RENATO COSTA
rsncosta@terra.com.br
Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
Entendendo o conceito
de ubiquidade
O Evangelho segundo
Mateus, em seu capítulo
18, versículo 20, relata
que o Mestre teria dito
aos seus discípulos:
“... onde estiverem dois
ou três reunidos em meu
nome, aí estou eu no
meio deles”.
A afirmação atribuída a
Jesus pode ser vista por
algum estudioso espírita
como uma figura de
linguagem. Afinal,
sabendo nós que Jesus
não é Deus, mas uma
criatura como todos nós,
apesar de imensamente
mais evoluído, o dom da
ubiquidade parece não
ser a ele atribuível.
Mas, o que será que a
Doutrina nos ensina
sobre o assunto?
Na questão 92, de O
Livro dos Espíritos,
tratando do tema,
perguntou Kardec:
“Têm os Espíritos o dom
da ubiquidade [sic]? Por
outras palavras: um
Espírito pode
dividir-se, ou existir
em muitos pontos ao
mesmo tempo?”
Responderam os
Espíritos:
“Não pode haver divisão
de um mesmo Espírito;
mas cada um é um centro
que irradia para
diversos lados. Isso é
que faz parecer estar um
Espírito em muitos
lugares ao mesmo tempo.
Vês o Sol? É um somente.
No entanto, irradia em
todos os sentidos e leva
muito longe os seus
raios. Contudo, não se
divide”.
Observa-se, na pergunta
92, que Kardec quis
deixar bem claro o que
estava querendo saber,
certamente não para que
os Espíritos o
compreendessem, mas sim
para que aqueles que
viessem a estudar O
Livro dos Espíritos
não ficassem com dúvidas
quanto à questão. Daí o
ter perguntado, a um só
tempo, sobre se os
Espíritos possuem ou não
o dom da ubiquidade e
sobre o que deveria ser
entendido pelo termo
ubiquidade em primeiro
lugar. Ubiquidade é o
mesmo que existir em
mais de um lugar ao
mesmo tempo, é igual a
ser dividido em pedaços,
cada um indo para um
lugar, ou é igual a
existir em um só lugar,
mas ser percebido ou
interagir em vários
lugares ao mesmo tempo?
Os Espíritos, como
fizeram ao longo de toda
a Codificação, deram uma
resposta sábia e
precisa, afirmando que o
Espírito não se divide,
podendo, porém,
irradiar-se “em todos
os sentidos, levando
muito longe seus raios”.
Em outras palavras, o
Espírito é
(existe) em um só lugar,
mas pode estar em
vários, ao mesmo tempo.
Os Espíritos lançaram
mão da bela analogia com
o sol, que existe
em um só lugar, mas
está em uma
infinidade de lugares
onde sua luz e seu calor
são sentidos.
O primeiro sistema de
televisão somente foi
inventado na primeira
década do Século XX, o
que não possibilitou aos
Espíritos uma analogia
ainda mais poderosa que
a do Sol, pois aplicável
a pessoas e não somente
a corpos emissores de
luz. Quando uma
personalidade fala em
cadeia nacional de
televisão, seja um
repórter de um
telejornal, um político,
um jogador famoso ou um
líder de qualquer
natureza, é
perfeitamente lícito
dizer que ele está
nas casas de milhões de
pessoas, mesmo sabendo
todos que ele somente
existe em frente à
câmara que o está
filmando.
O leitor poderá observar
que a pessoa que está
falando em nossa casa
fala a mesma coisa em
todas as outras casas, o
que evidencia que a
analogia da TV ainda é
imprecisa. Concordamos
plenamente. No que diz
respeito ao “em vários
lugares ao mesmo tempo”,
tanto a analogia do sol
quanto a da TV são boas,
mas ambas falham em
caracterizar autonomia
de ação da entidade
existente em um só lugar
em todos os lugares onde
ela está.
Para conseguirmos
entender melhor a
questão da ubiquidade,
portanto, teremos de
lançar mão de outra
abordagem.
Quando estamos
preocupados com
determinada coisa, é
comum nos depararmos com
circunstâncias estranhas
em que nos dá a
impressão de que nossa
mente está em dois
lugares. Vejamos, por
exemplo, o caso de uma
mãe que foi trabalhar e
deixou seu filhinho
doente em casa, apesar
de tê-lo medicado. No
meio de uma reunião, seu
chefe ou um colega
observa que ela está
estranha, confundindo
coisas que não costuma
confundir, e lhe
pergunta: “O que
houve, você está tão
estranha hoje, parece
que está com a cabeça em
outro lugar?”.
Aquilo que o jargão
popular chama de
“estar com a cabeça em
outro lugar” é
exatamente o fenômeno de
que estamos falando.
Nossa mente é um
poderoso processador que
consegue executar vários
processos de raciocínio
ao mesmo tempo. Quando
estamos preocupados é
que se torna mais fácil
percebermos essa
habilidade de nossa
mente. Mas não é só
nesses casos que isso se
torna evidente. Mentes
reconhecidamente
notáveis, em qualquer
área do conhecimento
humano, sempre foram
observadas ocupadas com
várias atividades ao
mesmo tempo e
desempenhando bem em
todas elas.
Nossa análise continua
com a pergunta feita por
Kardec em desdobramento
à resposta
que os Espíritos deram à
questão 92:
a) Todos os Espíritos
irradiam com igual
força?
“Longe disso. Essa força
depende do grau de
pureza de cada um”.
Ora, bem sabemos que
onde pode estar nossa
mente enquanto
encarnados, poderemos
estar como Espíritos
quando nas dimensões
espirituais. Pensemos,
então: se nós, Espíritos
imperfeitos encarnados,
caminhando a tropeços
para frente, submetidos
à pesada influência da
matéria, conseguimos
manter nossa mente em
mais de um lugar ao
mesmo tempo, o que
devemos esperar dos Bons
Espíritos e daqueles que
já alcançaram a
Perfeição?
Nós, enquanto Espíritos
imperfeitos,
conseguiremos estar em
uns poucos lugares ao
mesmo tempo quando no
plano espiritual. Na
medida em que formos
evoluindo, no entanto,
aumentará a quantidade
de lugares em que
poderemos estar ao mesmo
tempo, primeiramente
vários, depois, muitos,
para, finalmente, quando
atingirmos a condição de
Espíritos Puros,
lograrmos estar ao mesmo
tempo em toda parte onde
formos convocados. Para
que não tenhamos dúvida
de que isso um dia irá
ocorrer, convém
lembrarmos a promessa
que nos fez nosso amado
Mestre Jesus:
“... onde estiverem dois
ou três reunidos em meu
nome, aí estou eu no
meio deles”.
Alguém julga que Jesus
estava falando em
sentido figurado ou
temos na promessa do
Mestre uma confirmação
inequívoca do dom da
ubiquidade?
Referência:
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
74 ed.
Rio de
Janeiro:
FEB, 1995.