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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 80 - 2 de Novembro de 2008

MARCOS PAULO DE OLIVEIRA SANTOS 
mpoliv@bol.com.br
Taguatinga, Distrito Federal (Brasil)

Crise Global?

 
O mundo agoniza! Não nos referimos às estrondosas quedas das bolsas de valores dos diversos países, que deixam como conseqüências aos mais pobres (únicos que realmente sofrem com especulações e interesses oligárquicos) desempregos, misérias, fome...

A gênese do caos planetário reside em dois problemas velhos do comportamento humano: egoísmo e orgulho. Essas duas chagas da humanidade já eram advertidas pelo mestre de Nazaré e, posteriormente, pela Doutrina espírita. São as duas barreiras que obstam a nossa evolução. Se não houvesse orgulho e egoísmo, não haveria crise global. Estaríamos em um mundo, indubitavelmente, melhor. Quando se fala em “humor do mercado”, “o receio do mercado”, “o mercado acordou tenso”, dá a impressão de algo impessoal que acaba por normatizar as nossas vidas de forma autoritária. Mas é preciso compreender que o “mercado” é composto de pessoas comuns (carne, osso, espírito, sentimentos etc.).  

Deste modo, é necessário que compreendamos que o modelo vigente no mundo fomenta ainda mais a estupidez humana. O despertar de sentimentos escabrosos que vêm à tona com mais força. O acumular riquezas incessantemente e sob quaisquer meios constitui a norma vigente. 

Vivemos em uma sociedade que, devido aos sentimentos que emana e as ações que pratica, acaba por tornar o homem “coisificado”. Perdemos a noção de ser humano e passamos a ser “coisas”. Isso ocorre em todas as relações sociais. 

Para que tenhamos uma noção da grave questão, vejamos a poesia (atualíssima!) de Fernando Correia Pina, poeta português:        

Saldo Negativo 

Dói muito mais arrancar um cabelo de um europeu

que amputar uma perna, a frio, de um africano.

Passa mais fome um francês com três refeições por dia

que um sudanês com um rato por semana. 

É muito mais doente um alemão com gripe

que um indiano com lepra.

Sofre muito mais uma americana com caspa

que uma iraquiana sem leite para os filhos. 

É mais perverso cancelar o cartão de crédito de um belga

que roubar o pão da boca de um tailandês.

É muito mais grave jogar um papel ao chão na Suíça

que queimar uma floresta inteira no Brasil. 

É muito mais intolerável o xador de uma muçulmana

que o drama de mil desempregados em Espanha.

É mais obscena a falta de papel higiênico num lar sueco

que a de água potável em dez aldeias do Sudão. 

É mais inconcebível a escassez de gasolina na Holanda

que a de insulina nas Honduras.

É mais revoltante um português sem celular

que um moçambicano sem livros para estudar. 

É mais triste uma laranjeira seca num kibutz hebreu

que a demolição de um lar na Palestina. 

Traumatiza mais a falta de uma Barbie de uma menina inglesa

que a visão do assassínio dos pais de um menino ugandês 

e isto não são versos; isto são débitos

numa conta sem provisão do Ocidente. 

O poema fala por si mesmo. E é espantoso encararmos as nossas ilusões, as nossas superficialidades grafadas em versos que ganham vida e ecoam ao mundo tentando despertar-nos das nossas questiúnculas. Trata-se, certamente, de um poema que espanta! A ironia presente na obra demonstra as nossas fraquezas.  

A nossa cegueira ante os mais necessitados é tamanha que não nos damos conta dos graves contrastes planetários. 

É certo que não queremos e não temos a pretensão de salvar o mundo. Mas, na condição de espíritas e com a certeza de que essa Doutrina eminentemente cristã nos traz benefícios inefáveis, não podemos olvidar o chamamento da prática caridosa que ela nos enseja desde o seu surgimento a 18 de abril de 1857.  

O preclaro codificador da Doutrina espírita, conhecedor das problemáticas humanas, estabeleceu que somente por meio da caridade conquistaremos a nossa salvação. O ato caridoso transcende a religião e outras questões humanas. A caridade é um gesto espontâneo, que parte do coração. E tem como força primeira a fé. A fé é a força motriz da caridade. É a certeza de que é possível passar pela Terra e dar algum contributo em favor de um mundo melhor, por mais singela que seja a nossa contribuição.  

A caridade, como entendida pelo Espiritismo, divide-se em duas formas: material e moral. A primeira caracteriza-se pela diminuição do sofrimento alheio por meio de recursos materiais, donativos etc., que são importantes para uma vida digna e exeqüível. A segunda recai sobre as nossas enfermidades seculares (egoísmo, orgulho, avareza etc.). É uma luta constante contra nós mesmos. A caridade moral consiste em calar ante a ofensa, em saber ouvir uma crítica, em auxiliar por meio de palavras e ações aqueles que necessitam. Enfim, é uma gama de ações que têm por objetivo a nossa lapidação moral para que transformemos a pedra bruta que jaz em nossos corações no diamante formoso que Deus criou. 

Por fim, a caridade deve ser praticada incessantemente por nós que abraçamos a causa espírita. A crise não pode ser escusa para nós espíritas de não auxiliarmos aqueles que nos cercam e que carecem da nossa ajuda e atenção. Ao contrário, devemos trabalhar mais e mais para que a crise global acabe o mais rápido possível.


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita