Miniaturas da Sociedade
elegante
Artur Azevedo
1
Adriano Gonçalves de
Macedo,
Homem de cabedais e alma
sem siso,
Penetrou no seu quarto
com um sorriso
Às dez horas da noite,
muito a medo.
Uma carta de amante —
era um segredo —
Ia abri-la, e, assim,
era preciso
Que a sua esposa, dama
de juízo,
Não na visse nem mesmo
por brinquedo:
Dona Corália Augusta
Colavida
Estaria nessa hora
recolhida?
Levantou a cortina,
devagar...
Mas, que tragédia após
esse perigo...
Viu que a esposa beijava
um seu amigo,
Sobre o divã, da sala de
jantar.
2
No belo palacete do
Furtado,
Palestrava a galante
Mariquita
Com um pelintra afetado,
assaz catita,
Bacharel delambido e
enamorado.
De sobre a grande cômoda
bonita,
Toma o moço um livrinho
encadernado,
Revirando-o nas mãos,
interessado,
Mas a jovem retoma-o,
muito aflita:
- “Esse livro, Antonico,
é meu breviário!”
Diz inquieta. E ele,
cínico e falsário,
Arrebata-o às frágeis
mãos trementes
Abriu-o. Mais o olhava e
mais se ria...
Era um compêndio de
pornografia,
Recamado de quadros
indecentes.
3
Dom Castilho, notável
latinista,
Realizara alentada
conferência,
Sobre rígido assunto
moralista,
Protegido dos membros da
regência.
Foi um sucesso. E a
esposa Ana Fulgência,
Nele via uma grande alma
de artista,
Louvando-lhe a
utilíssima existência
De homem probo e notável
publicista.
Que primor de moral! e
os companheiros
Escritores, poetas,
conselheiros,
Foram levar-lhe um
abraço camarada.
Numa corrida louca,
esses senhores
Foram achá-lo em seus
trajes menores,
No apartamento escuro da
criada...
Artur Azevedo nasceu em
São Luís, Maranhão, a 7
de julho de 1855 e
faleceu na cidade do Rio
de Janeiro a 22 de
outubro de 1908. Diretor
Geral de Contabilidade
do Ministério da Viação,
foi poeta,
comediógrafo,
jornalista e crítico.
Membro e fundador da
Academia Brasileira de
Letras, ocupou a
cadeira de Martins
Pena. Os sonetos acima
foram psicografados por
Chico Xavier e fazem
parte do Parnaso de
Além-Túmulo.