WILSON CZERSKI
wilsonczerski@brturbo.com.br
Curitiba, Paraná
(Brasil)
Corruptos, filantropos,
a sociedade e um futuro
Num
momento particularmente
triste da história
brasileira, quando a
mídia não para de
escancarar o mar de lama
que, com a força de um
tsunami imoral, atinge
toda a sociedade, é de
se perguntar se resta
alguma esperança. Dentro
do propósito de examinar
o que a filosofia
espírita oferece para
coibir o mal e predispor
o indivíduo a obter a
felicidade, não podemos
deixar de mencionar os
fatos lamentáveis que
envergonham o país.
Segundo organismos
internacionais
especializados, somos um
dos campeões mundiais em
corrupção, fazendo
companhia a alguns
países africanos
insignificantes, e
parece que quanto mais
se denuncia,
investiga-se e prende-se
gente com ela envolvida,
sempre mais ela ocorre.
Mas por que essas
pessoas abrem mão tão
descaradamente de sua
dignidade para
apropriar-se
fraudulentamente do
dinheiro alheio? Que
tipo de ambição
desenfreada e estúpida
está por trás da
ausência de caráter
capaz de esquecer todos
os escrúpulos para com
sua consciência e
avançar tão afoitamente
no dinheiro público?
Na questão 922, de O
Livro dos Espíritos,
somos esclarecidos que a
felicidade resume-se,
para a vida material, na
posse do necessário e,
para a vida moral, na
consciência tranquila e
na fé no futuro. Está
claro que os corruptos
não são felizes e não
possuem consciência nem
fé no futuro,
preocupados que estão
unicamente com o hoje,
ao máximo possível e a
qualquer custo. Seguem
totalmente iludidos pelo
desejo irrefreável de
TER, esquecidos de
valorizar o SER,
ignorando sua própria
natureza de essência
divina em trajetória
imortal, provisoriamente
instalada num corpo de
carne e num mundo do
qual nada levarão exceto
as experiências e o
resultado moral de seus
atos. Buscam
ensandecidos muito mais
do que necessitam e,
como se diz, não estão
nem aí para a
consciência amordaçada
pelo egoísmo, orgulho,
inveja e ambição.
Poderiam aprender algo,
se não querem fazê-lo na
fonte das religiões e
das filosofias, com
alguns exemplos
humanitários.
Anunciou-se que, como
consequência direta do
empenho do então
primeiro-ministro inglês
Tony Blair (isso no meio
do ano de 2005), o G-7,
grupo dos sete países
mais ricos do mundo,
estaria perdoando uma
dívida de 40 bilhões de
dólares de 18 países
africanos, Honduras e
Bolívia, mergulhada
naquela época em grave
crise política e social.
Entre 1997 e 2002, o
mesmo G-7 já havia gasto
234 bilhões de dólares
com ajudas
internacionais.
Bill Gates, o
multimilionário dono da
Microsoft, em 2001
anunciou a doação de 100
milhões, sempre em
dólares, para o combate
da AIDS, principalmente
na África onde estão 70%
dos afetados pela doença
e afirmou: “as vítimas
da AIDS na África não
são só números” e ”suas
mortes é como se
perdêssemos um amigo ou
parente”. De 1999 a
2003, ele doou 22,9
bilhões – valor superior
à somatória dos outros
19 filantropos de uma
lista de 20 -, inclusive
ao Brasil, em cursos de
informática nas favelas
cariocas e já avisou que
98% de seu patrimônio de
cerca de 60 bilhões de
dólares serão repassados
à fundação por ele
criada.
Mas Gates não é o único.
O americano Walter
Hubbert Annenberg, ao
morrer em 1994, doou
metade de sua fortuna
(2,5 bilhões). Em 2002
as doações dos
americanos somaram 240
bilhões, cerca da metade
do PIB brasileiro. Agora
a maioria dos ricaços
doa ainda em vida,
através de fundações.
Assim controlam melhor a
destinação do dinheiro,
evitam fraudes e exigem
resultados mensuráveis,
eficiência e
transparência. Quem
recebe tem que se
profissionalizar e nisto
tudo tem um papel
importante a ética
protestante prevalecente
nos EUA onde se destaca
a responsabilidade
individual no
desenvolvimento social.
Os novos doadores
preocupam-se menos com
artes e mais com saúde e
educação. Outra
preocupação deles é não
deixar grandes heranças.
“Se eles têm tanto
dinheiro que lhes falta
motivo para sair da cama
de manhã, estaremos lhes
fazendo muito mal”,
afirmou James Stower, o
quinto do ranking,
referindo-se aos filhos.
E aqui, será que alguém
pensa e age parecido? O
médico Antonio Massigla,
em março de 2003, doou
85 mil dólares à
Faculdade de Medicina da
USP de Ribeirão Preto.
Já o ex-aluno da UFMG, o
banqueiro Aloysio de
Faria, destinou 4,3
milhões de dólares ao
Hospital de Clínicas de
Belo Horizonte e Luiz de
Queiroz, ex-aluno de
agronomia da
USP-Piracicaba, deixou
em testamento uma
fazenda avaliada em 16
milhões de dólares.
Nomes que precisam ser
reverenciados em
contraposição a todos
aqueles que poluem as
páginas dos jornais e a
mente dos cidadãos
honestos.
Henrique Prata é um
pecuarista com
patrimônio avaliado em
50 milhões de dólares,
mas frequentemente é
encontrado percorrendo
os gabinetes de
políticos em Brasília
pedindo recursos. Não
para si, como frisa a
reportagem da revista
Veja de 29 de abril
deste ano, mas para
manter funcionando o
Hospital de Câncer de
Barretos – SP. Há 20
anos o hospital fundado
pelo pai atravessava
dificuldades. Assumiu a
administração, saneou as
finanças e pediu a 40
amigos doação individual
de mil dólares para
construir uma nova sede.
Hoje o serviço consome
11 milhões de reais por
mês, dos quais 7,5 vêm
do SUS. Além dos
políticos que se referem
a ele como o “chato do
hospital”, artistas como
Ivete Sangalo, Xuxa e
Leonardo colaboram com
ele. Duas mil pessoas, a
maioria esmagadora de
pobres, são atendidas
diariamente sem nenhuma
cobrança, além de
receber alojamento e
alimentação. Prata não
declara quanto de seus
próprios recursos aloca
no hospital.
Estes são alguns dos
grandes e generosos
afortunados, mas há
outros milhões, mesmo
aqui no Brasil,
anônimos, solidários,
que oferecem o auxílio
pelo trabalho voluntário
ou diretamente em
valores, às vezes, muito
singelos tal como o
precioso óbolo da viúva
citado por Jesus. O
mundo e o Brasil estão
mudando para melhor,
apesar de tudo. As
crises são sintomas de
mudanças e as conquistas
sociais têm um preço.
Não deixemos que eles
estraguem nossas vidas,
sabotem nossas
esperanças neste futuro
promissor para nossos
filhos, netos e,
certamente, para quase
todos nós quando de
retorno pelas portas da
reencarnação.
E por falar nisso,
quanto aos corruptos,
paradoxalmente só devem
inspirar nossa mais
profunda compaixão.
Ainda conforme palavras
do Cristo, certamente
não sabem o que fazem.
Se soubessem que, mesmo
contando com uma chance
razoável de escapar da
justiça terrena – na
complacência da
brasileira
principalmente –, não
terão igual sorte em
relação à divina,
agiriam de outra forma.
Mais cedo ou mais tarde,
na atual ou na próxima
encarnação e
especialmente no
interregno entre elas,
arcarão com as duras
consequências de seus
delitos.
Portanto, interpretações
à parte, se o camelo
evangélico era um animal
ou uma grossa corda mais
capaz de passar no
buraco de uma agulha do
que um rico entrar no
reino dos céus, somado à
informação dos Espíritos
de que a prova da
riqueza é sempre mais
perigosa do que a sua
oposta, o fato é que
devemos estar sempre
vigilantes para com o
próprio comportamento em
relação aos “talentos”
que nos foram cedidos
por empréstimo. Ainda
que um volume de
recursos nos tenha
chegado às mãos
legitimamente, fruto do
trabalho e competência,
cuidado especial deve
ser dado ao emprego dos
mesmos. Estamos sendo
fiéis depositários da
confiança divina ou
estão servindo
exclusivamente para
satisfazer caprichos
pessoais e egoísticos?