LEDA MARIA
FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
Nos
domínios da humildade
“...
Aquele, portanto, que se
humilhar e se tornar
pequeno como esta
criança será o maior no
reino dos céus...” ¹
De que maneira
poderemos entender este
convite de Jesus, se o
progresso é uma lei
natural e se o nosso
destino é evoluir? Como
poderemos conciliar o
ensinamento evangélico
com a realidade da lei
do progresso, que
podemos constatar em
toda a Criação?
Basta para isso
observarmos a evolução
que se processa em todos
os reinos da natureza. É
suficiente que prestemos
atenção à própria
história da Humanidade e o
quanto temos evoluído,
desde o homem das
cavernas, que pouco
diferia de um animal
irracional, até o homem
da civilização
científica e
tecnológica. Entretanto,
se no campo intelectual
o homem conquistou tão
grande evolução, no
campo moral não ocorreu
o mesmo. Eis aqui a
razão do sofrimento
humano: somos todos
vitimados pelo nosso
próprio comportamento,
distanciados que
estamos das leis de
Deus.
No Evangelho de Mateus,
capítulo18, versículos 1
a 5, no qual encontramos
a passagem acima citada,
Jesus nos alerta para a
necessidade de
despertarmos, em nós, as
virtudes da humildade e
da simplicidade. Muitos
justificam suas atitudes
prepotentes e
arrogantes, dizendo não
se humilharem e nem se
rebaixarem diante de
ninguém, porque só os
que sabem se impor
vencem no mundo. Pobres
companheiros que,
envoltos no véu do
orgulho, ignoram que a
humildade a que Jesus se
referia e para a qual
nos chama à prática nada
tem a ver com
servilismo! Na
excelência de sua
pedagogia, quando o
Mestre nos ensina,
simplesmente, que “todo
aquele que se eleva será
rebaixado”, reporta-se
ao sentimento de
orgulho, porque toda
elevação pessoal que tem
por base o orgulho é
ilusória. Assim, todo
aquele que utiliza o
mal como alavanca de
elevação será rebaixado,
pois só o bem que
cultivamos em nós é
indestrutível e nos oferece
base sólida para todas
as realizações.
Humildade é sentimento
contrário ao orgulho. É
o sentimento que tem a
possibilidade de fazer o
homem entender sua real
posição no mundo,
posição essa de eterno
aprendiz frente à
Sabedoria de Deus, nosso
Pai Criador. É o
sentimento capaz de
levar o homem a
compreender que, mesmo
conhecendo muito, não
deve humilhar quem pouco
sabe; a perceber que,
mesmo conhecedor de
muitas coisas, outros
existem que sabem mais.
A criatura humilde tem a
capacidade de ensinar
sem demonstrar sabedoria
e de auxiliar sem que o
outro se sinta
humilhado.
A vida em sociedade
estimula a competição,
mas, longe de ser uma
competição saudável, tem
levado as criaturas a
perderem o bom senso, a
razão e a se comportarem
como se vivessem não
entre companheiros, mas
entre adversários. Nas
situações comuns da
vida, julgam ter
“vencido”, na maioria
das vezes, os que fazem uso
da esperteza – no
sentido pejorativo do
termo –, esquecidos de
que todas as posições
são transitórias e que,
mais cedo ou mais tarde,
acabarão rebaixados de
suas posições por não
possuírem a base sólida
do amor. São como
construções nas areias
da ilusão material que o
tempo desfaz, mas que
ficarão gravadas na sua
consciência de Espírito
imortal, reclamando por
reajuste. Enquanto o
orgulho for uma alavanca
para nos elevar, seremos
rebaixados por deixá-lo
nos conduzir a uma
suposta elevação sobre o
nosso próximo. A nossa
vitória só será real
quando conquistarmos a
elevação sobre nós
mesmos, na consciência
daquele que diz: hoje,
eu cresci em
conhecimento; hoje, eu
sou melhor do que fui
ontem; hoje, eu sou mais
paciente, tenho mais
coragem moral, sou mais
prudente, sou mais
calmo; hoje, eu cresci
nos meus valores
afetivos, nas minhas
qualidades...
A elevação que tem por
base o amor – quando
lutamos para vencer as
próprias limitações,
superando o egoísmo, a
ambição descabida, o
desejo de superioridade
irresponsável – é elevação
legítima, da qual jamais
seremos rebaixados,
porque toda conquista
espiritual é
tesouro inalienável do
céu. Todos os
ensinamentos de Jesus
têm por objetivo a nossa
elevação espiritual,
visando à nossa
felicidade, à nossa
liberdade e nos
conduzindo a uma vida
renovada.
Posto isto, podemos
destacar três momentos
da vida comum de Jesus,
no convívio com Seus
discípulos, que
encontramos em O
Evangelho segundo o
Espiritismo, Cap. VII,
itens 3 a 6, quando Ele
aproveita para nos
ensinar a humildade:
No primeiro momento,
Seus discípulos Lhe
perguntam: “Quem é o
maior no reino dos
céus?” E, Jesus,
chamando entre eles um
menino, diz que se não
se tornassem como aquele
menino, não poderiam
entrar no reino dos
céus. Aponta a criança
como símbolo da
inocência e da pureza. O
reino dos céus está
dentro de nós. É um
estado de espírito em
que a criatura – que
vive em harmonia com as
leis de Deus – sente uma
alegria íntima, uma
felicidade que a nossa
linguagem é incapaz de
traduzir. Assim,
liberta-se dos
sentimentos inferiores e
reflete a pureza de
coração.
No segundo, a
mãe de dois de Seus
apóstolos, Tiago e João,
pede a
Jesus para que seus
filhos se assentem, um à
Sua direita, outro à Sua
esquerda no Reino, ou
seja, ela pediu a Jesus
que desse poder aos seus
filhos. E, Jesus,
responde: “Não sabeis o
que pedis. Podeis vós
beber o cálice que hei
de beber?” Jesus, por
compaixão e amor à
humanidade havia
assumido, entre nós, uma
missão de grande
sacrifício que o levaria
ao martírio da
crucificação. E aquela
mãe amorosa não sabia o
que estava pedindo para
seus filhos.
Desta passagem do
Evangelho, podemos
extrair, ainda, uma
outra lição: quantas
vezes almejamos
situações de
superioridade,
julgando-as como um
grande bem e nos
aborrecemos por não
conquistarmos aquilo que
desejávamos? Mas será
que estávamos preparados
para assumir uma posição
superior? Quantas vezes,
em prece, pedimos a Deus
a realização de algo que
queremos muito e, como
não vemos o nosso desejo
se realizar, imaginamos que
sequer fomos escutados,
quando, na verdade, o
não atendimento à nossa
solicitação é
justamente o socorro
da Providência Divina em
nosso benefício,
evitando consequências
que não poderíamos
suportar. Quando os
discípulos pedem
esclarecimentos ao
Mestre Jesus acerca de
suas dúvidas, Ele
explica que aquele que
vem para servir, que é
humilde e
simples de coração, que
reconhece a Sabedoria do
Pai Criador, que não se
vangloria e nem exige
homenagens na Terra, mas
que trabalha no silêncio
de sua consciência em
benefício do próximo,
que aguarda a recompensa
do céu e não a dos
homens, este será grande
no céu, porque se fez
pequeno na Terra.
No terceiro momento,
Jesus, na casa de um
fariseu, observando como
se comportavam os
convidados, ensinou que,
quando fôssemos
convidados para uma
festa, não nos
colocássemos em posição
de destaque, tomando
assento entre os
primeiros lugares, para
que, ao chegar outro
convidado mais
considerado, o anfitrião
não necessitasse nos
pedir para ceder o nosso
lugar a ele, tendo que
nos assentarmos nos
últimos lugares. Mas, ao
contrário, que
buscássemos os últimos
lugares, para que fosse
motivo de glória o
anfitrião nos convidar a
lugar de maior destaque.
Eis a valorização da
humildade, pois só
aquele que compreende a
sua condição de Espírito
imortal pode ser
humilde; e só pode ser
humilde aquele que
compreende que a posição
de superioridade é
acréscimo de
responsabilidade
espiritual para produzir
o Bem, para amparar,
para servir. Emmanuel
nos lembra, a propósito
desse tema, o seguinte:
“Auxiliar a todos para
que todos se beneficiem
e se elevem, tanto
quanto nós desejamos
melhoria e prosperidade
para nós mesmos,
constitui para nós
felicidade real e
indiscutível. Ao leste e
ao oeste, ao norte e ao
sul da nossa
individualidade,
movimentam-se milhares
de criaturas, em posição
inferior à nossa.
Estendamos os braços,
alonguemos o coração e
irradiemos entendimento,
fraternidade e simpatia,
ajudando-as sem
condições. Quando o
cristão pronuncia as
sagradas palavras ‘Pai
Nosso’, está
reconhecendo não somente
a Paternidade de Deus,
mas aceitando também por
sua família a Humanidade
inteira”. ²
“Bem-Aventurados os
pobres de Espírito,
porque deles é o reino
dos céus”, quer dizer
que os humildes já
desfrutam da
bem-aventurança, porque
Jesus não diz que deles será o
reino dos céus, mas,
sim, “porque deles é o
reino dos céus”. A
partir do momento em que
modificarmos a
nossa postura de orgulho
diante da vida, já
poderemos nos sentir,
imediatamente, muito
mais felizes, porque
bem-aventurados. Por
esta razão, Jesus
ensinava incansavelmente
o princípio da humildade
como condição essencial
à felicidade prometida.
Referências:
1 -
MATEUS, 18:4.
2 -
EMMANUEL (Espírito). Fonte
Viva, [psicografado
por] F.C.Xavier, 16ª
ed., FEB Ed. – Rio de
Janeiro/RJ – lição 104.
Consulte
ainda:
JOANNA DE
ÂNGELIS (Espírito). Jesus
e o Evangelho – À Luz da
Psicologia Profunda, [psicografado
por] Divaldo Pereira
Franco, 19ª ed., LEAL
Editora – Salvador/ BA –
p. 57 a 62.
XAVIER,
F.C. e VIEIRA, Waldo – O
Espírito da Verdade
(Espíritos diversos),
10ª ed., FEB Ed. – Rio
de Janeiro/RJ – lições
36 e 64.
*
Publicado no Jornal
Espírita (Feesp), em
novembro de 2009, p.
7.