Conselho
de Ano Novo
Um adágio popular afirma
o ano novo como vida
nova. Será mesmo? Será
que a simples mudança de
calendário define um
viver diferenciado para
melhor? Claro que a
mudança é da lei divina,
vivemos mergulhados em
processos de impermanência, e o
Espiritismo, por sua
vez, nos ensina que
estamos submetidos à Lei
de Progresso, uma das
leis morais, segundo
Allan Kardec, que faz
uma leitura da
progressão espiritual
que podemos empreender
como seres
perfectíveis.
Assim, creio que estamos
em dinâmico processo de
crescimento a partir das
aprendizagens que somos
capazes de efetivar,
passando pelas
experiências e
convivências as mais
diversificadas, conforme
nossas necessidades
educativas, seja do
ponto de vista moral,
seja do intelectual.
E quanto às superstições
reveladas em simpatias e
crendices que definem
cor de roupa, o que
comer ou o modo de andar
na entrada do ano novo,
elas podem nos garantir
uma vida melhor? A
superstição é um apego
exagerado ao que a
ignorância, má
conselheira, define por
verdade sem a qual não
se pode ser feliz.
A superstição também é
fruto de uma inadequada
educação religiosa que
não apresentou ao
indivíduo uma maneira
lúcida de viver o
sagrado, um jeito
racional de experimentar
a sua espiritualidade.
A fé raciocinada
preconizada pelo
Espiritismo, quando
vivida no livre pensar,
pode proporcionar
uma espiritualidade
profunda, sobretudo, no
momento em que esses
valores subjacentes nos
ensinos dos Espíritos
não ilustram somente a
inteligência, mas
iluminam o sentimento e
mobilizam o espiritista
para o bem.
Então, como podemos
fazer para ter um ano
novo e uma vida melhor?
Compreendo, pautado na
Filosofia Espírita, que
podemos ter uma
existência de
qualidade aprimorando-nos
no presente. E o meio de
fazê-lo já foi lecionado
por Santo Agostinho (1),
evocando a doutrina
socrática (2) –
precursora do
Espiritismo – quando
postulava o conhecimento
de si mesmo.
O mestre Allan Kardec
teve o ensejo de
apresentar na Revista
Espírita, de junho de
1863, uma sintética e
bela dissertação do
literato desencarnado La
Fontaine, intitulada
“Conhecer a si mesmo”.
Entre os seus sábios
conselhos encontramos:
a. “O que muitas vezes
impede que vos corrijais
de um defeito, de um
vício, é, certamente, o
fato de não perceberdes
que o tendes” (p. 266).
Ou seja, o
desconhecimento de si
impede que
identifiquemos nossas
imperfeições ou limites
morais para que possamos
mudar para melhor,
aliás, nenhuma reforma
considerável é possível
sem o conhecimento exato
a respeito do que merece
mudança.
b. “Enquanto vedes os
menores defeitos do
vizinho, do irmão, nem
sequer suspeitais que
tendes as mesmas faltas,
talvez cem vezes maiores
que as deles.” A
falta de indulgência
nubla nossa visão sobre
nós mesmos. Quando nos
fazemos juízes
inveterados dos outros,
gastamos tempo e energia
que poderiam ser
destinados à exploração
do planeta interno e,
com isso, passamos a
perder o foco da atenção
sobre nós mesmos que, no
caso de nossa progressão
espiritual, é o que mais
importa.
c. “Deveríeis
analisar-vos um pouco
como se não fôsseis vós
mesmos” (p. 266).
Parece-me que
equanimidade seria
uma palavra-síntese
dessa frase. Cabe-nos
uma análise sincera e
imparcial de nossa
natureza moral tornando
a subjetividade objeto
de exame, fazendo o
exercício mental de
“olhar de fora" para cá
dentro do ser.
d. “Sede francos
convosco mesmos; travai
conhecimento com o vosso
caráter (...).” A
franqueza gera a
desilusão, o que de
fato é uma maravilha. É
melhor ficar
momentaneamente
desapontado consigo por
descobrir-se equivocado
do que passar uma
reencarnação em
permanente autoengano.
Aliás, o pensador
espiritualista
Hermógenes diz, num de
seus escritos, que, se
tivesse que fundar uma
religião, ela se
chamaria “desilusionismo”.
Enfim, aproveitemos a
tecnologia de bem viver
ofertada gratuitamente
pelo Espiritismo,
visando não somente um
ano novo melhor, mas,
igualmente, uma vida
melhor na Terra.
Referências:
(1) O
Livro dos Espíritos,
questão 919.
(2) O
Evangelho segundo o
Espiritismo,
introdução – item IV.