CHRISTINA NUNES
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Rio de Janeiro,
RJ (Brasil)
O
porquê da prece
Lembro-me como
se fosse ontem
daquela casa de
vila do Méier,
bairro do Rio de
Janeiro onde
vivi o período
da minha
infância.
Tratava-se da
casa de uma
vizinha, boa
senhora
seguidora da
linha branca da
umbanda, tanto
em fé quanto em
prática. Nós,
uma chusma de
crianças
variando entre
idades diversas,
corríamos na
vila com o cair
das primeiras
horas da noite
até que, em dado
momento,
cruzando a
frente da sua
casa, tivemos
nossa
curiosidade
atraída para a
lateral da
moradia, onde,
em meio ao
escuro da noite
fechada,
avistamos
estranho facho
de luz -
aparentemente
saído de lugar
nenhum, já que a
residência não
possuía janela
lateral naquela
direção, de um
modo que não
havia origem
possível para
aquele longo
foco de luz
diamantina.
- Dona Zineia, o
que é aquilo? -
dirigimos a
pergunta à dona
da casa, àquela
altura
descansando num
assento da sua
varandinha
dianteira. Ao
que ela
imediatamente
esticou-se,
olhando,
intrigada, na
direção para
onde apontávamos
com grande
sensação de
receio, como que
fascinados com
algo que
intuíamos, na
nossa pouca
idade, como
instigante e
misterioso.
Ainda me recordo
de que ela se
esticou e
alongou para
observar. Mudou
de posição.
- Onde?! -
insistia.
Ao que
voltávamos a
apontar:
- Ali! Do lado!
Olhou, olhou, e
certamente não
viu nada. Hoje o
entendimento
favorece-me,
tanto acerca das
razões do seu
aturdimento,
quanto da
resposta que,
tranquilamente,
nos dirigiu
depois, com toda
a naturalidade
do mundo,
habituada que
era com
incidentes
daquele teor.
- É um
Espírito!
Àquilo, assombro
e pronto estupor
se assenhoreou
do bandinho de
crianças que,
algumas levando
as mãos à boca,
outras, como eu,
sem saber o que
dizer ou pensar
do que ouviam,
recuamos uns
passos,
repetindo, com
grande
perplexidade:
- Um Espírito?!...
- Mas não tenham
medo. Não faz
mal a ninguém.
Está aqui
protegendo a
minha casa...
Quantos anos
dobraram, e
foram precisos,
para que afinal,
eu mesma, de
família
Kardecista, e
muito mais
tarde, na
adolescência,
tendo despertos
os atributos
iniludíveis da
mediunidade,
afinal me visse
capacitada para
compreender o
que se passou
naquela noite
tranquila de um
provável verão,
distanciada nas
névoas das
minhas mais
gratas
recordações de
infância?!
Pois foi aquela
mesma dona
Zineia quem, um
dia, contou a
história para
minha mãe, desde
jovem uma de
suas vizinhas na
vila íngreme e
acolhedora
daqueles anos
idos que
testemunharam
tantos lances da
minha vida.
Houve na mesma
casa onde
residia aquela
senhora, anos e
anos antes, um
caso de
suicídio. Um
rapaz, filho
adotivo da
senhora que ali
residia com ele
sozinha após a
morte de seu
marido.
Misantropo nos
modos e na
índole, minha
mãe nunca se
esquecerá do dia
em que, ocupada
com qualquer
coisa nos fundos
da casa de minha
avó - que fazia
parede meia com
a moradia de que
tratamos -, de
repente ouviu
esquisito
estampido,
aparentemente
originado num
cômodo dessa
casa, que se
encontrava com
as janelas
cerradas. Em
seguida a isto,
para sua funda
consternação, o
gemido lúgubre
do desafortunado
suicida.
Estabeleceu-se
uma comoção sem
precedentes na
casa e em torno,
na vizinhança.
Minha mãe conta
do tumulto de
curiosos,
vizinhos;
gritos, choro, a
presença de
reportagens e
policiais. O
rapaz, filho
adotivo da
moradora de
então, dera fim
à vida de
inopino, sem que
ninguém
suspeitasse nele
a capacidade
para tal ato
extremo, não
obstante as
esquisitices de
temperamento.
A partir disso,
o tempo correu;
aquela senhora
solitária,
mergulhada no
seu desgosto,
mudou-se de
residência. Só
que a nova
moradora - a
dona Zineia -
começou a dar
conta aos
vizinhos, com
quem travou
amizade, dos
estranhos
episódios que
aconteciam na
casa: batidas,
passos; a
torneira
abria-se por
conta própria.
Ela ia lá,
fechava. Passava
um tempo,
abria-se de
novo.
Ruídos noturnos.
Pancadas. Um
desassossego
crescente. E
dona Zineia só
foi compreender
melhor as causas
do insólito
tumulto - embora
delas já
suspeitasse,
dado o seu
entendimento
espiritualista
da vida - quando
a vizinhança
deu-lhe ciência
do trágico
acontecimento
havido anos
antes.
Em vista
daquilo, não
perdeu tempo.
Iniciou seus
trabalhos.
Preces, rogos à
assistência da
espiritualidade
para que
encaminhasse o
rapaz ao seu
destino. Sessões
sobre sessões
foram promovidas
no seu
santuário, no
sentido de
apaziguar e
esclarecer o
infeliz rapaz
que, tempos
depois, ainda
mourejava na
invisibilidade
do lugar, preso
ao local do ato
ensandecido e ao
seu estado agudo
de sofrimento,
sem lograr
encontrar paz.
Por isso,
apenas, e por
nenhuma outra
razão, e de
dentro de
evidente
desespero,
promovia aqueles
distúrbios no
ambiente de sua
antiga moradia
terrena, com o
fim de atrair
atenção. De
pedir ajuda.
Os resultados
não poderiam ter
decorrido de
forma melhor.
Porque, com o
passar dos
meses, tudo foi
se acalmando. Os
ruídos já não se
repetiam com
tanta
intensidade. Até
afinal dona
Zineia ter
depreendido, da
absoluta
pacificação em
seu lar, que o
infortunado
suicida ganhara
outros destinos
para além dos
portais da
transição. Fora
acolhido,
amparado pelos
assistentes da
invisibilidade;
encontrara o
caminho para a
renovação dos
seus rumos!
Do âmbito
pessoal,
recordo-me ainda
de um fato mais
recente, havido
na intimidade de
meu lar. Uma
inflamação de
garganta
qualquer
provocou-me, em
plena madrugada,
e em ocasião em
que me via em
situação
melindrosa,
sozinha com as
crianças durante
a semana, um
terrível
fechamento de
glote! Debalde,
sobre o leito,
buscava
conciliar o
sono, em vão. A
respiração ia-me
fugindo; os
brônquios,
portadores de
histórico
asmático da
infância, se
ressentiam; o
fôlego faltava,
ciciante. E,
assustada,
momentaneamente
sem saber
direito o que
providenciar
àquela hora
adiantada da
madrugada fria,
ocorreu-me
apenas
levantar-me de
abrupto e
postar-me, de
dentro de grande
aflição, diante
do quadro de
Jesus: imagem de
grande beleza
que ornamenta
meu recanto de
trabalhos
espirituais, na
sala de minha
residência.
Entre lágrimas,
roguei dele
orientação e
esteio.
Inspiração sobre
como melhor
agir. Afligia-me
imensamente a
perspectiva de,
em horário e dia
tão impróprios,
importunar meus
familiares com
um pedido de
socorro
extemporâneo,
dada alguma
necessidade
inadiável de
comparecer a uma
emergência
hospitalar.
Pedia
ardentemente
que, se
alternativa
houvesse, que as
falanges do
espaço ma
apresentassem,
intuíssem.
Não fui
desatendida!
Algum tempo
depois,
presenças se me
acercaram e me
induziram a
escancarar
janelas e a
porta da
varanda, dando
entrada ao ar
frio da noite.
Depois, recostei
ao leito, aonde
me veio a
sugestão de
ligar a TV num
canal de belas
mensagens
espirituais (Boa
Vontade).
Dormi sem
sentir.
Despertei de
manhã - curada!
Eis aí, amigos,
o demonstrativo
do valor
inestimável da
prece, idioma
das dimensões
maiores da Vida,
onde repousam
nada menos que
as nossas
origens: o lar
verdadeiro e
definitivo, para
onde todos
haveremos de
retornar, uma
vez findo o
curto estágio de
aprendizado nas
vidas corpóreas
sucessivas! Lar
onde residem as
nossas famílias
espirituais e
todas as
hierarquias que,
sob a égide de
Jesus,
incansavelmente
nos estendem as
mãos em momentos
críticos de
desorientação,
de desamparo -
quando tudo o
mais parece
despojado de
sentido e
vagamos no
escuro, sem
norte, sem
direção - por
Amor!