Depois da morte
Antero de Quental
1
Apenas dor no mundo
inteiro eu via,
E tanto a vi, amarga e
inconsolável,
Que num véu de tristeza
impenetrável
Multiplicava as dores
que eu sofria.
Se vislumbrava o riso da
alegria
Fora dessa amargura
inalterável
Esse prazer só era
decifrável
Sob a ilusão da eterna
fantasia.
Ao meu olhar de triste e
de descrente,
Olhar de pensador
amargurado,
Só existia a dor, ela
somente.
O gozo era a mentira dum
momento,
Os prazeres, o engano
imaginado
Para aumentar a mágoa e
o sofrimento.
2
Misantropo da ciência
enganadora,
Trazia em mim o anseio
irresistível
De conhecer o Deus
indefinível,
Que era, na dor, visão
consoladora.
Não o via e, no entanto,
em toda hora,
Nesse anelo cruciante e
intraduzível,
Podia ver, sentindo o
Incognoscível
E a sua onisciência
criadora.
Mas a insídia do orgulho
e da descrença
Guiava-me a existência
desolada,
Recamada de dor profunda
e intensa;
Pela voz da vaidade,
então, eu cria
Achar na morte a
escuridão do Nada,
Nas vastidões da terra
úmida e fria.
3
Depois de extravagâncias
de teoria,
No seio dessa ciência
tão volúvel,
Sobre o problema
trágico, insolúvel,
De ver o Deus de Amor,
de quem descria,
Morri, reconhecendo,
todavia,
Que a morte era um
enigma solúvel,
Ela era o laço eterno e
indissolúvel,
Que liga o Céu à Terra
tão sombria!
E por estas regiões onde
eu julgava
Habitar a inconsciência
e a mesma treva
Que tanta vez os olhos
me cegava,
Vim, gemendo, encontrar
as luzes puras
Da verdade brilhante,
que se eleva,
Iluminando todas as
alturas.
Antero de Quental nasceu
na ilha de São Miguel,
nos Açores, em 1842, e
desencarnou por
suicídio, em 1891. É
vulto eminente e
destacado nas letras
portuguesas,
caracterizando-se pelo
seu espírito filosófico.
Os sonetos acima
integram o livro
Parnaso de Além-Túmulo,
obra psicografada pelo
médium Francisco Cândido
Xavier.