Memórias
de um suicida
Calma! É apenas o título
do pensamento que será
desenvolvido. Nada de
pânico, a coisa está
feia, mas nada que
justifique esse ato
louco e insano.
Minha esposa tem me dito
que ando muito crítico.
Na verdade, ela diz que
ando muito chato, às
raias da esclerose, que
reclamo de tudo e de
todos e que venho me
tornando de difícil
convívio, muito
exigente, sem
tolerância, que não
relaxo nunca, muito
repetitivo. E não me
relaciono mais com as
pessoas, sendo muito
anti-social.
Lembro que muito tempo
atrás me chamava de
urtigão, eremita,
fechado, metido e outros
adjetivos dessa
natureza.
O que quero dizer é que
concordo, pois era assim
mesmo. Hoje acredito na
evolução das espécies,
me vendo como exemplo
disso, e olha que, se
reclama de mim hoje,
imaginem antes.
É verdade. Tenho olhado
tudo com muito cinza.
Não consigo mais ver as
coisas coloridas e
vibrantes. Tudo muito
preto e branco e cinza,
um horror.
Considero-me um
otimista, mas tenho me
tornado um otimista
azedo e cruel.
Não há açúcar que baste
para adoçar as
situações.
Isso já está
preocupante.
Há um tempo caí na
besteira de fazer um
desenho desafiando uma
amiga que é psicóloga e
disse que poderia me
analisar apenas por um
desenho e pela
assinatura.
Desdenhei e desafiei.
Quebrei a cara. Não é
que meteu um monte de
dedos nas feridas?
Caramba, fiquei
impactado!
Fiquei olhando para o
desenho, de cabeça para
baixo, no verso, de
longe, de perto e nada
me disse, foi incrível!
Ela queria me tratar,
mas não tive coragem,
disse-lhe que a graça
dos loucos é a sua
loucura, se tratar fica
tudo certinho demais.
Suicídio!
Calma! Não está chegando
a hora não!
Explicando o título:
Memória de um suicida,
quero dizer sobre o que
fazemos com nós mesmos a
toda hora, dia a dia.
O que não fazemos por
nós mesmos todos os
dias.
Quantas vezes pedimos
socorro e não ouvimos,
quantos nos dão toques e
não sentimos e não
queremos sentir, vamos
nos matando um pouquinho
de cada vez.
Não cantamos mais. Não
brincamos mais. Não
vibramos mais.
O sexo é feito mecânico
e se torna enfadonho e
chato. Já imaginaram?
Sexo chato, é pedir pra
morrer!
Lembrei da música dos
Titãs: EPITÁFIO!
Você se mata e não
percebe e vai ficando
velho no agir e no
pensar e piorando até
não poder mais, nem você
agüenta você mesmo e aí
é suicídio na certa e
não precisa ter mais de
60 para isso ocorrer.
Por isso que vemos um
monte de idosos malas e
rabugentos, que não se
cuidam e esperam a morte
para acabar com a graça
da vida e também não
precisam ter mais de 60
para isso acontecer.
Sua e dos outros!
Eu, hem! Tô fora! Xô de
mim!
Que suicídio que nada!
Tá difícil, isso já
sabemos, mas é no
difícil que é bom, é
gostoso.
Cadê aquele desafio do
difícil? Do negócio
desafiador? Daquela
garota ou aquele garoto
que não dava bola pra
gente e era o sonho de
consumo? Das disputas
pessoais? Das pequenas
conquistas? Das provas
escolares? Da vaga na
faculdade, no emprego,
na mesa e no altar?
O que deve fazer?
Se já morreu, babau, só
na próxima!
Mas se acredita que
ainda tem um suspiro, vá
à luta e procure algo
que o motive. Comece com
pequenas coisas,
desafios menores e vá
crescendo para os mais
difíceis.
Se já está enrugado, sai
da água morna e
agite-se!
Malhação moral é do que
precisa! Trabalho
voluntário é ânimo para
você e para os outros!
Grite diante do espelho
tudo que precisa ouvir,
tanto faz de bom ou de
ruim!
Ponha pra fora sem medo
de não estar em forma.
Que importa se tá caído,
levanta e segue!
RESSUSCITE-SE! Boa essa,
não? Um cara há muito
tempo fez e deu certo,
tá valendo até hoje!
Tá na hora da virada,
diga pra você mesmo:
Ajude-me a encontrar o
colorido nesse mundo
cinza que estou
criando.
Um amigo meu é
competidor de triatlon (
corrida, natação e
bicicleta), anda mais a
pé do que eu de carro,
só um detalhe: ele é
bi-amputado! Isso mesmo,
sofreu acidente e perdeu
as duas pernas abaixo do
joelho. Claro! Ficou
arrasado, desanimou pra
vida e tudo. Mas, veio
um outro amputado e
disse que ele podia
correr. Louco, além de
não ter uma perna, era
louco! Que nada, apenas
acreditava um pouco mais
que o meu amigo. Hoje,
esse meu amigo é
convidado todos os anos,
com tudo pago para a
maratona de Nova
Iorque.
Que suicídio que nada!
Que cinza que nada! Que
reclamar da vida que
nada!
Tô fora! Isso é coisa
pra quem já morreu e não
sabe!