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Crônicas e Artigos
Ano 3 - N° 130 – 25 de Outubro de 2009
WASHINGTON L. N. FERNANDES
washingtonfernandes@terra.com.br
São Paulo - SP (Brasil)


A Inquisição na Espanha só acabou em 1834


Em outubro, no Movimento Espírita, além de ser recordada a data natalícia do Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, em 3 de outubro de 1804, costuma-se também evocar a dia do Auto-de-Fé de Barcelona, ocorrido em 09/10/1861, quando cerca de 300 obras espíritas foram queimadas em praça pública, sob orientação do bispo da cidade. Em verdade, este Auto-de-Fé não foi o primeiro, pois a Espanha possui uma trajetória religiosa com várias implicações inquisitoriais, as quais vale a pena comentar.  

Apesar de a Revista Espírita, no mês de novembro de 1861, trazer como primeiro artigo de Allan Kardec, Os Restos da Idade Média, em verdade a Inquisição na Espanha não se encerrou na Idade Média, mas sim em 1834, conforme veremos. 

Fogo contra Ideias

Os Reis católicos Fernando (1452-1516) e Isabel (1451-1504) que reorganizaram em Espanha, em 1478, a Inquisição (lat. Inquisitio, onis – indagação, investigação, pesquisa), ou Santo Ofício, a qual havia sido criada em 1184, pelo Concílio de Verona, como tribunal permanente da Igreja Católica, para investigar e combater as heresias. A bem dizer, ela se revestiu de maior força na França, Alemanha e Itália, tendo pouca atuação na Hungria, Boêmia e Polônia, e nunca penetrou na Escandinávia. Na Inglaterra, atuou uma única vez, em 1309, contra os templários ingleses. Na Espanha, ela se revestiu de particular violência contra judeus, cristãos novos e mouros não convertidos. Somente contando-se os judeus, estima-se cerca de 165 mil o número de emigrados. A razão alegada para o seu estabelecimento (bula de Sisto IV, de 1/11/1478), quando no resto da Europa já estava praticamente extinta, foi de que na sociedade espanhola um grande número de conversos ou cristãos-novos continuava a praticar clandestinamente a religião e os costumes judaicos, negligenciando os preceitos impostos pela Igreja Católica. A prática de queimar hereges em autos-de-fé foi introduzida nos últimos anos do séc. XII, e o uso de tortura foi autorizado em 1252 pelo papa Inocêncio IV (1243-1254) e confirmado por Urbano IV (1261-1264). Aquele que tivesse ciência de algum comportamento mencionado no edital e não o viesse revelar, era perseguido também pela Inquisição como fautor de hereges, isto é, pelo crime de acobertar culpas de hereges. Depois de preso, o réu era submetido a longos interrogatórios, não lhes sendo comunicado o motivo de sua prisão, nem o crime de que era acusado, ou qual o seu denunciante. Tomás de Torquemada (1420-1498), considerado um dos mais importantes teólogos do séc. XV, foi nomeado inquisidor-mor dos reinos de Castela e Leão, e logo a seguir teve sua jurisdição estendida a Aragão, Valência, Catalunha e Majorca. Em 1484, estabeleceu um código de processo de 28 artigos, mais tarde publicado sob o título de Compilación de las Instruciones del Oficio de la Santa Inquisición. Este período conheceu tanta barbárie, que chegou ao ponto do papa Alexandre VI (1492-1503) ter que conter os excessos que se cometiam. A Inquisição ficou em atividade até a invasão francesa, sendo abolida por José Bonaparte (1768-1844), em 1808. Foi reimplantada em 1814, extinta por decreto real, durante a revolução constitucional, a 9 de março de 1820. Com o movimento contra-revolucionário de 1823, reviveu novamente, sendo, a 26 de julho de 1826, enforcada e queimada em efígie a última vítima do tribunal peninsular. Somente a 15 de julho de 1834 é que a Inquisição foi abolida definitivamente de Espanha, pela Rainha Maria Cristina (1806-1878).  

O número de hereges queimados na Espanha pela Inquisição é estimado em 31.912; os queimados em efígie, 17.659. 

O Auto-de-Fé de Cadiz 

Coisa que poucos sabem é de um Auto-de-Fé anterior ao de Barcelona, dez vezes mais importante, porque foram queimados não trezentos, mas sim três mil exemplares de um livro espírita em praça pública, a mando do padre da cidade. Isto ocorreu em 1855, em Cadiz, conforme se pode ler em o periódico espírita espanhol El Criterio Espiritista, Madrid, de 1868, o qual consta na Biblioteca Nacional de Espanha. Chamamos de espírita este livro, apesar de ter sido publicado antes de 1857, porque o Sr. Francisco de Paula Coli reuniu nesta obra as perguntas e respostas que se faziam nas reuniões para consultar os Espíritos, isto é, trabalho semelhante ao que fez o Codificador em O Livro dos Espíritos. Os espíritas não se intimidaram, e mandaram reimprimir a obra, sofrendo novas perseguições. Sem dúvida, o Sr. Francisco Coli é um autêntico precursor de Allan Kardec, que chegou a comentar esta obra, em artigo publicado na Revista Espírita, de abril de 1868, achando-o sério.  

Portanto, o Auto-de-Fé de Cadiz, em 1855, e o Auto-de-Fé de Barcelona, em 1861, traduzem historicamente a perseguição e a intolerância contra o Espiritismo, bem como a inutilidade de se apresentar o fogo contra o pensamento, atributo do Espírito imortal.
 
 



 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita