DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)
Oi,
Jesus! Eu sou o Zé!
Há algum tempo minha
mulher presenteou-me com
a xerocópia de um texto
acerca de um tal “Zé”
que, em determinada hora
do dia, contraiu o
hábito de dar um pulo
até a igreja mais
próxima para rezar de um
jeito muito especial.
Por achá-lo
interessante, ela me
sugeriu a veiculação. E
como em casa sou eu quem
dá sempre a “última
palavra”,
disse-lhe: “Sim, meu
bem, é pra já!”
(Ai de mim se não
concordasse!)
Brincadeira à parte,
digo que, pelo
contrário, em casa,
resolvemos tudo com
acordo e afetuosidade, e
vamos ao conto do qual
fizemos certa adaptação.
Narra o texto, de
autoria desconhecida
(ninguém o assinou), que
um pobre velhinho
costumava entrar na
igreja e sair
rapidamente dela. Certo
dia, o sacristão, que há
muito tempo o tinha de
olho, resolveu dessa vez
se aproximar, meio
desconfiado, a fim de
saber o motivo de tal
atitude, porquanto havia
valorosos objetos de
ouro e de prata e
raríssimas imagens
barrocas de santos no
templo católico.
— O que o senhor
pretende?, indagou com
certa austeridade.
— Ora, filho, rezar,
replicou o velho.
— Que estranho! Eu nunca
vi ninguém rezar tão
depressa como o senhor!, Disse o sacristão.
— Bem, eu não sei
recitar aquelas orações
compridas que o amigo
conhece. Só sei falar:
Oi, Jesus, eu sou o
Zé, vim te visitar,
e, pronto, vou-me
embora! Tenho certeza de
que Ele assim mesmo me
ouve... Não se preocupe,
meu bom rapaz, sairei
num instante...
Alguns dias se passaram.
O Zé sofreu um acidente
e o internaram num
hospital público de
caridade. Lá, ele
contagiava todos com o
seu otimismo e
contentamento: até os
enfermos mais tristonhos
tornaram-se alegres e
confiantes, voltando a
sorrir. Uma das
voluntárias do hospital,
uma freira, ao notar a
transformação no quarto
de enfermaria,
dirigiu-se ao Zé e lhe
disse admirada:
— Zé, os outros
pacientes dizem que você
é alegre e otimista o
tempo todo!
— Ah, irmã, isso é
verdade! Sou assim
mesmo. É por causa de
uma visita que venho
recebendo todos os dias.
A religiosa nada
entendeu, ficou algo
pensativa, confusa,
porque a cadeira próxima
da cama do Zé
conservava-se
continuamente vazia; a
irmã nunca vira antes
ninguém procurá-lo em
nenhum dia da semana
desde a sua internação,
e todo mundo sabia que o
Zé era solitário. “Quem
o visitaria afinal? E a
que horas?”,
perguntou de si para si
mesma.
Parecendo ler as
inquirições da espantada
professa, o Zé, cujos
olhos principiaram a
brilhar e o rosto a
resplandecer,
respondeu-lhe com
inflexão sublime:
— Todos os dias, ao
entardecer, é sempre
assim: uma leve brisa
primaveril toma-me
conta, Ele aparece
mansamente... Quando
ouso dirigir-lhe a
palavra, a voz não sai,
tremeleio, as lágrimas
rolam, e ele tão-somente
me sorri. Logo em
seguida, de seu hálito
perfumado, saem estas
maviosas palavras como
se eu ouvisse acordes
enternecedores: “Oi, Zé!
Sou eu... Jesus... Vim
te visitar”.
Jesus Cristo não dá
valor a preces que não
tenham como objeto o bem
irrestrito do próximo. O
Evangelho nos solicita
mudança. Deixar para
amanhã o que se pode
fazer hoje?!... Jesus
conta já com a nossa
mudança de sentimentos
menos dignos; é por isso
que existe a prece para
que possa oferecer
sugestões sublimes e
consoladoras.
A prece é um meio pelo
qual se pode ter contato
com o nosso Pai-Criador,
depois de se pensar nEle,
esperando que as nossas
idéias e palavras O
alcancem. Prece
exatamente eficaz é
aquela emitida plena de
energias benéficas e
compreensivas de amor. A
prece sentida, quando do
remorso verdadeiro, ou
quando da aflição
dolorosa, traz a bênção
consoladora das lágrimas
ou o reconhecimento da
humildade que
refrigera.
Mas como devemos fazer
uma prece? Segundo os
Espíritos, com
emotividade, com idéias
elevadas, e não
unicamente proferindo
sons verbais que, não
raro, ocultam
sentimentos de natureza
egoística, desejos
esconsos, inconfessos.
Às vezes nos quedamos
admirados com certas
criaturas notáveis pelo
seu mau-caráter, por sua
hipocrisia, alguns
malcriados, ciumentos,
invejosos,
impertinentes,
malévolos, intolerantes
e viciosos que rezam...
A questão 660 de O
Livro dos Espíritos
explica que não é nada
meritório rezar o tempo
todo, e ainda por cima
sem humildade de admitir
os próprios defeitos dos
quais devemos deles nos
livrar para o nosso
próprio bem.
Deus não Se compraz com
rezarias decoradas, e
sim com rogativas
embaladas pela fé
atuante, e não apenas
por fé de oportunismo
(nesse passo, rezar é
bem diferente de orar).
Agrada-Lhe sobremaneira
os apelos de paz e
justiça, mas não os de
tendências mórbidas,
execráveis. Só uma fé
persistente, digna, é
capaz de impelir a Alma
de boa vontade a entoar
verdadeiros hinos de
alegria e agradecimento
ao Senhor, mesmo ante as
incompreensões e
misérias do mundo.
Ditou o Espírito
Emmanuel, pela
psicografia de Chico
Xavier: “A prece tecida
de inquietação e
angústia não pode
distanciar-se dos gritos
desordenados de quem
prefere a aflição e se
entrega à imprudência,
mas a tecida de harmonia
e confiança é força
imprimindo direção à
bússola da fé viva,
recompondo a paisagem em
que vivemos e traçando
rumos novos para a vida
superior”.
Quem só se lembra de
orar quando a dor o
convoca a refletir sobre
a vida que leva,
desequilibra-se,
exaspera-se perplexo,
enquanto quem se mantém
obstinado na oração,
pela sua fé e caridade,
ainda que as
vicissitudes o acometam
de súbito, aproveita
para amadurecer
moralmente.
Mas, se uma daquelas
criaturas de má índole
acima aludidas fizer
mesmo uma prece longa e
admitir as próprias
falhas, não teria algum
mérito, já que ninguém é
perfeito? Errar não é
humano? Dizemos de
passagem: sim, errar é
humano, mas acertar é
mais humano ainda! A
intenção das ações, de
um modo geral, é tudo
para Deus. Entretanto, o
essencial, segundo os
Espíritos, não é fazer
preces extensas e
reconhecer-se
imperfeito; mas fazê-las
bem, ou seja, simples,
sem pedir muito, com
desejo de corrigir-se de
verdade, de pôr em
prática esse desejo.
Nosso Pai não Se
impressiona com
petições, além de
prolixas e vazias,
pretensiosamente
empoladas.
Não vale rogatórias
bombásticas, fazer
longas preces na
expectativa de
exclusivamente desinçar
de problemas imediatos
sem antes saber se
estamos de conformidade
com a Lei de Justiça e
Amor. E, além de tudo, a
prece não depende de
palavras nem de local,
nem de hora. Por mais
bela que seja, se não
tiver os predicados de
que referiram os Bons
Espíritos, eles, os
executores dos desígnios
divinos, cujo papel é o
de dissuadir o homem de
pensamentos que lhe
causem danos, não a
acolhem.
“Oi,
Jesus! Eu sou o Zé!”...
Simples, não?! Não
queremos sugerir, porém,
que decidamos pelo
referido estilo sucinto
do humilde velhinho de
nossa história. Podemos
sim fazer preces mais
longas que a dele e até
preces decoradas: desde
que as façamos com
dignidade. Mas
prefiramos as exprimidas
de nossa autoria,
extraídas do fundo do
coração. A prece não
deve ser um mero ato
rotineiro, mecânico,
enfadonho, qual se fora
uma cantiga monótona,
uma cantilena. Em suma:
a prece tem de reunir-se
não só ao sentimento de
fé, mas, sobretudo, ao
de amor ao próximo para
que Jesus nos dê a Sua
amorável assistência e
diga também: “Oi! Vim te
visitar”.
O autor é
jornalista,
presidente-fundador da
Fraternidade Espírita
Aurora da Paz (Feap) (www.feap.udesp.org.br),
e membro da União dos
Delegados de Polícia
Espíritas do Estado de
São Paulo
(www.udesp.org.br).