Introdução
O desenvolvimento do
Espiritismo no Brasil e nos
países da América Latina,
especialmente onde houve a
prática de escravidão de
povos africanos, se acha
marcado pela confusão que a
população em geral faz entre
a atividade espírita e a
prática de bruxarias,
macumba e outros rituais e
cultos a forças da natureza
e aos mortos. Esta situação
sempre exigiu dos espíritas
e dos praticantes destes
cultos um certo esforço para
esclarecer o público e seus
confrades, e nem sempre foi
suficiente para evitar os
sincretismos e as
importações de práticas para
seus próprios contextos.
Na primeira metade do século
XX, Aurélio A. Valente
escreveu dois capítulos no
seu excelente “Sessões
Práticas e Doutrinárias do
Espiritismo” (veja capa
ao lado), criticando as
práticas trazidas ao
movimento não apenas dos
cultos afro-católicos, mas
também do catolicismo
popular. O notável Deolindo
Amorim dedicou um livro
inteiro à análise das
semelhanças e diferenças
entre o Espiritismo e as
doutrinas espiritualistas.
Herculano Pires redigiu um
capítulo no seu
“Mediunidade: conceituação
da mediunidade e análise
geral dos
seus
problemas
atuais”, no
|
|
qual
distingue o
mediunismo
da
mediunidade.
Vianna de
Carvalho
retornou do
“túmulo”
através da
mediunidade
vibrante de
Divaldo
Franco e,
entre outras
pérolas,
psicografou
o texto
“Esquisitices
e
Espiritismo”,
em que
critica
algumas
cenas de
prática
mediúnica
sem o
conhecimento
das
diferenças
entre
Espiritismo
e
Espiritualismo.
|
O que se pretende com este
trabalho é prosseguir o
serviço de informação, sem a
intenção de defender uma
pureza doutrinária, termo
que em nossa opinião
cheira a ortodoxia, mas
visando a convidar os
espíritas a manterem acesa a
chama da reflexão e da
coerência.
Conceituação geral
Espiritismo: doutrina de
caráter científico,
filosófico e religioso,
codificada por Allan Kardec
na França a partir de 1857,
com a publicação de “O Livro
dos Espíritos”.
Candomblé: nome genérico das
diversas correntes do culto
dos Orixás (1),
constituído de rituais
vindos da África como
herança cultural dos antigos
escravos. Os pesquisadores
afirmam que a primeira
instituição de Candomblé no
Brasil surgiu em 1830,
embora já existissem
reuniões secretas 200 anos
antes dessa data.
Umbanda: culto brasileiro
dos Orixás, derivado dos
Candomblés da Bahia, mas
fortemente marcado por
cultos dos índios
brasileiros, do catolicismo
popular e pelo Espiritismo.
É um sincretismo de crenças
e práticas que ganhou uma
identidade própria com o
passar do tempo. Surgiu no
início do século XX no Rio
de Janeiro. Macumba: não é
um culto ou religião, mas um
rito de protesto que
consiste no sacrifício de
animais pelo Exu (2).
É uma expressão de revolta
social. De uma forma geral
os sacerdotes dos culto
afro-brasileiros concordam
que não há nada de divino
nesse rito.
Etimologicamente, macumba é
o nome de um instrumento
musical usado pelos
africanos.
Pequeno quadro comparativo
entre Espiritismo, Candomblé
e Umbanda
Selecionamos alguns pontos
importantes que nos permitem
comparar os princípios e as
práticas que constituem
estas três religiões. Por
não possuírem uma doutrina
codificada e basearem-se
principalmente na tradição
oral, existem divergências
quanto à forma de exercer a
prática entre os cultos
afro-brasileiros, o que nos
obrigou a falar deles de uma
forma geral. Para alguns
itens, não encontramos
subsídios suficientes em
nossa bibliografia, o que
nos obrigou a utilizar o
símbolo de interrogação (?)
para indicá-los. Temos por
objetivo dar uma visão
geral, nos moldes do
trabalho de Deolindo Amorim,
e não fazer um estudo
detalhado, como mostra o
quadro abaixo:
Características
próprias
|
Espiritismo |
Candomblé |
Umbanda |
Crença em Deus
(Criador)
Culto material a
Deus
Prática de rituais
Espiritualismo
Comunicação com os
mortos
Culto aos Orixás
Prática sacerdotal
Uso de imagens e
objetos sagrados
Religião cristã
Uso de velas
Uso de roupas
brancas na prática
mediúnica
Sacrifício de
animais
Uso de incenso
Símbolos e sinais
cabalísticos
Corpo de doutrina
homogêneo e
codificado
Crença na
reencarnação
Filantropia
Terminologia
africana
Hierarquia
sacerdotal
Banhos de
“descarrego”
Uso de amuletos
Passes
Conhecimentos
secretos
Uso de atabaques,
adjás e agogôs
Dança na prática
mediúnica
Uso de cachimbo e
cigarro na prática
mediúnica
Categoriza os
Espíritos em índios,
pretos-velhos,
caboclos, crianças,
etc.
Jogo de búzios
Feitiços (p.e.:
“trabalhos”)
Feitiço para
prejudicar pessoas
Pluralidade dos
mundos habitados |
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Não
Sim |
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim (3)
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
?
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
? |
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não (4)
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Alguns grupos
Alguns grupos
Sim
Sim
Não
Sim
Não
? |
Notas:
(1)
Orixás: divindades agentes
de Olorum, o deus supremo
criador do Universo. Uma
outra corrente dos cultos
acredita que os Orixás
seriam homens e mulheres que
depois da morte foram
elevados à condição de seres
destacados no “astral” e
identificados com um
elemento da natureza (rio,
mar, etc.) transformando-se
nele. Há uma certa
concordância em torno do seu
número.
(2)
Exu: considerado o “mais
humano dos Orixás” por
Verger e por diversos grupos
de Candomblé e Umbanda.
Considerado apenas um
intermediário entre os
homens e os Orixás por
outros. Exu foi associado ao
demônio medieval pela sua
falta de padrões morais, por
agir segundos interesses
pessoais e mundanos
(dinheiro, política e
negócios) e por estar ligado
à sexualidade. Esta entidade
também foi sincretizada com
São Pedro no sul do país
pelo seu caráter de
“controlador de almas” no
terreiro e “protetor” do
mesmo. É também o mensageiro
dos orixás junto ao
babalorixá (sacerdote do
Candomblé) na leitura de
búzios, traduzindo-lhes as
vontades.
(3)
Embora aceite e às vezes
pratique o mediunismo, o
Candomblé valoriza mais o
contato com os Orixás, que
ele não considera como
espíritos desencarnados, mas
espíritos encantados,
divindades. Há um tipo de
Candomblé no Brasil que se
importa com o culto aos
Eguns (espíritos
desencarnados).
(4)
Apesar de possuir base no
catolicismo popular, e de
alguns grupos fazerem
leituras de O Evangelho
segundo o Espiritismo, a
imagem de Jesus é uma
sobreposição à de Oxalá e o
Novo Testamento não é a base
ética deste culto.
Bibliografia:
AMORIM,
Deolindo. O Espiritismo e as
doutrinas espiritualistas.
Curitiba: Federação Espírita
do Paraná, 1957.
CARVALHO,
Marco Antônio. Cultura
Negra. Rio de Janeiro:
Editora Três.
BARRETI
FILHO, Aulo. O culto dos
eguns no Candomblé, Revista
Planeta, Rio de Janeiro, nº
162, p. 43-49, mar. 1986.
EQUIPE
PLANETA. Os orixás de Rita
de Lucena, Revista Planeta,
Rio de Janeiro, nº 205, p.
27-31, out. 1989. ______ Os
orixás, Planeta Especial,
Rio de Janeiro, nº 191-
FERNANDES,
Carlos Augusto L. Dicionário
de cultos afro-brasileiros.
Rio de Janeiro: Editora
Três, 1985.
FREITAS,
Adilvar M. B. Umbanda: curso
introdutório. Rio de
Janeiro: Editora Três, 1985.
GARROUX,
Saulo e RIVIERI, Dagmar.
Entrevista: Zezinho de
Ossãe, Revista Planeta, Rio
de Janeiro, nº 152, p.
11-15, Mai. 1985. ______ Os
orixás em perfil, Revista
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154, p. 42-48, Jul. 1985.
MIRANDA,
Manoel Philomeno de. Loucura
e Obsessão. Brasília: FEB,
1986, psicografado por
Divaldo Pereira Franco.