o futuro que nos espera enquanto espíritos imortais.

Com os desafios da atualidade para os pais, e em especial para os jovens, em face das intensas mudanças sociais, como enxerga esse panorama?

Allan Kardec nos diz que “A educação, se bem compreendida, é a chave do progresso moral”. Estamos vivendo um momento de transição e não podemos esquecer que, apesar do conhecimento oferecido pela espiritualidade amiga, não poderemos fugir das etapas necessárias para que ocorra essa transformação espiritual e planetária. Como nos dizem os espíritos, nem sempre a evolução moral segue o progresso intelectual; isso quer dizer que, apesar de tecnologicamente desenvolvidos, muitos problemas e mudanças sociais que vivemos ainda hoje refletem a nossa condição de imperfeição moral. Os desafios familiares são evidentes e os apelos sociais para os desvios de conduta, violência, drogas e mesmo o atentado contra a própria vida exige de todos nós enquanto sociedade cada vez mais a prática da conexão, orientação e suporte às nossas crianças e jovens. Vivemos numa sociedade conectada virtualmente, mas cada vez mais desconectadas entre as pessoas, onde a convivência familiar e as trocas foram substituídas por mensagens através do celular e relações superficiais. Com base no objetivo essencial de nos tornarmos homens e mulheres de bem, cabe aos pais, em primeira instância, evitando a recrudescência do egoísmo pelo afrouxamento dos laços de família, e com o apoio também da casa espírita, serem pontos de conexão para os mais jovens no âmbito social, educacional e espiritual. Joanna de Ângelis, em seu livro Constelação familiar, nos mostra a orientação religiosa como elemento fundamental e inadiável da educação.

Qual aspecto doutrinário espírita lhe chama mais atenção?

O tríplice aspecto da doutrina espírita. Ciência, filosofia e religião se tornam incompletas quando separadas. Cada um desses aspectos se apresenta muito fortemente em vários contextos da minha vida, tendo sua importância e não necessariamente uma predileção. Sendo o aspecto ético e moral através do Evangelho do Cristo muito necessário nas vivências diárias. As reflexões sobre a vida, uma base para compreensão de quem somos, de onde viemos, para onde vamos e porque estamos aqui. E claro, a interconexão entre o plano físico e espiritual, possibilitando trocas e a certeza da continuidade da existência, além da matéria.

Nesse seu tempo de vivência espírita, algo marcante a relatar?

As primeiras vezes são sempre marcantes para nós. Relembro com alegria as oportunidades de realizar pela primeira vez atividades na casa espírita. O primeiro convite para palestrar, que foi um momento em que agradeci por ter uma mesa forte a minha frente para me sustentar devido ao nervosismo, mas também o suporte e paciência de todos. Também recordo uma das primeiras experiências junto ao grupo mediúnico e a emoção de ver tantos espíritos sendo ajudados. Outra alegria foi ver alguns jovens que iniciaram no grupo de juventude espírita se tornarem gestores das instituições e darem continuidade ao movimento.

Algo mais a acrescentar?

Em tempos de transição gostaria enfatizar algo que creio ser de extrema importância: a necessidade do conhecimento ético, moral e espiritual desde a infância. Infelizmente nem todas as pessoas tiveram a oportunidade de nascer em família espírita, mas, falando isso de forma particular, conhecer a doutrina espírita desde a infância nos faz ter uma visão diferente sobre a vida, as dificuldades e na construção da nossa moral através do livre-arbítrio e a consciência de que não seremos punidos, porém seremos responsáveis pelas nossas atitudes sejam elas ativas ou passivas. Outro ponto que julgo realmente importante é: dar espaço ao jovem na casa Espírita. O jovem não precisa ser o FUTURO, ele precisa ser o PRESENTE. E as casas espíritas, em sua maioria, com componentes em idade avançada, perdem grandiosas oportunidades de dar espaço a espíritos que muitas vezes vem com bagagens muito maiores do que as nossas e podem contribuir de forma grandiosa e assertiva, não apenas para o movimento Espírita e sim para o cristianismo de uma forma geral. Gostaria também de aproveitar para agradecer todas as pessoas que confiaram na jovem que fui e me oportunizaram esse aprofundamento na doutrina espírita, em especial os meus pais.

Suas palavras finais.

Com gratidão pela oportunidade, encerro esta troca com a atual e necessária reflexão: “Espíritas! Amai-vos e Instruí-vos”. Exercitemos o amor e as virtudes trazidas pelo Mestre Jesus. Divulguemos a mensagem consoladora e orientadora do Cristo e do Espiritismo, o consolador prometido. E mais, conheçamos a doutrina, suas obras essenciais e complementares. Colaboremos com toda a nossa alma para que um dia, assim como Paulo, possamos dizer “Já não sou eu quem vive, mas o Cristo que vive em mim”. Sigamos em frente com fé e esperança.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita