Solidão
Joanna de Ângelis
Espectro cruel que se origina nas paisagens
do medo, a solidão é, na atualidade, um dos
mais graves problemas que desafiam a cultura
e o homem.
A necessidade de relacionamento humano, como
mecanismo de afirmação pessoal, tem gerado
vários distúrbios de comportamento, nas
pessoas tímidas, nos indivíduos sensíveis e
em todos quantos enfrentam problemas para um
intercâmbio de ideias, uma abertura
emocional, uma convivência saudável.
Enxameiam, por isso mesmo, na sociedade, os
solitários por livre opção e aqueloutros que
se consideram marginalizados ou são deixados
à distância pelas conveniências dos grupos.
A sociedade competitiva dispõe de pouco
tempo para a cordialidade desinteressada,
para deter-se em labores a benefício de
outrem.
O atropelamento pela oportunidade do triunfo
impede que o indivíduo, como unidade
essencial do grupo, receba consideração e
respeito ou conceda ao próximo este apoio
que gostaria de fruir.
A mídia exalta os triunfadores de agora,
fazendo o panegírico dos grupos vitoriosos e
esquecendo com facilidade os heróis de
ontem, ao mesmo tempo que sepulta os valores
do idealismo, sob a retumbante cobertura da
insensatez e do oportunismo.
O homem, no entanto, sem ideal, mumifica-se.
O ideal é-lhe de vital importância, como o
ar que respira.
O sucesso social não exige, necessariamente,
os valores intelecto-morais, nem o vitalismo
das ideias superiores, antes cobra os louros
das circunstâncias favoráveis e se apoia na
bem urdida promoção de mercado, para vender
imagens e ilusões breves, continuamente
substituídas, graças à rapidez com que
devora as suas estrelas.
Quem, portanto, não se vê projetado no
caleidoscópio mágico do mundo fantástico,
considera-se fracassado e recua para a
solidão, em atitude de fuga de uma realidade
mentirosa, trabalhada em estúdios
artificiais.
Parece muito importante, no comportamento
social, receber e ser recebido, como forma
de triunfo, e o medo de não ser lembrado nas
rodas bem sucedidas, leva o homem a estados
de amarga solidão, de desprezo por si mesmo.
O homem faz questão de ser visto, de estar
cercado de bulha, de sorrisos embora sem
profundidade afetiva, sem o calor sincero
das amizades, nessas áreas, sempre
superficiais e interesseiras. O medo de ser
deixado em plano secundário, de não ter para
onde ir, com quem conversar, significaria
ser desconsiderado, atirado à solidão.
Há uma terrível preocupação para ser visto,
fotografado, comentando, vendendo saúde,
felicidade, mesmo que fictícia.
A conquista desse triunfo e a falta dele
produzem solidão.
O irreal, que esconde o caráter legítimo e
as lídimas aspirações do ser, conduz à
psiconeurose de autodestruição.
A ausência do aplauso amargura, face ao
conceito falso em torno do que se considera,
habitualmente como triunfo.
Há terrível ânsia para ser-se amado, não
para conquistar o amor e amar, porém para
ser objeto de prazer, mascarado de
afetividade. Dessa forma, no entanto, a
pessoa se desama, não se torna amável nem
amada realmente.
Campeia, assim, o “medo da solidão”, numa
demonstração caótica de instabilidade
emocional do homem, que parece haver perdido
o rumo, o equilíbrio.
O silêncio, o isolamento espontâneo são
muito saudáveis para o indivíduo, podendo
permitir-lhe reflexão, estudo,
autoaprimoramento, revisão de conceitos
perante a vida e a paz interior.
O sucesso, decantado como forma de
felicidade, é, talvez, um dos maiores
responsáveis pela solidão profunda.
Os campeões de bilheteria nos shows, nas
rádios, televisões e cinemas, os astros
invejados, os reis dos esportes, dos
negócios cercam-se de fanáticos e
apaixonados, sem que se vejam livres da
solidão.
Suicídios espetaculares, quedas escabrosas
nos porões dos vícios e dos tóxicos
comprovam quanto eles são tristes e
solitários. Eles sabem que o amor, com que
os cercam, traz, apenas, apelos de promoção
pessoal dos mesmos que os envolvem, e
receiam os novos competidores que lhes
ameaçam os tronos, impondo-lhes terríveis
ansiedades e inseguranças, que procuram
esconder no álcool, nos estimulantes e nos
derivativos que os mantêm sorridentes,
quando gostariam de chorar, quão inatingidos,
quanto se sentem fracos e humanos.
A neurose da solidão é doença contemporânea,
que ameaça o homem distraído pela conquista
dos valores de pequena monta, porque
transitórios.
Resolvendo-se por afeiçoar-se aos ideais de
engrandecimento humano, por contribuir com a
hora vazia em favor dos enfermos e idosos,
das crianças em abandono e dos animais, sua
vida adquiriria cor e utilidade,
enriquecendo-se de um companheirismo digno,
em cujo interesse alargar-se-ia a esfera dos
objetivos que motivam as experiências
vivenciais e inoculam coragem para
enfrentar-se, aceitando os desafios
naturais.
O homem solitário, todo aquele que se diz
em solidão, exceto nos casos patológicos, é
alguém que se receia encontrar, que evita
descobrir-se, conhecer-se, assim ocultando a
sua identidade na aparência de infeliz, de
incompreendido e abandonado.
A velha conceituação de que todo aquele que
tem amigos não passa necessidades, constitui
uma forma desonesta de estimar, ocultando o
utilitarismo sub-reptício, quando o prazer
da afeição em si mesma deve ser a meta a
alcançar-se no inter-relacionamento humano,
com vista à satisfação de amar.
O medo da solidão, portanto, deve ceder
lugar, à confiança nos próprios valores,
mesmo que de pequenos conteúdos, porém
significativos para quem os possui.
Jesus, o Psicoterapeuta Excelente, ao
sugerir o “amor ao próximo como a si mesmo”
após o “amor a Deus” como a mais importante
conquista do homem, conclama-o a amar-se, a
valorizar-se, a conhecer-se de modo a
plenificar-se com o que é e tem,
multiplicando esses recursos em implementos
de vida eterna, em saudável companheirismo,
sem a preocupação de receber resposta
equivalente.
O homem solidário jamais se encontra
solitário. O egoísta, em contrapartida,
nunca está solícito, por isto, sempre
atormentado.
Possivelmente, o homem que caminha a sós se
encontre mais sem solidão, do que outros
que, no tumulto, inseguros, estão cercados,
mimados, padecendo disputas, todavia sem paz
nem fé interior.
A fé no futuro, a luta por conseguir a paz
íntima — eis os recursos mais valiosos para
vencer-se a solidão, saindo do arcabouço
egoísta e ambicioso para a realização
edificante onde quer que se esteja.
Página constante do cap. 5 do livro O
Homem Integral, obra psicografada pelo
médium Divaldo P. Franco.