MILTON R.
MEDRAN MOREIRA
medran@via-rs.net
Porto Alegre,
Rio Grande do
Sul (Brasil)
Fé em tempos de
globalização
Parecemos tão
livres e estamos
tão
encadeados... -
Robert Browning
A liberdade de
crença é uma das
grandes
conquistas da
modernidade. Por
longos 1000
anos, estivemos,
no âmbito da
cristandade,
condenados a
professar um
único sistema de
fé. Naquele 31
de outubro de
1517, o monge
agostiniano
Martinho Lutero
afixou na porta
da Igreja do
Castelo de Wittenberg as 95
teses
questionando
alguns dogmas e
práticas da
Igreja de Roma.
Seria o marco
inicial da
Reforma
Protestante,
graças à qual a
cristandade do
Século XVI e
seguintes se
libertaria do
jugo da crença
única.
Desde então têm
se multiplicado
por todo o mundo
as igrejas
cristãs. Algo
positivo. Mesmo
preservados
alguns dogmas
fundamentais com
os quais todas
elas comungam,
abriu-se o leque
do pluralismo
religioso,
estimulando-se,
teoricamente, a
liberdade de
pensamento. Mas,
por históricas
distorções
sedimentadas na
cristandade, fé,
poder e dinheiro
têm sido fatores
difíceis de se
dissociarem.
Mesmo que, ao
curso de toda a
história das
igrejas,
Espíritos de
escol, fiéis à
autêntica
mensagem de
Jesus de Nazaré,
hajam combatido
aquela espúria
associação, o
certo é que a
proliferação das
igrejas,
notadamente nos
últimos 50 anos,
tem se orientado
justamente por
essa fórmula. É
ela a própria
garantia de seu
êxito.
As bases a
sustentarem o
modelo desse
cristianismo de
nosso século
partem dos
seguintes
pressupostos: a
fé é
inquestionável,
pois se funda na
própria palavra
de Deus; o poder
emana
diretamente da
autoridade
divina, a
serviço da qual
cada uma dessas
igrejas afirma
estar; o
dinheiro
empregado na
“obra de Deus”
retornará ao
doador,
multiplicado em
bens de consumo,
saúde,
prosperidade e
venturas no
amor, benesses
só concedidas
aos crentes.
Estes, por
acréscimo, ainda
obterão a
salvação eterna.
O marketing
empregado se
afina com a
economia de
mercado, adotada
por uma
sociedade ainda
movida por
políticas
excludentes,
onde uns poucos
são agraciados
pelos bens da
vida e muitos
outros
condenados à
marginalidade.
Enquanto esse
modelo perdurar,
as Igrejas
cultivadoras da
teologia da
prosperidade
seguirão
crescendo, à
custa de vítimas
incautas ou de
Espíritos
atrasados,
presos às malhas
do egoísmo e da
ignorância. A
grande motivação
para a adesão a
esse sistema de
fé é o apelo que
se faz a um
sonhado
“upgrade” social
e econômico.
Poderão se
inscrever essas
práticas nos
modernos
postulados da
liberdade de
crença? Com
certeza não.
Tampouco isso
estaria nos
planos do
irrequieto monge
que afixou suas
teses na porta
daquela igreja,
há 492 anos.
Trata-se, antes,
de um verdadeiro
estelionato da
fé,
astuciosamente
engendrado, no
seio da
sociedade
moderna e de
suas garantias
de liberdade de
pensamento e
crença. O modelo
defrauda tanto
os magnânimos
projetos dos
reformadores
religiosos, como
dos humanistas,
livre-pensadores
e laicos, que,
no nascer da
modernidade,
ousaram
contestar coisas
como vendas de
indulgências,
autoritarismo e
corrupção
religiosa.