CHRISTINA NUNES
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Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
O
legado de São
Francisco
Comprei durante
a tarde de hoje
um daqueles
globos
terrestres que,
sobre um
pedestal de
cristal, ficam
girando,
girando...
Trouxe-o para
casa, depus
sobre a minha
cômoda, e, ato
contínuo, entrei
em insólito
estado de
meditação
olhando-o por
alguns
minutos. Usufruindo
inexplicável
bem-estar,
vivenciei
a consciência,
naquele momento,
saltando com
facilidade, via
imaginação, para
o espaço puro de
fora da Terra,
abraçando com
equanimidade
todos aqueles
continentes
pequeninos e,
por extensão,
todos os povos
neles existentes
terra adentro, à
beira dos mares,
sobre as
montanhas, ou
nos recôncavos
inimagináveis do
nosso mundo. E,
disso,
lembranças
concomitantes me
vieram.
Durante todos
estes anos,
volta e meia nas
idas ao Centro
do Rio para o
trabalho
diuturno, me
chama a atenção
a atuação dos
homens
singulares que,
em pares
esparsos, e em
locais e dias
diversos,
deslizam,
humildes e
silenciosos, na
extensão das
ruas
tumultuadas,
absortos no seu
serviço de amor
ao próximo e de
abnegação,
certamente
despercebidos da
grande maioria
das massas
agitadas que
transitam
desencontradas
em meio ao
tumulto
desnorteador do
curso das
semanas,
mergulhadas nos
próprios
interesses e
preocupações.
São monges
franciscanos.
Obviamente, dado
o caráter
profundamente
humanitário do
que praticam em
atenção aos
desvalidos invisíveis,
no meio das
turbas urbanas,
representam,
hoje, os poucos
depositários do
verdadeiro
espírito cristão
nos nossos
tempos de
egoísmo crônico
e de selvagem
competitividade.
De dentro do
coletivo,
observo o seu
trabalho durante
os poucos
momentos de que
disponho,
durante um sinal
fechado, ou de
passagem, na
marcha marrenta
do trânsito
entupido de um
dia de semana:
agachados,
cuidam de um
senhor idoso,
barbeando-o ou
prestando-lhe um
cuidado ou
outro. Ainda
estes dias, lá
iam dois deles:
ligeiros,
entretidos
nalgum assunto
absorvente; se
algo calçavam,
era tão
despojado que,
de longe, antes
passavam a
impressão de
andar descalços,
como costumamos
ver nos filmes
cheios de poesia
e de beleza
sobre a vida do
amoroso
Poverello de
Assis.
Ocorreu-me desta
última vez que
aquele quadro me
transportava
estranhamente
para uma
superposição de
dimensões, da
qual brotava a
cena insólita
dos homens de
Deus dedicados
estoicamente,
ainda nos nossos
dias sombrios,
ressequidos de
sentimentos e
prenhes de
mazelas, à
essência do
mesmo ideal puro
existente na
época do
Cristianismo
nascente. O amor
ao próximo,
independendo de
quem seja;
prescindindo de
origens, de
situações
sociais, de raça
e de cor de
pele, de idioma
articulado ou de
ideologias...
Nosso Senhor não
rejeitava
ninguém e
abraçava a
todos. Nas suas
caminhadas por
colinas
perfumadas, por
aldeias situadas
à beira dos
aromas salubres
da maresia e
pelas cidades
movimentadas,
acolhia qualquer
um que se lhe
acercasse em
busca de
lenitivo ou de
esclarecimento,
de socorro aos
males da alma ou
do corpo - ainda
mesmo os
desviados da
intenção que o
buscavam
enceguecidos
pela pretensa
superioridade
com a qual se
iludiam acerca
de si mesmos,
fundamentada
sempre nos
legendários
castelos de
poder
construídos
sobre a
implacável areia
movediça da
passagem dos
séculos. Ia,
pois, ao
encontro dos
desenganados de
corpo e de
espírito; não
desistia de
ninguém – sorria
a todos,
enfim!...
Estamos no
século XXI e,
imersa nas
ondulações
imensas do
ir-e-vir comum a
todas as épocas,
sinto como um
bálsamo
misterioso a
visão anacrônica
daqueles homens
aparentemente
saídos de um
passado
distante, onde a
fé pura e a
confiança
incondicional em
Deus ainda eram
o maior tesouro
reconhecido e
incrustado nas
almas débeis de
esperança, tanto
quanto nas que,
fortalecidas nas
fontes luminosas
do espírito, se
embebiam e se
nutriam desta
nascente fecunda
do único e
verdadeiro
alimento
necessário à
felicidade
humana: o Amor!
E, vendo-os em
ação,
indiferentes ao
peso esmagador
de toda a
conjuntura
ingrata destes
tempos de
escuridão e de
incertezas que a
muitos
desfalecem a
meio caminho,
digo a mim mesma
que –
sim!
Eles ainda
existem!
São aquelas
consciências
que, mesmo
mergulhadas em
corpo na Terra,
vivem noutras
dimensões mais
altas, a partir
das quais
abraçam
estreitamente a
humanidade como
um todo,
independentemente
de onde se situe
cada um que,
perdido nestas
multidões,
se veja vítima
da penúria, da
derrota material
ou do desamparo,
à espera de um
hálito que seja
de afeto e de
compaixão! E o
seu exemplo de
luz, como o de
muitos outros
anônimos em
perambulação
pacata pela
imensidão do
mundo, ainda
agora vem nos
provar que
paira,
inexpugnável, o
Espírito
renovador de
homens e
de épocas que, a
qualquer tempo,
estará presente
como tábua de
salvação para
nos resgatar de
nós mesmos,
e para sustentar
a
nossa convicção
de que não
estamos sós, nem
deserdados da
misericórdia
divina; pois,
por intermédio
destes homens e
mulheres,
autênticos
representantes
de Deus, Jesus
permanece entre
nós, amando,
cuidando,
regenerando,
inspirando em
silêncio... E
convencendo-nos
de que o destino
do homem não é a
desolação
solitária,
mas sim o amor
fraterno, a
ternura entre
irmãos
planetários, a
felicidade
sonhada,
enfim...