MILTON R.
MEDRAN MOREIRA
medran@via-rs.net
Porto Alegre,
Rio Grande do
Sul (Brasil)
O Pequeno
Buda
No filme O
Pequeno Buda,
com Keanu Reeves,
um menino
americano
conhece um grupo
de monges
tibetanos que
asseguram ser
ele a
reencarnação de
um mestre
budista. Sob a
incredibilidade
inicial, pais e
filho partem
rumo ao país
asiático onde se
deparam com
crenças e formas
de vida muito
distintas das
suas e da
própria maneira
de vida do
Ocidente.
Monges budistas
costumam
percorrer o
mundo atrás de
sinais que
caracterizariam
a reencarnação
de mestres do
passado. Essas
crianças por
eles
identificadas
como tulkus (mestres
reencarnados),
depois de
convencidos e
doutrinados seus
pais, terminam
sendo afastadas
da família para
se submeterem a
uma rigorosa
vida monástica.
Tudo sob a
crença de que
são seres
predestinados
que, já na
encarnação
anterior, teriam
dado sinais a
respeito de onde
haveriam de
reencarnar para,
dali, serem
levadas a
mosteiros nos
quais irão se
preparar para
uma nova missão
búdica.
Inclusive no
Brasil já surgiu
um desses
pequenos budas:
Michel Lenz
Calmanovitz,
hoje conhecido
como o lama
Michel Rimpoche.
Desde os 12
anos, esse
paulista,
nascido em 1981
de pai judeu e
mãe
presbiteriana,
vive num
monastério no
Sul da Índia.
Ainda muito
pequeno,
contrariando as
tradições
religiosas de
seus genitores,
começou a falar
em coisas como a
busca da
iluminação, a
roda das
reencarnações, a
supressão de
desejos e
paixões, e não
descansou
enquanto não
viajou à Índia e
ao Nepal com
seus pais. Lá
terminou sendo
reconhecido como
reencarnação de
um grande mestre
tibetano, pediu
para envergar
paramentos de
lama e, em 1994,
terminou por se
internar num
mosteiro, onde
vive sob um
rígido regime de
estudos, orações
e trabalho.
Mas nem sempre
as coisas
acontecem sob
esse mesmo
figurino. A
edição nº
2117 da revista Veja publicou
reportagem
contando a
história do
espanhol Osel
Hita Torres que,
na década de 70,
aos 4 anos, foi
reconhecido como
um tulku.
Seus pais eram
budistas e
receberam a
notícia como um
presente dos
céus. Permitiram
que o garoto
fosse levado a
um mosteiro no
Norte da Índia,
onde foi criado
com a dureza
exigível de um
legítimo Buda.
Só que Torres
não aguentou. E,
aos 18 anos,
época em que
desejos e
paixões,
normalmente,
falam mais alto
que a busca da
iluminação,
terminou
deixando o
monastério.
Hoje, com 24,
circula por
Hollywood, onde
fez faculdade de
cinema e já
atuou como
assistente de
produção de um
filme. Dias
atrás,
entrevistado, o
“ex-Pequeno
Buda” se queixou
da violência que
teria sofrido na
sua infância, ao
ser retirado da
companhia dos
pais para ser
internado no
monastério. Diz
não ter saudade
alguma dos
tempos em que
foi mantido
afastado do
mundo, rezando e
estudando
filosofia
budista.
Teriam os monges
que
identificaram
Torres como um
Buda errado o
diagnóstico? Ou
será que alguém
que, numa
encarnação,
conquista essa
chamada
“iluminação
búdica” não
terá, mesmo,
mais direito a
ter desejos, a
ser simplesmente
humano? E como
tal, viver a
vida de um novo
jeito, conviver
com a cultura e
a família na
qual reencarna,
adaptar-se ao
mundo que o
rodeia,
trabalhar no que
gosta e
encontrar outras
formas de
realização
pessoal?
É comum entre
nós conferir a
esses modelos
espiritualistas
de outros
quadrantes uma
certa aura de
superioridade.
E, no entanto, a
filosofia
espírita, como
proposta afinada
com o mundo
moderno, condena
o ascetismo,
estimula e
valoriza os
laços de família
e vê o mundo,
com seus
desafios e
contradições,
como cenário
ideal para o
progresso do
Espírito na
convivência com
o diferente e na
plena vivência
do pluralismo.
Na verdade, o
Espiritismo é
uma
revolucionária
proposta de
dessacralização
e desmitificação
do mundo, sob a
ótica da
imortalidade e
da reencarnação,
vistas
simplesmente
como leis
naturais.