WILSON CZERSKI
wilsonczerski@brturbo.com.br
Curitiba, Paraná
(Brasil)
A pílula
do dia seguinte
no carnaval
A mídia deu conta da
distribuição gratuita,
pelo sistema de saúde de
Pernambuco, da pílula do
dia seguinte durante o
carnaval. A arquidiocese
de Recife e Olinda
tentou impedir, mas o
Ministério Público
manteve a decisão. O
centro da polêmica é
saber se a tal pílula é
ou não abortiva,
prática que, como se
sabe, pela atual
legislação brasileira,
constitui crime, exceto
em casos de risco de
vida para a gestante e
estupro.
Os próprios
especialistas não cerram
unanimidade. Para muitos
deles a pílula contém
substâncias capazes de
destruir o zigoto –
célula formada a partir
da união dos gametas
masculino e feminino.
Para outros, incluindo a
OMS – Organização
Mundial da Saúde – que
recomenda o seu uso, a
pílula ingerida até 72
horas após o ato sexual
pode inibir a gravidez,
mas se esta já estiver
iniciada pela concepção,
torna-se inócua, não
fazendo efeito algum.
A Igreja Católica que,
tal como o Espiritismo,
entende que a vida
principia no momento da
concepção, prefere o
argumento do primeiro
grupo. Já o órgão
pernambucano responsável
pela distribuição da
pílula no carnaval,
incentivado pela própria
postura do Ministro da
Saúde, José Gomes
Temporão, que
declaradamente é
favorável à
descriminalização do
aborto no país, sem
qualquer restrição,
ignorou este detalhe.
Para seus dirigentes,
tudo se resume em
oferecer condições de
evitar centenas, ou
milhares talvez, de
gravidezes indesejadas.
Literalmente, já são de
outros carnavais as
campanhas do governo na
mídia alertando para a
necessidade do uso de
preservativos masculinos
durante a Folia de Momo,
atestando a sua limitada
capacidade de ação, até
porque não lhe cabe ir
mais além, adentrando a
conduta moral das
pessoas.
Quer as campanhas visem
ao esclarecimento da
população com objetivos
de prevenir as doenças
sexualmente
transmissíveis, quer
como agora, com este
perigoso passo a mais, a
nosso ver, a discussão
está situada fora do
foco principal. Não nos
cabe opinar sobre
apontamentos científicos
se a pílula é abortiva
ou não, nem em saber se
a religião pode ou deve
interferir na ordenação
jurídica de um estado
laico como o Brasil.
O que a sociedade como
um todo, mas,
principalmente, pais e
educadores deveriam
estar debatendo é como
evitar que o carnaval e
outras festas ou formas
de divertimentos
populares tornem-se
sinônimo de orgias com o
tal do “ficar”
descompromissado, com as
trocas constantes de
parceiros, às vezes numa
mesma noite, enfim, com
os abusos agora cada vez
mais consentidos como se
a promiscuidade fosse a
regra a ser seguida e
perseguida na busca
desenfreada do sexo
irresponsável.
A sexualidade é uma
energia da alma com
expressão periférica nos
órgãos do corpo físico e
serve para atender fins
elevados como a
preservação da espécie e
a permuta de energias
entre dois seres que se
doam e se complementam
não só por força do
instinto, mas também na
esfera da afetividade
profunda. A ignorância
sobre quem realmente
somos – Espíritos
imortais vestidos
temporariamente de corpo
carnal, transitando
pelos caminhos do
aperfeiçoamento moral e
intelectual – é que nos
faz perder a perspectiva
da verdadeira
felicidade.
Pela lei de causa e
efeito, todo pensamento,
palavra, emoção ou ato
altera o
meio em que vivemos, o
que, por conseqüência,
nos inclui. O cultivo
dos valores morais, o
equilíbrio da vida
digna, o respeito à
integridade do ser
humano
bio-psico-socio-espiritual
não são caretices. Sexo
não é pecado, não é
errado. É fonte de
prazer e expansão da
consciência criativa. É
necessidade fisiológica
e mesmo psicológica e
emocional, porém, requer
bom senso no seu uso. O
indivíduo não pode se
rebaixar ao nível dos
irracionais. A
banalização do sexo é
demonstração de falta de
amor por si mesmo e
pelos outros, pois que
representa uma
comercialização barata
do próprio ser.
Com um pouco mais de
educação, aquela
abrangente que vê homens
e mulheres como seres
multifacetados, mas
sempre com visão de
conjunto, serviria para
discutir mais as causas
do mal e como
debelá-las, do que os
efeitos. Como se já não
bastassem os abusos com
álcool, os furtos, a
violência urbana e no
trânsito das estradas,
agora temos que pôr na
conta do carnaval mais o
peso da dúvida moral, se
nossas autoridades não
estivessem
endossando práticas
criminosas do aborto.