O
feitiço
contra
o
feiticeiro
Zé
Arigó
na
prisão
“O
curandeirismo
é punido
para se
resguardar
a
incolumidade
pública.
O
indivíduo
que, sem
ser
médico,
faz a
determinação
de uma
doença
ou
enfermidade
pelos
sintomas;
que, sem
ser
médico,
faz
operações;
que,
dizendo-se
um
“aparelho”
de um
espírito,
em
transe,
receita
ou
opera,
ou
fornece
“garrafadas”,
“raízes
de
mato”;
que usa
“passes”,
atitudes,
posturas,
palavras,
rezas,
encomendações,
benzeções,
esconjuros,
ou
qualquer
outro
meio
para
facilitar
partos,
curar a
tosse
rebelde,
mordeduras
de
cobra,
câncer,
debelar
a febre,
tuberculose,
hemorragia,
espinhela
caída,
catarata,
surdez
etc.
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Capa da revista que publicou a
matéria |
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- esse cidadão
representa um tremendo perigo para a
saúde de um indeterminado número de
pessoas, cuja tutela incumbe,
inquestionàvelmente, ao Estado.” Dito
isto, o escrivão Osório, da Comarca de
Congonhas do Campo, prosseguiu a leitura
da sentença do Juiz Márcio Aristeu
Monteiro de Barros, informando ao réu,
“Ze Arigó”, a pena de dezesseis meses de
prisão que lhe foi imposta pelo crime de
curandeirismo, figura delituosa que é
prevista no art. 284 do Código Penal
Brasileiro. |
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SEXTA-FEIRA,
20, a
notícia
curta
mas
incisiva,
transmitida
pelas
estações
de rádio
e
televisão,
deve ter
traumatizado
milhares
de
pessoas
em todo
o País:
José
Pedro de
Freitas,
“Zé
Arigó”,
conhecido
até no
exterior
por suas
aparentes
curas
mediúnicas,
fora
condenado
a
cumprir
pena no
xadrez
de
Conselheiro
Lafaiete,
Minas
Gerais.
Essa era
a
segunda
vez que
o
conhecido
"médium"
enfrentava
a
Justiça.
Pelo
mesmo
delito
já havia
sido
condenado
(e
indultado
pelo
Presidente
Kubitschek)
em 1956.
A sentença, |
proferida
naquela tarde de sexta-feira, colheu de
surpresa os habitantes de Congonhas,
onde Arigó, modesto funcionário público,
é estimado e admirado por muitos. Ele,
porém, recebeu resignado a notícia
desfavorável. Afirma-se convencido de
que cumpre na Terra uma missão
sobrenatural: “Agora vou ter muito tempo
para ler o Evangelho” - disse, a caminho
da prisão. |
Desde a
audiência
de
instrução
e
julgamento,
em vinte
e dois
de
outubro,
estava
sendo
aguardada
a sessão
pública
durante
a qual o
magistrado
de
Congonhas,
presentes
as
partes,
daria
publicidade
à
sentença,
condenando
ou
absolvendo
José
Pedro de
Freitas,
denunciado
pelo
Conselho
Regional
de
Medicina
da
Associação
Médica
de Minas
Gerais.
Esperava-se
a
fixação
do dia
da
audiência,
quando o
advogado
de
Arigó,
Professor
Jair
Leonardo
Lopes,
foi
surpreendido
pela
informação,
extra-oficial,
de que
seu
cliente
havia
sido
condenado.
Contra o
“mago”
de
Congonhas
- cidade
que se
transformou,
nestes
últimos
dez
anos, na
Meca de
doentes
das mais
distantes
origens
- já
havia
sido
encaminhado
à
Delegacia
de
Vigilância
mandado
de
prisão.
O
patrono
de José
Pedro de
Freitas
dirigiu-se,
imediatamente,
àquela
cidade,
onde nem
mesmo o
acusado
e seus
familiares
sabiam
da
decisão.
Arigó
voltava
do seu
sítio
vestindo,
como de
seu
hábito,
calça e
camisa-esporte,
quando
foi
informado
da
sentença.
Dispôs-se
a se
apresentar
ao Juiz,
o que
fez em
seguida.
A poucos
passos
de sua
residência,
dez
minutos
mais
tarde,
Arigó
subia as
escadas
do Foro,
em
companhia
do pai,
Sr.
Antônio
de
Freitas,
e de seu
filho
Tarcísio.
Populares
aproximaram-se,
perguntando:
“Que
aconteceu?”
À
chegada
do Juiz,
instantes
depois,
disse-lhe
o
defensor
do
“médium”:
“Meritíssimo,
tomando
conhecimento
de que
meu
cliente
foi
condenado,
e sendo
certo
que não
quer ele
fugir à
ação da
Justiça,
aqui
está
para
apresentar-se
a Vossa
Excelência!”
Após
a
prolongada
leitura
da
sentença,
que
ocupava
várias
páginas
datilografadas
em
espaço
dois, o
réu
levantou-se
e
agradeceu
ao Juiz
e ao
Promotor
Marcelo
José de
Paula.
Nessa
altura,
já havia
gente
chorando
no
recinto
do
tribunal.
Parentes
e amigos
do réu.
A emoção
redobrou,
quando
uma tia
de
Arigó,
entrando
na sala
de
audiências,
bradou
em
pranto
convulsivo:
“Conforme-se,
meu
filho,
porque
até
Jesus
foi
condenado!”
Como
a
delegacia
de
Congonhas
não
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dispõe de veículo para conduzir presos, Arigó
foi para
o xadrez
dirigindo
seu
jipe,
acompanhado
por dois
soldados
da Força
Pública
e pelos
filhos e
irmãos
(ele tem
seis
filhos).
O jipe
era
seguido
por
numerosos
automóveis,
cujas
buzinas
soavam
lùgubremente,
expressando
a fé de
alguns
adeptos
nos
misteriosos
poderes
do
“médium”,
os
quais,
para seu
infortúnio,
não
bastaram
para
comover
a
Justiça. |
Publicado
na
revista
O
Cruzeiro,
em
12 de
dezembro
de 1964.
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