EUGÊNIA PICKINA
eugeniamva@yahoo.com.br
Londrina, Paraná
(Brasil)
Carta a Stella
(*)
Aristóteles
afirma: “ninguém
escolheria viver
sem amigos”.
Quão espantosa é
esta frase, pois
ela conduz a uma
ideia sobre um
dos mecanismos
que sustentam a
arte do bem
viver.
Em Luto e
melancolia,
Freud defende
que o
melancólico (no
sentido
psicótico do
termo) é aquele
que perdeu a “capacidade
de amar”,
isto é, de
regozijar-se,
sim porque “amar
é regozijar-se”,
sugeria
Aristóteles.
Assim, como
alguém que não
cativa ninguém
poderia ser
feliz? Não daria
para suportar a
vida... Sim,
porque a vida é
constituída de
prazer,
sofrimento,
tristeza,
alegria. A vida,
então, solicita
a presença dos
amigos, que
explicam, por si
mesmos, a
dignidade
amorosa que
reside no ser
e não no ter.
Se nos momentos
infelizes
mantemos a
qualidade de
amar e, portanto
alguém amamos,
sem saber nos
conciliamos a
uma atitude que
entende não ser
a vida vazia.
Deixamos de ser
enfermos, pois
sentimos, em
razão desse
sentimento-philia,
o gosto pela
vida, pois quase
sempre o amor é
mais forte –
mais forte que
as angústias,
mais forte que
as certezas, que
tantas vezes nos
fazem rígidos ou
indiferentes.
Penso no que
dizia o Dalai
Lama: “amar
os outros é uma
maneira especial
de amar a si
mesmo”. E
Crema conclui: “o
amor pelo outro
e o amor por si
mesmo não estão
separados. É
como uma flor.
Ela pode ser um
botão e também
pode se abrir”.
Guio-me, aqui,
sobre amizade e
amor... Afinal,
eles se
entrelaçam...
Segue-se que o
amigo é passagem
para o
aprendizado
tanto da
alteridade como
do si-mesmo, mas
em benefício
mútuo da
expansão do
interior e do
exterior para
ampliar a casa
da
individualidade
e da vida comum,
o interno e o
externo baseados
nos valores e
nos ideais mais
positivos.
Cogitamos muitas
vezes por que
haverá
ansiedades ou
angústias se a
amizade é ponto
de partida para
o desapego e a
liberdade? Sim,
pois a liberdade
implica
abertura,
disponibilidade
para evoluir e,
no caminho,
prestar atenção
aos encontros...
A lição de
Orestes: “Apaixonei-me
voltado para
fora”.
Livrar-se do
incesto. Sim,
porque o incesto
é, no nível
psicológico, “o
sintoma sexual
de dependência
mórbida dos pais
e ocorrem
predominantemente
em pessoas que
não evoluíram,
não cortaram o
cordão umbilical
que as ligava ao
pai ou à mãe”,
explica Rollo
May.
Certamente, a
evolução humana
está afastada do
incesto e
voltada para a
disposição de
amar seu
semelhante,
vizinho ou
estranho.
Abrir-se à
amizade, ao
cultivo dos
amigos, para que
o processo de
diferenciação se
instale e a
saúde floresça.
Neste rastro,
devemos caminhar
para longe do “incesto
e em direção à
capacidade de
amar voltado
para fora”,
no alerta de May.
Não sei, mas
estremeço...
O que se
perpetua na
memória deve ser
a ternura de par
com a coragem:
pode-se ser doce
e corajoso ao
mesmo tempo e
esta doçura e
coragem são
aprendidas longe
das máscaras da
dependência,
pois só ganham
cadência nos
espaços da
amizade e do
amor.
Passar pelo
sentimento
fraterno para
que,
simplesmente, o
aprendizado do
amor seja seguro
e, desse modo,
não possuídos
pelas couraças,
estejamos
convencidos,
pelo amor (e
não pela
retórica), que é
fácil amar, pois
imunes às
normoses de uma
época na qual
tanto se fala no
afeto e se ama
(e vive) tão
pouco.
(*)
Stella, aqui,
tanto é amiga,
como é termo
latino que
significa
“estrela”. (Nota
da Autora)