ÂNGELA MORAES
anjeramoraes@hotmail.com
Bauru, São Paulo
(Brasil)
O
sentido da
dedicação
“Tudo
quanto fizerdes,
quer de
palavras, quer
de obras, fazei
tudo em nome do
Senhor Jesus,
dando por Ele
graças a Deus
Pai.”
(Paulo,
Apóstolo;
Colossenses,
3:17.)
Regina era uma
moça inteligente
e sensível,
tinha boas
relações de
amizade e um
trabalho por
vezes
desafiador, que
lhe apetecia o
espírito
batalhador. Nas
contas da moça,
em talvez um a
dois anos
conseguiria a
promoção tão
desejada, se
tudo saísse da
maneira como
planejava.
Mas não saiu.
Por um desses
reveses
da vida,
o fato é que
certo
formigamento
começou a lhe
atrapalhar os
movimentos da
mão direita,
primeiro quase
imperceptivelmente,
depois com mais
vigor, até que
por fim não
conseguia fechar
os dedos, ainda
que para segurar
uma agulha. Deu
pouca
importância ao
fato e foi
compensando a
‘bobeira’ da mão
direita com a
esquerda, que
acabou entrando
igualmente em
formigamento
para terminar
sem força
alguma. Ou seja,
em cerca de duas
semanas, Regina
viu-se
absolutamente
incapacitada de
digitar e fazer
movimentos
simples.
Consultado o
especialista,
corriqueira
tendinite
explicava o
quadro, mas para
curar-se haveria
de se livrar da
tarefa da
digitação por
pelo menos
noventa dias.
Três meses!!!
O espírito
ansioso de
Regina
desesperou-se:
nesse tempo,
tudo poderia
acontecer!
Perderia
oportunidades
profissionais,
cederia lugar a
outras colegas
em suas tarefas,
seria esquecida.
No dia seguinte,
compareceu ao
escritório com o
laudo médico em
mãos e um
profundo
abatimento no
rosto. O chefe
sentenciou, com
justeza:
– Teremos que
afastá-la por
pelo menos
quinze dias e,
voltando,
acharemos outra
função que possa
desempenhar até
que esteja
totalmente
curada.
– Outra função?
Desesperou-se
ainda mais.
Parecia que
tinha dois
cérebros
funcionando ao
mesmo tempo: um
lançava
especulações
sobre as
possíveis
funções. O que
faria??? –
reclamava seu
orgulho. O outro
cérebro
amaldiçoava o
destino e
rebelava-se
contra Deus, que
permitira
tamanha
“injustiça”.
Passados os
quinze dias em
casa, Regina
voltou ao
consultório algo
melhor, mas
ainda longe da
completa cura.
– Separamos um
trabalho que é
de suma
importância que
seja feito, mas
ninguém tem
tempo para
fazê-lo e não
envolve
digitação –
disse o chefe.
Regina foi
levada até a
edícula que
ficava no fundo
do escritório.
Haveria de
organizar os
milhares de
documentos e
processos que
estavam
empilhados à
revelia. Turvou
os olhos em
lágrimas e
revolta,
debateu-se em
ideias de pedir
a conta, ou de
arrancar do
médico um
atestado
qualquer, mas
sabia que não
escaparia do
longo caminho
que tinha pela
frente.
Chegou a casa e
jogou-se na
cama, como quem
quisesse
desligar-se em
um sono que
levasse noventa
dias para
acabar. Em meio
a pensamentos
desconexos, no
entanto,
lembrou-se de
tomar o
Evangelho e
abrir
aleatoriamente,
conforme sua mãe
costumava fazer.
Foi então que
elevou o
pensamento a
Jesus e pediu
uma explicação,
um consolo.
Abriu nas cartas
de Paulo aos
Colossenses, em
que o nobre
apóstolo dizia:
“Tudo quanto
fizerdes, quer
de palavras,
quer de obras,
fazei tudo em
nome do Senhor
Jesus, dando por
Ele graças a
Deus Pai”.
Leu novamente.
Que queria dizer
com graças ao
Pai? Deveria
agradecer pelo
infortúnio de
que se sentia
vítima? Leu de
novo. Obras. É,
realmente não
tinha muitas
obras de
caridade no
currículo,
talvez faltasse
isso.
Imaginou-se
punida por não
ter sido
caridosa. Nesse
ponto da
reflexão, seu
mentor
espiritual
interferiu em
seus
pensamentos,
ajudando-a:
– Regina, minha
querida, observe
que o
ensinamento do
apóstolo é de
amor, não de
punição. Faça
tudo com amor.
Obras, palavras,
pensamentos:
amor! Trabalho,
relacionamentos,
desejos:
compreensão!
Arquivo, chefe,
ansiedade:
dedicação!!!
Neste ponto,
Regina abriu os
olhos. De
repente, sentiu
clarear suas
ideias, seus
ânimos se
acalmaram e tudo
passou a fazer
mais sentido:
dedicação. Nunca
saberia o motivo
de suas mãos se
recusarem a
trabalhar, mas
poderia usar a
oportunidade que
Deus lhe estava
apresentando da
melhor maneira
que pudesse. Se
fora incumbida
de reorganizar
aquela bagunça
gigantesca, que
aquela fosse a
maior faxina que
o escritório já
houvera visto!!!
Enquanto o
tratamento ia
sendo realizado,
a medicação
administrada e
os exercícios
diários de
fisioterapia
fossem
avançando, a
cura haveria de
vir. Aliás, se
pensasse bem, já
estava era
atrasada: pelo
tamanho da
bagunça, corria
o risco de
curar-se antes
de terminar o
trabalho. Com
esse pensamento
de urgência, seu
espírito se
motivou.
Nos dias que se
seguiram, Regina
passou a fazer
exatamente o que
havia se
proposto:
primeiro criou
categorias para
os documentos e
fora separando,
tendo o cuidado
de olhar se eram
casos sigilosos
ou não,
relevantes ou
não, para que
tivessem a
devida
armazenagem.
Nessa tarefa
levou vários
dias, ao final
dos quais grande
conhecimento
havia passado
pelos seus
olhos. Aprendera
com os processos
encerrados ali
mais do que na
faculdade e no
seu breve
período de
experiência
profissional.
Depois de
separados,
conversou com o
chefe sobre a
necessidade de
investirem em
muitos novos
arquivos de
gavetas. Quando
o chefe lhe
mencionara sobre
o custo,
posicionara-se
maduramente:
– Seu Marcos, o
que temos
naquele arquivo
são documentos
da mais alta
importância.
Todo o histórico
do escritório
está ali, sem
falar que
qualquer
acionamento
jurídico que
venhamos a
sofrer irá
necessitar
daqueles
contratos para
nossa justa
defesa.
– Tem razão –
concordou,
admirando-se da
postura
amadurecida de
Regina.
Ao final do
terceiro mês, o
arquivo estava
pronto,
limpíssimo e
organizado. Sem
perceber, as
mãos de Regina
foram voltando
ao normal,
conforme o
avanço do seu
tratamento e o
novo foco do seu
espírito.
Prestes a
retornar ao seu
cargo novamente,
Regina se
lembrou da
passagem bíblica
que lera e
pensou que sem
dedicação, sem
caprichar nos
detalhes, sem
ter carinho e
cuidado com cada
papel dali, não
teria
conseguido.
“Fazer tudo com
amor”,
dissera-lhe o
nobre apóstolo.
Agradeceu
intimamente ao
Pai e entendeu
que o conceito
que tinha de
dedicação não
era nada
parecido o que
houvera vivido
até ali. Na
verdade, nunca
havia se
aprofundado
daquela maneira
em cada um de
seus trabalhos,
sempre ansiosa e
ávida pelo
próximo,
beirando muitas
vezes
a
desmotivação. E
agora, ao final
dessa jornada,
sentia-se
fortalecida
moralmente, com
mais paciência e
atenção, além do
grande
conhecimento que
tivera acesso e
que lhe seria
muito útil no
futuro. Mais que
isso, aprendera
a valorizar cada
tarefa, por
menor que fosse,
dando graças ao
Deus Pai, pela
oportunidade
bendita de
aprendizado que
havia em cada
uma delas.
Ângela Moraes,
35, de Bauru
(SP), jornalista
e estudiosa
espírita há
cerca de 20
anos, é editora
do Boletim
CEAC
(Centro Espírita
Amor e Caridade,
de Bauru) e
participa do
programa de
rádio
Diálogos
Espíritas,
da Rádio
Bandeirantes AM
1160 Hz.