JOSÉ
CARLOS
MONTEIRO
DE MOURA
jcarlosmoura@terra.com.br
Belo
Horizonte,
Minas
Gerais
(Brasil)
Sou eu
Jesus, porém, lhes falou
logo, dizendo: “Tende
bom ânimo, sou eu, não
temais” –
Mateus, 14: 27.
Infortúnios e
sofrimentos são, neste
mundo de expiação e de
provas, as conseqüências
inexoráveis da lei de
causa e efeito, em
virtude das ações do
homem nesta ou em outras
vidas. Significam, pois,
a colheita daquilo que
ele tem plantado ao
longo dos milênios,
comprovando a lógica e a
veracidade do velho
adágio popular: Quem
semeia vento colhe
tempestade.
Conquanto se trate de
uma verdade aceita
tranqüilamente pelo
Espiritismo, ela tem
sido, no entanto, mal
interpretada por alguns
de seus adeptos que a
identificam com o
fatalismo determinista.
De acordo com Amilcar
Del Chiaro Filho, esse
equívoco assume o
aspecto de um verdadeiro
“pecado original dos
espíritas” (1).
Daí o motivo de muitos
assumirem uma atitude
meramente passiva diante
da dor e do sofrimento,
que entendem regido pelo
mais absoluto
determinismo, quando não
adotam uma constante e
enfadonha cantilena que
deságua numa postura
sadomasoquista, digna de
um consultório de
psiquiatra. Não levam em
consideração que, apesar
do caráter irreversível
da lei de causalidade, o
livre-arbítrio de que
são portadores
permite-lhes alterar ou
minimizar os seus
efeitos, nos termos da
proposição de Kardec,
contida no item 33, nº.
3, do CÓDIGO PENAL DA
VIDA FUTURA, a
saber: “Podendo todo
homem libertar-se das
imperfeições por efeito
de sua vontade, pode
igualmente anular os
males consecutivos e
assegurar a futura
felicidade. A cada um
segundo as suas obras,
no Céu como na Terra: –
tal é a lei da Justiça
Divina”.
Com se observa, ao lado
da consciência dos
próprios erros, bem como
do arrependimento que
provoca, exige-se,
também, um esforço
individual de cada um,
no sentido da renovação
interior. Trata-se do
velho tema da
reforma íntima, tão
falado e tão pouco
exercitado, que implica,
necessariamente, a
modificação ou
eliminação dos hábitos e
costumes que, ao longo
das reencarnações,
conduzem o homem a
constantes desvios e
quedas.
Uma considerável parcela
da humanidade, presa ao
materialismo que ainda
campeia livremente em
seu seio, desconhece ou
não aceita a força da
relação de causalidade e
se insurge contra toda e
qualquer espécie de
sofrimento e de
infortúnios,
imputando-os ao Criador,
cuja justiça questiona,
ou põe em dúvida,
atribuindo-lhe as mesmas
imperfeições típicas
daquela elaborada pelos
homens. Semelhante
procedimento tem sua
origem na milenar idéia
que dormita nos refolhos
das consciências
individuais, segundo a
qual o seu Deus
está sempre à disposição
de seus preferidos e
eleitos, em detrimento
dos que não gozam dessa
posição. A pior ou mais
lamentável conseqüência
desse entendimento é a
permanente e invejosa
animosidade que produz,
agravada, nos tempos
modernos, pela
competição desvairada
que se observa em todos
os níveis da sociedade,
tanto no âmbito interno
de cada povo, como no
campo internacional. No
caso dos conflitos
internos, os exemplos
são alarmantes. Merece,
não obstante, um
destaque especial: a
Irlanda do Norte, onde a
intolerância religiosa
entre católicos e
protestantes já rendeu
centenas e centenas de
vítimas, ou o Egito,
onde a disputa entre os
Baha´is, seita islâmica
dissidente, vem
provocando periódicas
ondas de matança. No
campo internacional, a
mais grave é a contenda
árabe-israelense, na
qual, por detrás dos
interesses políticos e
econômicos, esconde-se a
milenar divergência
religiosa dos dois povos
que, nos termos da
versão bíblica, remonta
à expulsão de Agar da
Casa de Abraão, levando
consigo, para o deserto,
o seu filho Ismael, o
pai do futuro povo
árabe. Os israelitas, na
condição de descendentes
diretos de Abraão e,
conseqüentemente, dos
hebreus, não se esquecem
dos privilégios de que
gozavam em face da
preferência que lhes
dispensava Jeová, sempre
de plantão e a seu
serviço, ainda que isto
significasse morticínios
e crueldades
inomináveis, além de
situações inteiramente
incompatíveis com as
leis da natureza, que
Deus não revoga por
capricho ou por uma
questão de protecionismo
pessoal. Os ismaelitas
(árabes) entendem-se
como únicos
destinatários dos
favores de Alá,
comprovando, com as
ações terroristas de
seus grupos
fundamentalistas, aquela
terrível afirmativa do
Pascal: “Os homens nunca
praticam o mal de modo
tão completo e animado
como quando o fazem a
partir de convicção
religiosa”.
Não se pode esperar de
situações como essas
outra coisa que não seja
a dor, o sofrimento, as
aflições e as
dificuldades de toda
ordem, causadas
diretamente pelo homem,
ainda que sob o pretexto
de agir em nome de Deus.
Sempre foi assim, sendo
que, no passado, a
situação era muito pior,
uma vez que a ele,
homem, nem sequer lhe
era permitido o direito
de pensar, em face do
controle que a Igreja
exercia sobre o
pensamento humano
através da confissão
auricular, e do terror
do inferno e de satanás
que ela criou e
alimentou. Ao lado
disso, coube também ao
Cristianismo, leia-se
Igreja, fomentar a
cultura do temor de Deus,
responsável direto pela
dor e sofrimento
humanos, quando se via
contrariado em seus
caprichos divinos.
Esse quadro ensejou o
crescimento material do
clero romano, porquanto,
ou por ignorância ou por
comodismo, o ser humano
- naquilo que poderia
ser chamado de seu
relacionamento com Deus
– preferiu optar pelos
serviços dos prepostos
ou representantes da
divindade, com os quais
negociava a solução do
mal que o afligia. Foi
assim na época anterior
a Jesus, foi assim
durante sua passagem
pela Terra, e continua
sendo assim neste início
de ciclo, em virtude do
costume, próprio do
segmento mais numeroso
do Cristianismo, das
promessas, das preces
pagas ou de outros
procedimentos de
conteúdo eminentemente
mercantilista. Muitas
vezes, tais condutas são
típicas de um verdadeiro
contrato de prestação de
serviço, nos melhores
moldes do Direito das
Obrigações.
Nas incontáveis
ocasiões, em que o homem
se vê varrido pela
ventania e navegando nas
ondas revoltas do mar de
suas tribulações, a
exemplo da situação
vivida pelos apóstolos
(Mateus, 14:25 a 27),
ele ergue a voz, clama
por socorro, pede a
imediata presença do
socorrista e, ao ser
atendido, revela-se
temeroso e indeciso,
quando não se deixa
dominar pelo medo,
repelindo a mão que lhe
estende o socorro
solicitado.
Invariavelmente, por
detrás dessa mão está,
como sempre esteve, o
amigo insuperável, o
irmão mais velho, o
Mestre Jesus. Não se
deve pensar que se trata
de privilégio concedido
apenas aos cristãos. O
caráter universal dos
princípios evangélicos é
uma constante de todas
as religiões. Ao se
referir a um só rebanho
e a um só pastor, Jesus
não condicionou essa
situação à filiação a
uma determinada
religião, mesmo porque
ele não criou religião
alguma. O ex-frade
franciscano Leonardo
Boff, excluído da Igreja
pela versão moderna do
Santo Ofício – A
Congregação para a
Doutrina da Fé – em seu
livro
ESPIRITUALIDADE,
UM CAMINHO DE
TRANSFORMAÇÃO (2),
ressalta esse fato no
desenvolvimento do tema
proposto no Capítulo 6,
sob o título: “Jesus
pregou o Reino e em seu
lugar veio a Igreja”.
Há, incontestavelmente,
povos cuja cultura ainda
não lhes permite uma
convivência mais íntima
com Jesus. Contudo,
jamais foi sua intenção
fazer-se conhecido e
admirado ou aclamado
como o ídolo ou herói,
uma vez que todo o seu
ministério teve como
objetivo fundamental a
conscientização do homem
para a fiel observância
dos seus mandamentos,
estribados, única e
exclusivamente, na Lei
de Deus. O conteúdo
ético desses mandamentos
sempre foi repassado aos
homens, através dos
grandes iniciados de
todas as religiões,
embora com nomes e
maneiras característicos
de cada povo e de cada
época. Assim, a regra
áurea do Cristianismo –
“Portanto, tudo o que
vós quereis que os
homens vos façam, fazei-lho
também vós” (Mateus 6:
12) - é encontrada no
“temível” Islamismo
(“Ninguém pode ser um
crente até que ame o seu
irmão como a si mesmo”),
ou no “misterioso”
Hinduísmo (“Não faças
aos outros aquilo que,
se a ti fosse feito,
causar-te-ia dor”). De
mais a mais, grandes
nomes, que marcaram as
suas trajetórias na
Terra pelo altíssimo
grau de espiritualização
que alcançaram, não eram
ou não são cristãos,
como, por exemplo,
Gandhi, num passado mais
próximo, e o Dalai Lama
em nossos dias. Este,
cuja cruzada pela
convivência pacífica das
religiões é mundialmente
conhecida, afirma: “Ao
pregar uma revolução
espiritual, estaria eu
afinal defendendo uma
solução religiosa para
nossos problemas? Não.
Cheguei à conclusão de
que não importa uma
crença religiosa. Muito
mais importante é que
seja uma boa pessoa”
(3).
A análise dos
ensinamentos de Jesus
permite concluir que a
ele pouco importa a
preferência religiosa de
alguém, mesmo porque, ao
se referir à verdadeira
caridade, tomou como
exemplo a figura do
herético e abominável
samaritano...
Interessa-lhe, e muito,
que os postulados
fundamentais de sua
Doutrina sejam
devidamente
compreendidos e postos
em prática por toda a
humanidade,
indiscriminadamente, a
fim de que cada um seja
“humano e benevolente
para com todos, sem
distinção de raças,
nem de crenças,
porque em todos os
homens vê irmãos seus”.
(4)
No episódio de sua
caminhada sobre as
águas, a ausência dessa
discriminação ficou
clara e patente. Em face
do estranho e imprudente
procedimento dos
apóstolos, temerosos de
estarem diante de um
fantasma, ele se limitou
a dizer-lhes: “Tende bom
ânimo, sou eu,
não temais”. Mesmo
diante de uma atitude
tão incompreensível como
aquela - tendo em vista
de onde partira – ele
apenas lhes disse
sou eu,
sem nenhum qualificativo
ou atributo, sem
qualquer espécie de
condicionamento, sem
nada que pudesse
significar alguma
modalidade de
exclusivismo.
Nessa hora Jesus foi, ao
mesmo tempo, mestre,
irmão, amigo,
companheiro, pai e mãe
de toda humanidade, ali
representada por aqueles
rudes doze homens que o
acompanhavam mais de
perto.
Quantas vezes, nos
momentos de aperto, nas
dificuldades do
dia-a-dia, nas horas
amargas em que o
desespero ocupa a mente
do ser humano, ele tem
ouvido, da voz do amigo
sincero, do irmão mais
experiente, do professor
que se identifica com o
aluno, do pai amoroso e
atento, e, sobretudo da
mãe, sempre presente nos
momentos mais difíceis
da vida dos filhos que,
para ela, continuam os
eternos meninos de
ontem, essa pequenina e
alentadora frase!
O seu poder é de tal
forma contagiante e
profundo que detém o dom
de despertar esperanças,
afastar animosidades,
amenizar dores e
sofrimentos, reconstruir
vidas.
Por isso os ecos do
sou eu
ressoam, até os dias
atuais, em vibrações de
harmonia e paz, caridade
e compaixão, tolerância
e compreensão,
fraternidade e
solidariedade, a se
irradiarem por toda a
humanidade, sem
distinção de raça, cor,
posição social ou
religião. No entanto,
como ele foi,
originariamente,
dirigido aos primeiros
seguidores do Mestre, é
forçoso reconhecer que
os cristãos se tornaram
seus depositários,
cabendo-lhes a enorme
responsabilidade de,
onde quer que haja um
aflito ou desesperado,
fazer com que a voz
suave do Cristo possa
alcançar cada um dos
sofredores, atingir as
fibras mais íntimas de
seus corações, e
dizer-lhes: – “Tende bom
ânimo, sou eu,
não temais”.
Fontes:
(1) A
Barca do Destino,
Mina Editora, Araguari,
MG, 2000, p. 30.
(2)
Editora Sextante, Rio,
2001, p.73.
(3) Uma
ética para o novo
milênio,
Ed. Sextante, Rio, 2000,
p. 29.
(4) ALLAN
KARDEC, O Evangelho
segundo o Espiritismo,
Ed. Feb, Rio, 1996, Cap.
XVII, nº. 3.