EDUARDO AUGUSTO
LOURENÇO
eduardoalourenco@hotmail.com
Americana, São
Paulo (Brasil)
A pureza do
coração
“Mas o Senhor
disse a Samuel:
Não atentes para
a sua aparência,
nem para a
grandeza da sua
estatura, porque
eu o rejeitei;
porque o Senhor
não vê como vê o
homem, pois o
homem olha para
o que está
diante dos
olhos, porém o
Senhor olha para
o coração”
(Samuel 16:7).
Entre os antigos
egípcios, o
coração
simbolizava a
dimensão moral e
espiritual que,
aliás,
se complementam,
sendo
identificado
como órgão único
da vida material
e também como
centro da vida
espiritual. É do
coração que
jorra a fonte
cristalina da
vida, segundo um
texto gravado em
uma pirâmide do
Alto Império.
Por isso que no
ritual de
mumificação dos
mortos era o
único órgão
preservado e,
depois,
recolocado no
corpo. Como
centro da vida
moral, as ações
humanas nascem
do coração e lá
também se
depositam para o
bem, ou para o
mal. Tanto que o
nosso coração
necessita ser
purificado
através das boas
emoções pautadas
no amor e na
caridade cristã,
como vemos nos
Salmos: “Cria em
mim, ó Deus, um
coração puro, e
renova em mim um
espírito
estável”
(51:10).
Os egípcios
diziam que a
mente/alma (BA)
era uma entidade
invisível e
imortal que
seria julgada
após a morte do
corpo pelos seus
atos durante a
vida. O coração,
órgão que servia
de sede para a
alma, era capaz
de recordar tudo
o que foi feito
enquanto vivo.
Na morte, o
coração seria
pesado contra
uma pluma e
conforme seu
peso a pessoa
seria julgada
culpada ou
inocente.
Durante a
cerimônia da
pesagem do
coração era
decidido se o
sujeito seria
mandado para o
paraíso ou
serviria de
alimento para a
figura
mitológica
parecida com um
crocodilo
chamado de
Devorador.
Para os antigos
semitas, o
coração não é
somente o órgão
indispensável
para a vida do
corpo: ele é o
centro de toda
vida psicológica
e moral, da vida
interior.
Sendo o foco das
faculdades
espirituais e da
vida moral, o
coração é sede
da sabedoria, da
memória, da
vontade, das
disposições da
alma, das
paixões e
sentimentos, dos
desejos, da
consciência. No
sentido
transcendental e
religioso, é
pelo coração que
o homem forma e
constitui o
reino celestial,
ligando-se ao
Criador e com
todo o universo,
fazendo morada
dos nobres
sentimentos.
Toda a mensagem
do Cristo se
resume no amor e
o coração é o
símbolo máximo
do Cristianismo.
Os nossos
corações podem
encontrar paz em
saber que tudo
está sob o
controle do
Criador, diz o
apostolo amado
João
Evangelista:
“Nisto
conheceremos que
somos da
verdade, e
diante dele
tranquilizaremos
o nosso coração;
porque se o
coração nos
condena, maior é
Deus do que o
nosso coração, e
conhece todas as
coisas”
(3:19-20).
Já os gregos
antigos, por
meio de
textos como os
de Homero,
Hesíodo e
Ésquilo,
observando o
cardiocêntrica,
em que o termo
kardia
coloca o
universo
expressando o
movimento e ação
em constante
transformação e
evolução,
identificam o
indivíduo na sua
integralidade.
Aristóteles
(384-322 a.C.)
afirmava que o
coração era o
órgão do
pensamento, das
percepções e do
sentimento,
enquanto o
cérebro seria
importante para
a manutenção da
temperatura
corporal, agindo
como um agente
refrigerador.
Segundo ele, os
nutrientes
subiriam pelos
vasos sanguíneos
e, uma parte
deles, uma
espécie de
refugo, seria
resfriada no
cérebro,
transformando-se
em líquido, de
uma forma
semelhante à que
ocorre com a
água na
natureza, quando
se forma a
chuva. Ao
contrário, o
filósofo Platão
dizia que a alma
se encontrava no
cérebro.
Platão colocava
que é pelo
cérebro que se
experimenta de
maneira sensível
a ação de
pensar,
atividade
superior por
excelência e
definidora da
essência humana,
enquanto ser
racional. Já o
coração, Platão
dizia que é a
“alma sensitiva”
ou “emocional”,
o princípio dos
sentimentos e
paixões como a
cólera ou a
coragem. Tal
noção significou
um divisor de
águas na
história das
concepções sobre
o coração
humano.
Allan Kardec, na
obra “O Livro
dos Espíritos”,
na questão 146,
pergunta: A alma
tem, no corpo,
uma sede
determinada e
circunscrita?
Resposta:
Não. Mas ela se
situa mais
particularmente
na cabeça, entre
os grandes
gênios e todos
aqueles que usam
bastante o
pensamento, e no
coração dos que
sentem bastante,
dedicando todas
as suas ações à
humanidade.
Tanto Platão
como Aristóteles
tinham razão, a
alma se encontra
mais
particularmente
nos órgãos que
servem para as
manifestações
intelectuais e
morais,
contribuindo
assim para o
progresso da
humanidade,
repartindo seus
talentos para o
bem-estar do
próximo.
A verdade é que
a evolução só
ocorre com a
dedicação da
caridade de todo
nosso coração. O
apóstolo Paulo
diz: “Mas graças
a Deus que,
embora tendo
sido servos do
pecado,
obedecestes de
coração à forma
de doutrina a
que fostes
entregues”
(Romanos 6:17).
Ainda
acrescenta:
“Mas, como está
escrito: As
coisas que olhos
não viram, nem
ouvidos ouviram,
nem penetraram o
coração do
homem, são as
que Deus
preparou para os
que o amam”
(Coríntios,
2:9).
Santo Agostinho,
em suas
reflexões
filosóficas e
teológicas, diz
que o coração
tende a ser
compreendido em
um sentido
metafórico
enquanto imagem
de alma ou
espírito, na
esfera mais
existencial e
mística de sua
obra,
particularmente
em suas
Confissões,
o termo coração
aparece com
insistente
frequência,
significando a
intimidade mais
profunda da
pessoa, a
palavra “pela
qual se define a
individualidade
de nosso ser”.
Tanto que ele
diz: “Com o
coração se pede.
Com o coração se
procura. Com o
coração se bate
e é com o
coração que a
porta se abre”.
O coração
renovado é um
ser reformado,
regenerado e
transformado;
não nos
referimos ao
órgão do corpo
humano, mas sim
à alma, sede das
emoções, dos
sentimentos,
pensamentos e
vontade. Um
coração sem
culpa, trauma,
dor,
ressentimento,
mágoa e
tristeza. Os
Upanishades,
escrituras
hindus, dizem
que: “Quando o
uso dos
sentimentos é
purificado, o
coração se
purifica. Quando
o coração é
purificado,
existe uma
constante
lembrança do Eu
superior. Quando
existe uma
constante
lembrança do Eu
superior, todos
os vínculos são
desfeitos e a
liberdade
espiritual é
alcançada”. O
hinduísmo ainda
diz que: “Dentro
da cidade de
Brahman, que é o
corpo, existe o
coração, e
dentro do
coração existe
uma pequena
casa. Essa casa
é como um lótus.
Dentro dela mora
aquilo que deve
ser procurado,
investigado e
percebido”.
Em “O
Evangelho
segundo o
Espiritismo”,
no capítulo
VIII, item 7,
temos que: “a
pureza de
coração e a
pureza de
pensamentos
caminham juntas.
Só é puro de
coração quem é
puro de
pensamentos. Se
o pensamento é
torpe, o coração
não pode ser
puro. Significa
dizer que a
pureza, reflexo
de um sentimento
acrisolado, teve
seu nascedouro
no pensamento
puro”.
Por isso diz
Jesus em seu
Evangelho:
“Bem-aventurados
os puros de
coração, pois
verão a Deus”
(Mateus 5:8);
a palavra “puro”
na língua grega
tem a mesma raiz
da palavra
“catarse”.
Quando entramos
num processo de
catarse,
passamos por uma
experiência bela
e profunda, num
mecanismo de
autoanálise,
como se
fizéssemos uma
faxina, limpando
e removendo
qualquer
impureza e toda
sujeira mental
impregnada nas
entranhas da
alma.
Para termos um
coração puro, um
coração
purificado pela
reforma que
regenera nosso
modo de vida, mais
do que um corpo
puro, Jesus
exige um coração
puro, uma mente
pura, liberta
das escravidões.
Por isso ele
dizia: “Não é
aquilo que entra
pela boca que
mancha o homem,
mas aquilo que
sai dele...
Porque é do
coração que
provêm os maus
pensamentos, os
homicídios, os
adultérios, as
impurezas, os
furtos, os
falsos
testemunhos, as
calúnias”
(Mateus 15,10:
19). Os puros de
coração agem por
amor, pelas
virtudes nobres,
verão a Deus
porque
reconheceram
suas leis, ou
seja, receberão
o dom da
Inteligência, ou
melhor, da
sabedoria
divina.
O coração para
muitas correntes
espiritualistas
é tido como o
centro da
personalidade,
sendo a sede dos
afetos, das
emoções e da boa
vontade, criando
o homem na sua
totalidade.
Jesus dizia que
a pureza através
da mansidão
deveria fazer
parte da rota
que guia nossas
vidas, começando
em cada pequena
atitude, como em
nossos
pensamentos,
emoções,
motivações,
desejos e
vontade.
Do coração
também procedem
todas as nossas
dificuldades; o
Mestre dizia:
“Porque do
coração procedem
maus desígnios,
homicídios,
adultérios,
prostituição,
furtos, falsos
testemunhos,
blasfêmias”
(Mateus 15:19).
O meio ambiente
pode nos
influenciar,
quando a nossa
alma é
tendenciosa.
Procedem também
do coração todas
as belezas, a
justiça, a
misericórdia, o
amor e a
caridade; o
coração é fonte
da nobreza
altruísta, é luz
que ilumina o
desânimo, a
descrença, a
discórdia, a
revolta e a
frustração. O
homem deve
guardar em seu
coração a
pureza, a
mansidão, a
humildade,
cultivando a
prece e vigiando
seu
comportamento
perante o
próximo. O rei
Davi orou: “Que
as palavras dos
meus lábios e o
meditar do meu
coração sejam
agradáveis na
tua presença”.
Às vezes vemos a
prática de
alguns
comportamentos
que parecem ser
puros, mas no
fundo esta
pureza exterior
pode ser apenas
aparente,
mascarando
nossas
verdadeiras
intenções, mas
Deus não vê a
aparência, e sim
o coração. Jesus
condenou a
hipocrisia dos
fariseus que
mantinham uma
santidade
exterior, mas
eram impuros por
dentro. Limpavam
o exterior do
copo, mas havia
sujeira dentro.
Eram como
sepulcros
caiados (Mateus
23:25, 27). Os
fariseus eram
bons apenas na
aparência. Por
isso Jesus
disse: “Se a
vossa justiça
não exceder em
muito a dos
escribas e
fariseus, jamais
entrareis no
Reino dos céus”
(Mateus 5:20).
O coração é
morada do
Criador, dele
procede o maior
espetáculo da
vida, chamado
amor. O corpo é
o templo do
espírito, o
coração é o
palco sagrado da
caridade. “Deus
habita com o
abatido e
contrito de
coração” (Isaías
57:15). “O
coração puro é o
paraíso de Deus,
onde ele se
deleita em
habitar”
(Efésios 3:17).
O codificador
Allan Kardec, na
obra “O Livro
dos Espíritos”,
na questão 108,
pergunta: Qual é
a sede da alma?
– A alma não
está, como
geralmente se
crê, localizada
num particular
do corpo; ela
forma com o
perispírito um
conjunto
fluídico,
penetrável,
assimilando-se
ao corpo
inteiro, com o
qual ela
constitui um ser
complexo, do
qual a morte não
é, de alguma
sorte, mais que
um
desdobramento.
Podemos
figuradamente
supor dois
corpos
semelhantes na
forma, um
encaixado no
outro,
confundidos
durante a vida e
separados depois
da morte. Nessa
ocasião um deles
é destruído, ao
passo que o
outro subsiste.
Durante a vida a
alma age mais
especialmente
sobre os órgãos
do pensamento e
do sentimento.
Ela é, ao mesmo
tempo, interna e
externa, isto é,
irradia
exteriormente,
podendo mesmo
isolar-se do
corpo,
transportar-se
ao longe e aí
manifestar sua
presença, como o
provam a
observação e os
fenômenos
sonambúlicos.