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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 67 - 3 de Agosto de 2008

LEDA MARIA FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

Salva-te a ti mesmo

“Eis agora o tempo sobremodo oportuno, eis agora o dia da salvação.(1)

Se formos buscar no dicionário o significado real da palavra salvar, não iremos encontrar, certamente, o termo tornar-se divino ou santo que, de alguma maneira, pudesse nos transformar em pessoas sublimes ou que nos fornecesse, no dizer de Emmanuel, “um passaporte para a intimidade com Deus”. Entretanto, com isso em mente, muitos buscam os templos de fé preocupados com a prática dos ritos exteriores, com presença assídua, imaginando que apenas isso lhes dará a condição de se salvarem. Sua intimidade com Deus está quase sempre no número de vezes em que praticam as obrigações rituais.

O que pensarmos, então, de um homem que nos atos públicos religiosos mantém-se contrito, passando aparência de retidão e no santuário doméstico permanece mergulhado em palavra de baixo calão? Ou ainda daquele outro que se declara temente a Deus diante de multidões, preocupado em exteriorizar sua fé, mas que a preguiça toma conta no trabalho? E temos, ainda, outros companheiros que dizem confiar na Misericórdia e Justiça Divinas, mas que diante da dor mostram-se desesperados. São fiéis no que lhes facilitam a vida e blasfemam quando não conseguem o que desejam. No conceito dessas criaturas, certamente, estarão a salvo ao deixarem o corpo físico, porque cumpriram com todas as obrigações do seu credo religioso.

Como cada um de nós encontra-se em momentos diferentes de evolução e entendimento das coisas divinas, é natural que muitos de nós ainda assim ajam. Por essa razão, o Evangelho nos lembra, continuamente, a preocupação de Jesus em conscientizar as pessoas para a necessidade de cuidarem menos dos rituais exteriores e mais das coisas do coração. Era da tradição naquela época – e toda tradição estava contida na lei – lavar as mãos antes de se comer o pão. Em determinada ocasião, Jesus foi censurado por não fazer tal gesto e a explicação que ele deu a seus opositores, escandalizando-os, foi a de que “o que entra pela boca, desce ao ventre e se lança em lugares escusos; mas as coisas que saem pela boca vêem do coração e são essas coisas que tornam o homem imundo. É do coração que saem os maus pensamentos, a blasfêmia, a mentira, o adultério”.

Entretanto, do pouco que já conhecemos dos ensinamentos evangélicos, parece-nos que Jesus continua querendo um pouco mais de cada um de nós, e não somente as obrigações ritualísticas. Vamos entender isso: voltemos, então, ao nosso dicionário e lá vamos encontrar o sinônimo de salvar como sendo livrar de ruína ou de perigo, conservar ou ainda abrigar. Nenhum desses significados exime o homem da responsabilidade de melhorar-se. E quando Cristo nos fala em salvação, Ele nos conclama a renovação e ao aprimoramento individual em qualquer circunstância, e isso, certamente, inclui o lar, o local de trabalho, a via pública, pois é no contato com os semelhantes que temos as maiores e melhores oportunidades de crescimento.

Pretender que bastariam as atividades do culto exterior para salvar-se, acreditando que é essa a concepção evangélica de salvação, é imaginar que quando um doente é salvo da morte , ele não necessita mais continuar nas tarefas da sua existência, ou seja, lutando para vencer obstáculos e tentações; ou então, esperar que um navio, salvo de perigo iminente, não precisasse mais continuar sua viagem até seu destino, conforme nos esclarece Emmanuel. Temos aí a idéia errônea de que salvar-se será livrar-se de todos os riscos, na conquista de uma suprema tranqüilidade. E quantos de nós já tivemos essa idéia, não é verdade? Lembra-nos, Emmanuel, mais uma vez, que colocar alguém a salvo não é “situá-lo na redoma da preguiça, distante do suor da marcha evolutiva”, e o Evangelho não deixa dúvidas a respeito do erro nessa concepção, sendo muitos os exemplos que nos dá.

Após a morte de Jesus, o receio tomou conta de muitos dos apóstolos. Tinham consciência das suas tarefas, mas os homens eram hostis e as circunstâncias em que deveriam trabalhar bastante desanimadoras. Muitos deles, salvos de seus medos e inseguranças, prosseguiram seu trabalho, apesar de todas as dificuldades, levando os ensinos de Jesus onde fosse possível. O próprio Pedro, a quem Jesus chamou de pedra de sustentação na propagação do Cristianismo, salvo de sua indecisão, trabalhou até idade avançada. Muitos daqueles que foram chegando para o serviço da Igreja que nascia, conheceram aflição, martírio, lapidação e morte. Paulo, o grande apóstolo de Jesus, que salvo da crueldade com que perseguia os novos cristãos, foi impelido a trabalhar na própria renovação, levando, com enormes sacrifícios pessoais, os ensinamentos do Mestre aos mais longínquos lugares, implantando o Cristianismo no seio de povos pagãos.

Assim, conforme o ensinamento de Jesus, salvar é, sobretudo, regenerar, instruir, educar e aperfeiçoar para a Vida Eterna. Quando o Evangelho afirma que Ele veio salvar os pecadores, é imprescindível que entendamos que Ele não veio e não virá, como acreditam muitos, arrebatar os filhos de Deus da lama da Terra para que imediatamente brilhem entre os anjos do Céu. É necessário que compreendamos que, desde a época do Cristo - pelas suas palavras e, sobretudo, pelos seus exemplos – o homem vem acordando para a verdadeira fraternidade e redenção e, com isso, modificando a moral do planeta. A salvação do homem não está na sua subida aos Céus por favoritismo religioso, mas, sim, no seu trabalho incessante no Bem, para que se elimine o mal do mundo. Jesus nos salvou, sim, porque nos ensinou como nos erguer das trevas para a luz.

E é essa luz que estamos buscando. Já podemos dizer que fomos tocados pelas verdades evangélicas e que, certamente, a salvação já terá chegado até nós. Isto não significa, entretanto, que podemos dizer que estamos investidos de títulos angelicais, quando ainda somos criaturas humanas com necessidade de aprender, evoluir, acertar as nossas escolhas e, sobretudo, de nos modificar. A salvação da qual falamos é em seu sentido real, ou seja, aquela que vem do Alto para que, nos conscientizando das nossas obrigações, nos coloquemos diante da Lei do Progresso com disposição para abraçá-la e cumpri-la.

“O tempo que perdemos nos lamentando sobre o tempo perdido, faz com que percamos mais tempo ainda.” (2) Paulo de Tarso, o Apóstolo, diz-nos: “eis agora o tempo de salvação” para a corrigenda de nossos erros e o aproveitamento da nossa vida. Para todos nós, esse tempo, esse dia da salvação é AGORA.


Bibliografia
:

(1) PAULO, II Coríntios (6:22).

(2) EMMANUEL (Espírito) – Palavras de Vida Eterna, [psicografado por] F. C. Xavier. Edição CEC, Uberaba/MG – 20 ed., Lição 153, 1995.


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