Hipóteses sobre
a ação orgânica
e psicológica
do
ectoplasma
Uma análise do
livro Um
‘Fluido Vital’
Chamado
Ectoplasma,
de Matthieu
Tubino, editado
por Publicações
Lachâtre
Matthieu Tubino
é um professor
da Unicamp, com
sólida formação
em Química, que
escreveu um
pequeno livro
contendo suas
observações
pessoais em uma
reunião de
tratamento em
Centro Espírita,
das quais se
formulou um
conjunto de
hipóteses sobre
a ação do
ectoplasma em
organismos
humanos.
Seu livro é uma
obra de
divulgação,
escrita para o
grande público.
Além de uma
discussão
teórica, o livro
repassa ao
leitor a técnica
de manipulação
da substância
desenvolvida
pelo autor e sua
equipe e
apresenta alguns
casos, após
escrever de
forma clara as
suas conjecturas
sobre a natureza,
possível
fisiologia
e
alterações
psicológicas
|
|
associadas
ao
acúmulo
de
ectoplasma. |
A definição de
Ectoplasma é uma
questão que se
estende ao longo
do livro. O
autor entende
tratar-se de um
atributo do
organismo, com
propriedades
similares às
substâncias
gasosas e de
composição
desconhecida.
Ele não
apresenta alguns
resultados de
pesquisadores,
como
Schrenk-Notzing,
que fizeram
análises
empregando
métodos químicos
do ectoplasma
expelido por
médiuns de
materialização,
como se pode ler
abaixo:
“Segundo o
resultado desses
dois estudos,
trata-se de
substância
albuminóide
unida a um corpo
gorduroso e com
células análogas
às que se
encontram no
corpo humano.
Particularmente,
notável é o
grande número de
leucócitos; as
expectorações,
por exemplo, não
contêm jamais
tanto. Esta
matéria lembra
fortemente o
líquido
linfático e o
quilo do corpo
humano, sem,
contudo,
ser-lhes
idêntica”. (SCHRENK-NOTZING
apud ANDRADE,
1984, p. 169.)
Baseando-se nos
relatos de
sensações dos
pacientes e nas
observações do
comportamento do
ectoplasma
visível, o autor
defende a
existência de
algumas
propriedades
gerais desta
substância, que
seriam:
a) A semelhança
aos gases, como,
por exemplo, a
possibilidade de
ser percebido no
organismo das
pessoas como
algo volumoso,
que provocaria
inchaço (até ser
expelido
diretamente ou
associado a
secreções e
gases do
organismo, como
a coriza, a
flatulência, as
eructações e as
lágrimas, por
exemplo);
b) Na sua
apresentação
invisível, o
ectoplasma seria
capaz de
provocar
sensações e
percepções
fisiopsicológicas,
tais como
náuseas,
calores, dores,
desconfortos
semelhantes aos
provocados por
ulcerações,
sensação de
falta de ar e de
excreção de
líquidos (sem
que as pessoas
ao redor possam
ver qualquer
substância);
c) O ectoplasma
estaria
associado à
ocorrência de
fenômenos
físicos
(movimentos
espontâneos de
objetos,
formação de
corpos ou parte
de corpos,
quando em sua
forma visível)
descritos na
literatura
espírita,
metapsíquica e
parapsicológica;
d) Ele estaria
sujeito à ação
da força da
gravidade, após
ser expelido
pelo organismo,
nas suas duas
apresentações
(visível e
invisível).
Segundo Tubino,
o ectoplasma se
acumula no
organismo e isso
pode desenvolver
doenças
Esta última
propriedade, no
estado
invisível, é
depreendida das
sensações e
percepções de
pacientes e de
passistas
(o autor evita
este termo em
seu livro).
Tubino reafirma
a idéia de que
esta substância
seria produzida
pelo organismo,
proposta pela
literatura, e
adiciona a
possibilidade de
estar associada
à alimentação e
à ingestão de
amido, com base
no relato de
pessoas
atendidas em seu
trabalho.
Uma proposição
original do
autor, com
diversas
implicações, é a
de que o
ectoplasma se
acumularia no
organismo e que
este acúmulo
poderia até
promover o
desenvolvimento
de doenças.
A lista de
doenças é muito
ampla, e envolve
os diversos
sistemas
orgânicos. O
autor apresenta
o relato de
melhoras em
pacientes
submetidos ao
procedimento de
retirada de
ectoplasma
acumulado, mas,
como se trata de
pesquisa baseada
em observação,
não apresenta o
resultado de
comparações
entre o grupo
experimental e o
de controle, o
que dificulta a
discussão do
chamado efeito
placebo e da
formação
psicológica dos
sintomas.
Haveria também
uma dimensão
psicológica do
acúmulo de
ectoplasma no
organismo, e
este é um dos
temas mais
polêmicos do
livro. Ao
abordar o tema,
Tubino destaca
dois grupos de
sintomas
psicológicos:
labilidade do
humor (e cita
casos de
pacientes
depressivos) e
tendências
paranóicas (que
ele descreve
como vitimização,
melindres etc.).
(1)
O autor faz uma
incursão na
psicanálise e
revê alguns
casos de
pacientes de
Freud, que, em
sua opinião,
apresentariam
mal-estares
semelhantes aos
das pessoas
diagnosticadas
como portadoras
de acúmulo de
ectoplasma.
Encontrando a
palavra
streichen no
texto freudiano,
ele afirma que
Freud aplicou
passes para
aliviar a dor de
Emmy Von R.
Tubino parece
desconhecer que
esta paciente
pertence à
pré-história da
Psicanálise,
período no qual
Freud aceitava a
teoria do
trauma, tratava
através da
hipnose e da
catarse e estava
influenciado
pela teoria da
sugestão de
Bernheim. Com a
mesma paciente,
Freud utilizou
outros recursos
de base
sugestiva para
fazer
desaparecer os
sintomas, como
se lê abaixo:
“Minha terapia
consiste em
eliminar esses
quadros (2),
de modo que ela
não possa mais
vê-los diante de
si. Para
reforçar minha
sugestão, passei
suavemente a mão
por seus olhos
várias vezes”.
(FREUD, Obras
Completas, Vol.
XXII, caso 2.)
Podem os
transtornos
mentais ser
explicados e
tratados
exclusivamente
pela ação do
ectoplasma?
O caso em pauta
é importante,
porque a
paciente não
melhora
substancialmente.
A terapia
hipnótica
sugestiva
possibilita a
supressão de
alguns sintomas,
mas Emmy
desenvolve
posteriormente
outros
equivalentes,
apresentando
recaídas ao
longo da vida.
Freud entende
que seus
sintomas têm
origem
psicológica.
A psicogênese
dos sintomas não
é desenvolvida
satisfatoriamente
no livro. Como
leitor, fico em
dúvida quanto ao
alcance das
afirmações de
Tubino. Os
transtornos
mentais podem
ser explicados e
tratados
exclusivamente
pela ação do
ectoplasma sobre
o organismo?
Sintomas típicos
de transtornos
mentais são
apenas acúmulo
de ectoplasma no
organismo? As
histéricas de
Freud não seriam
neuróticas, mas
pessoas que
acumulam
ectoplasma?
Matthieu Tubino
defende que “a
solução do
problema do
acúmulo de
ectoplasma está
na falta de
‘equilíbrio
interno’ de cada
um” (p. 45) e
entende que o
sistema de
tratamento
focalizado no
ectoplasma
apenas as
auxiliaria a
sentirem-se
melhor enquanto
procuram sua
própria
mudança.
Subentende-se
que a mudança é
uma mudança de
atitudes da
pessoa com base
na ética
espírita e
cristã.
Segue o livro e
o autor volta a
perguntar-se
sobre a
constituição do
ectoplasma. Após
um raciocínio
breve, conclui
que não se pode
concluir que se
trata de algum
gás conhecido,
mas “algo
diferente e, de
certo modo,
ligado ao
sistema
nervoso”, porque
se pode sentir
quando alguém o
toca. Contudo, o
autor não
explica como ele
distinguiu esta
sensação de uma
sugestão
psicológica.
Outra proposta
ousada é a da
origem do
ectoplasma nos
alimentos, ar e
água ingeridos.
Tubino defende a
existência de um
metabolismo
paralelo, e
apresenta como
evidência desta
associação a
presença de
cheiros durante
a liberação de
ectoplasma, como
o cheiro
“semelhante ao
de um cinzeiro
com cigarros
apagados” no
ambiente em que
fumantes são
atendidos. Se
tivéssemos
fumantes, com
abstenção ou
redução de uso
de cigarro e não
ocorresse a
liberação de
ectoplasma,
apenas a
presença em um
outro ambiente,
será que este
cheiro também
não estaria
presente?
O autor descreve
a seguir as
técnicas e
cuidados
empregados por
sua equipe no
trabalho de
liberação de
ectoplasma.
Preparo dos
pacientes,
cuidados com o
ambiente,
técnicas de
manuseio do
ectoplasma, ação
em situações em
que ocorre
mal-estar, entre
outros temas,
são tratados com
objetividade.
A teoria dos
diversos
“corpos”
auxiliaria a
compreensão da
origem mental
das doenças
Por fim, o autor
afirma que
algumas pessoas
aprendem a ter
controle sobre o
seu ectoplasma.
Ele cita alguns
relatos de
pacientes que
alegam a melhora
de doenças
psicossomáticas
após o
tratamento, mas
não se aprofunda
na duração do
seu bem-estar,
dizendo apenas
que esta depende
da já citada
mudança de
atitudes, como o
abandono do
orgulho, da
vaidade, da
cobiça, da
inveja, do
rancor e da
mágoa, entre
outras atitudes
condenadas pelo
pensamento
cristão.
O leitor irá ler
a explicação de
alguns casos de
crianças que
foram submetidas
ao tratamento e
uma discussão
sobre a relação
entre o duplo
etérico e o
ectoplasma. O
autor defende a
idéia de que a
teoria dos
diversos
“corpos” auxilia
a compreensão da
origem mental
das doenças e do
funcionamento
dos remédios
homeopáticos.
Dois temas ainda
compõem o
trabalho em
resenha. A
ectoplasmia
visível,
utilizada pelos
Espíritos, e um
detalhamento da
técnica de
tatear o
ectoplasma, para
fins de
diagnóstico. O
autor é honesto
em afirmar
desconhecer o
processo através
do qual o
ectoplasma
visível se
tornaria
invisível e
vice-versa. Faz
apenas algumas
metáforas com
substâncias
conhecidas que
mudam de
estado.
Ao concluir a
leitura, e com
as reflexões da
resenha, ficam
mais claras as
minhas dúvidas e
a contribuição
do livro.
Tubino propõe
idéias que
possibilitam
algum avanço na
prática de
passes
realizados nos
centros
espíritas, se
devidamente
confirmadas.
Admiro-lhe a
coragem e a
honestidade
intelectuais,
porque no texto
se percebe que
ele também tem
dúvidas, mas não
se furtou de
sistematizar e
expor suas
observações e a
evolução de sua
prática, o que
nos possibilita
criticar, mas,
mais importante,
desenvolver uma
agenda de
pesquisas que
permita testar
as idéias
propostas.
Notas:
(1)
Labilidade, em
Psicologia,
significa
instabilidade
emocional:
tendência a
demonstrar,
alternadamente,
estados de
alegria e
tristeza.
(2)
Nesta situação,
a paciente
sofria com a
recordação de
seus irmãos
jogando animais
mortos nela, o
irmão enrolado
em um lençol e a
visão do corpo
da tia no dia do
enterro. Estas
cenas surgiram
em estado
hipnótico.
Fontes
bibliográficas:
ANDRADE, Hernani
G. Espírito,
perispírito e
alma: ensaio
sobre o modelo
organizador
biológico. São
Paulo:
Pensamento,
1984.