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Crônicas e Artigos
Ano 2 - N° 83 - 23 de Novembro de 2008

LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com 
São José dos Campos,
São Paulo (Brasil)

Reflexões sobre o tradicionalismo e o
verdadeiro patriotismo
 

 
O Espiritismo é uma doutrina profundamente associada aos conceitos mais elevados de educação. Equilibrando a busca pela verdade sobre o “tripé” do bom senso constituído por Filosofia, Ciência e Religião, o Espiritismo não se restringe à tarefa de esclarecer, mas, igualmente, conclama seus adeptos a uma aplicação prática de seus postulados nas mais variadas situações da vida. Essa visão lúcida e profunda constitui realmente em um primeiro passo para o desenvolvimento efetivo de um processo lento e gradual de eliminação das chamadas “bengalas psicológicas”, que as ilusões materiais geram no indivíduo devido à sua própria invigilância. 

De fato, a busca sincera pela Verdade exige coragem, desapego, eliminação de preconceitos arraigados, meditação constante e um elevado grau de capacidade de crítica e autocrítica. Essa busca tende a minimizar fixações atávicas para o Espírito imortal, tais como o “milagre”, o “maravilhoso”, o “mítico”, o “místico”, o “mágico”, o “folclórico”, o “simbólico” e o “tradicional”. 

Muitos indivíduos defendem, nas diversas áreas do comportamento humano, a continuidade de certas atitudes infelizes, argumentando que aquela “tradição deve ser cultivada e perpetuada”. Será? Se a resposta for sim, resta-nos indagar por segunda vez: Por que razão? 

Jesus afirmou (Mateus 9:16): “Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho”. E várias vezes o Mestre enfatizava: “Tendes ouvido o que vos foi dito, eu, porém, vos digo...”. Portanto, é evidente que Jesus não era propriamente um “tradicionalista”. O comportamento pretérito que era correto, à luz do Amor Maior que Ele preconizava, era confirmado e reforçado pelo “Governador da Terra”, mas o que estava equivocado em relação às Leis Divinas era firmemente combatido pelo “Filho do Homem”. Vale acrescentar que o próprio Jesus foi duramente antagonizado pelos chamados “Doutores da Lei”, justamente por não respeitar uma série de hábitos tradicionais associados, via de regra, a um excessivo apego às manifestações exteriores, em detrimento do verdadeiro Amor no coração e de suas inevitáveis conseqüências em matéria de boas ações para com a Vida e o Semelhante. A título de ilustração vale lembrar a categórica frase do Mestre: “O sábado foi criado para o homem e não o homem para o sábado”. 

Um notável exemplo que reforça o entendimento da inigualável exemplificação de Jesus diz respeito ao próprio Codificador do Espiritismo. De fato, se Allan Kardec analisasse os fenômenos mediúnicos de seu tempo respeitando demasiadamente os paradigmas científicos, filosóficos e religiosos tradicionais, não teria proporcionado ao mundo a Luz da Verdade. O mesmo raciocínio pode ser estendido a vários homens notáveis que inovaram, inventaram e revolucionaram o conhecimento humano nas mais diversas áreas de atuação da criatura humana. Realmente, exemplos como Newton, Edison, Pasteur, Koch, Einstein, Marie Curie, Gandhi, entre outros, constituem figuras indeléveis na História Universal, pois tiveram a capacidade intelectual e a coragem moral para se colocarem em oposição ao status quo vigente em suas respectivas épocas e áreas de atuação. Tais convenções sociais limitadas somente puderam ser superadas com estudo, trabalho, inteligência e criatividade destes pioneiros, que verdadeiramente foram Missionários da Humanidade.  

Assim sendo, se o ser humano sempre mantivesse um comportamento tradicionalista, a escravidão, por exemplo, ainda seria chancelada pelas leis civis de diversos países. Obviamente, nós temos a obrigação de “separar o joio do trigo”, mantendo e ampliando as atitudes positivas e verdadeiras do passado bem como eliminando aquelas eivadas pela nossa ilusão. 

Neste contexto, é interessante discutir a complexa questão do Amor à Pátria, que em sua essência, é um sentimento extremamente nobre e em concordância com os princípios evangélicos. Entretanto, na história da humanidade, o patriotismo, que, a priori, é algo muito positivo, foi utilizado como argumento para as mais diversas manifestações de racismo, ódio, assassinatos etc. Guerras terríveis foram fomentadas empregando e deturpando esse valor moral denominado “Patriotismo”, o que ceifou milhões e milhões de vidas. 

Obviamente, o Amor à própria Pátria de maneira nenhuma significa o desprezo e muito menos o ódio pela Pátria alheia. Aliás, o entendimento da realidade reencarnacionista explicita a infantilidade espiritual deste tipo de comportamento, uma vez que podemos nascer em inumeráveis países. Logo, em seu processo educacional, as crianças deveriam ser instruídas por pais e professores a amarem seu país através do trabalho, da educação e do respeito ao semelhante e ao ambiente, em todos os níveis. Esta proposta, sim, seria o verdadeiro Patriotismo, à luz do Evangelho de Jesus. Inclusive, era essa a opinião do jovem professor Rivail, que, com pouco mais de 20 anos, elaborou o seu “Plano Proposto para Melhoria da Educação Pública”, enfatizando que a educação, tanto do ponto de vista intelectual como do ponto de vista moral, seria a melhor forma de fortalecer a nação. 

De fato, memorizar o hino nacional ou adquirir atitudes tipicamente militares de maneira nenhuma denota o verdadeiro Patriotismo. Essas atitudes externas, muito associadas ao nosso passado belicoso, em nada representam o verdadeiro amor à nossa coletividade, o que, obviamente, não deve excluir outros grupos de irmãos. O próprio esporte que deveria ser, e em essência é, uma forma de confraternização entre indivíduos e países, muitas vezes usa do argumento patriótico para acirrar rivalidades nacionais e até mesmo justificar atitudes de violência e profunda grosseria, que são oriundas de nossas paixões primitivas. 

É muito interessante notar que muitos países têm em seus hinos nacionais verdadeiras odes à guerra e à destruição “dos povos inimigos”, o que nos remete, indiretamente, às interpretações religiosas calcadas no Velho Testamento, que enfatizam os questionáveis conceitos de “Povo escolhido”, “Povo de Deus” etc. Ora, todo povo é escolhido e todo povo é de Deus. Aliás, somos um só povo e isso inclui habitantes de outros mundos e de outras galáxias, as quais são as “muitas moradas da casa do Pai”. 

Mesmo no meio espírita, é possível notar certo ufanismo exagerado a respeito do Brasil, utilizando de forma deturpada a famosa frase-título de Humberto de Campos: “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”. É claro que o Brasil tem um papel importantíssimo na transformação moral já vigente no planeta, mas isso não significa privilégio de nossa nação ou demérito das demais. “A cada um segundo suas obras”, disse Jesus, e isso se aplica tanto aos indivíduos como às coletividades. Por outro lado, “a quem mais foi dado, mais será cobrado”, uma vez que a consciência, que é a Lei de Deus em nós, nos cobra de acordo com nosso nível de lucidez. 

Lembremos o exemplo de “Mahatma” Gandhi e não sejamos escravos de denominações, minimizando o nosso bairrismo e buscando o legítimo sentimento patriótico, que não exclui o amor e o respeito aos demais países. Muito pelo contrário, quanto mais fraternos e cordiais com os demais povos, mais nós demonstraremos a grandeza de nosso país, pois, conforme Jesus nos ensinou, “se quisermos ser o maior, que sejamos o servidor de todos”.
 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita