ADILTON PUGLIESE
santospugliese@hotmail.com
Salvador, Bahia (Brasil)
Pedro,
Malco e a espada
invisível
No livro de sua
autoria... Até o fim
dos Tempos[1],
psicografado pelo médium
Divaldo Franco, o
Espírito Amélia
Rodrigues relembra a
histórica figura de José
Caifás, sumo sacerdote
em Jerusalém e “quem
conduziu o processo
criminal contra Jesus,
por haver-se denominado
filho de Deus,
exercendo forte
influência junto a
Pôncio Pilatos”. Caifás
tinha muitos seguidores
e, dentre eles,
destacava-se um “jovem
ambicioso e de origem
desconhecida, chamado
Malco, que anelava por
chamar atenção e gozar
de privilégios,
disputando honrarias a
troca de infâmia e
adulação, ou de
perseguição”.
Naqueles dias
tumultuados, relata D.
Amélia, a entrada de
Jesus em Jerusalém,
entre ramos, folhas de
palmeiras e sorrisos,
demonstrando a Sua
liderança junto ao povo,
chegara aos ouvidos de
Caifás, que mais se
amedrontou em relação a
Jesus, passando a
organizar, covarde, a
prisão do Mestre. Após o
histórico momento da
ceia e quando Jesus
busca o Jardim das
Oliveiras para orar, um
grupo comandado por
Judas e Malco,
aproximou-se do Mestre.
Este, sabendo o que lhe
ia acontecer, indagou: —
A quem buscais? E
eles responderam: — A
Jesus de Nazaré. Uma
grande expectativa
dominou a todos, quando
Ele, sereno, afirmou: —
Sou eu. Os homens
insistiram na
identificação,
iniciando-se uma
altercação, acordando os
amigos e discípulos do
Mestre, que, assustados,
acorreram aos gritos. É
então que Pedro, que se
encontrava com uma
espada, reagindo, decepa
a orelha de Malco. Com
um grito bestial, Malco
começa a vociferar,
cheio de raiva, enquanto
a hemorragia escorria
abundante. Sem
perturbar-se, Jesus
tocou-lhe a ferida
aberta em sangue e
cicatrizou-a, advertindo
Pedro: — Embainha a
tua espada, porque, quem
com ferro fere, com
ferro será ferido...
Conhecemos o
prosseguimento dessa
história: a prisão, o
julgamento, a
condenação, a
crucificação, o glorioso
instante da demonstração
da imortalidade e os
acontecimentos que
envolveram os
apóstolos...
O que teria, porém,
acontecido a Malco? Como
absorvera a agressão de
Pedro?
O Espírito Amélia
Rodrigues, em sua
narrativa, destaca que,
segundo antiga tradição,
o Mestre cicatrizou-lhe
a ferida, mas não
reconstituiu o órgão
decepado, ficando Malco
estigmatizado pela
antiga marca, que na
época assinalava crime
de furto, tendo fugido
da Palestina, indo
residir em Roma. Ali,
revoltado, vivia das
lembranças de sonho de
poder, recordando, com
amargura, a agressão de
Pedro.
E continua a autora
espiritual: os anos
transcorreram amargos,
até o reinado de Nero,
passando Malco a fazer
parte dos seguidores de
Tigelinus, Sufrônio
Tigelino, conselheiro do
imperador e seu agente
de tenebrosos crimes,
seguindo as suas ordens,
perseguindo os cristãos.
Numa dessas investidas,
diversos discípulos de
Jesus foram feitos
prisioneiros, inclusive
Simão Pedro, que é
conduzido a uma colina
para ser crucificado.
Enquanto é preparado o
instrumento de punição,
Malco, reconhecendo
Pedro, passa a
agredi-lo, mostrando-lhe
a orelha cortada, imagem
da sua revolta, da sua
raiva e de todo o seu
ressentimento.
Pedro, ante aquelas
agressões, recorda-se
daquele dia no Monte das
Oliveiras, e fica
horrorizado de si mesmo.
Lembra-se, então, de
Jesus, do Mestre
querido, e deixa-se
tomar de imensa
compaixão por Malco, sua
vítima. Ajoelha-se então
aos seus pés e roga-lhe
perdão. Os legionários
de Tigelinus, vendo a
estranha cena, seguram
Malco e dizem: Se
esse homem a quem vamos
crucificar, e que é
pessoa importante entre
os seguidores do
Carpinteiro, ajoelha-se
aos teus pés, certamente
és muito mais importante
do que ele. Vamos então
te crucificar também...
Ante o inesperado,
Malco debate-se
desesperado, gritando
inocência. Uma nova e
tosca cruz é montada, ao
lado de Pedro, onde ele
morre, blasfemando,
lembrando-se,
certamente, nos últimos
instantes, das palavras
de Jesus, destacando a
grande lei dos
destinos e das
ações humanas, a
Lei de Ação e Reação,
a Lei das Causas e
dos Efeitos:
Quem com ferro fere, com
ferro será ferido...
Aquele que tomar da
espada morrerá pela
espada. Antes, em
outras oportunidades do
Seu apostolado, Ele
revelara essa Lei dos
Mundos: Não julgueis,
para não serdes
julgados. Com a medida
com que medirdes, sereis
medidos. (Mateus 7:
1,2.)
E destaca Amélia
Rodrigues, nas
conclusões do capítulo:
Há espadas
invisíveis que
despedaçam vidas,
esfacelam esperanças,
ceifam ideais...
Joanna de Ângelis chama
essas espadas
invisíveis de
conteúdos perturbadores,
de conflitos
psicológicos, que
seriam choques de
entendimento e de
comportamento entre o
Ego e o Self. No
livro
Autodescobrimento
[2]
a Mentora estuda
5 desses conflitos:
a amargura; a perda pela
morte; a lamentação;
o ressentimento e a
raiva. Dois deles
ocasionaram o
conflito entre Pedro e
Malco: Pedro,
agressor, dominado pela
raiva, atacou
Malco, com uma espada
visível;
Malco, agredido,
dominado pela raiva,
converteu-a em
ressentimento,
transformando-a e
guardando-a numa
espada invisível,
com a qual atacaria
Pedro, anos depois,
esquecendo-se da
advertência do Mestre.
No livro Inteligência
Emocional, o autor,
Daniel Goleman,
psicólogo americano,
escreveu um capítulo
intitulado Quando a
raiva é suicida
[3],
destacando que o
rancor é prejudicial à
saúde. Ele fez um
estudo sobre a raiva em
cardiopatas, na
Faculdade de Medicina da
Universidade de
Stanford. Todos os
pacientes, que foram
objeto da pesquisa,
tinham sofrido um ataque
cardíaco, e o que o
estudo pretendia era
identificar se a
raiva teria, de
alguma forma, causado um
impacto significativo
sobre suas funções
cardiovasculares. O
resultado foi
impressionante: à medida
que essas pessoas iam
narrando fatos que os
haviam aborrecido, a
eficácia do bombeamento
do coração caía 5 por
cento. Alguns pacientes
tiveram uma queda de
eficiência de 7 por
cento ou mais — uma
faixa que os
cardiologistas
consideram como um sinal
de isquemia miocárdica,
segundo Goleman.
Eram as espadas
invisíveis da raiva,
que haviam permanecido
ameaçadoras!
Allan Kardec, em
12.06.1856, era
advertido pelo
Espírito de Verdade
acerca da sua missão: “—
Tens que expor a tua
pessoa. Suscitarás
contra ti ódios
terríveis; inimigos
encarniçados se
conjurarão para tua
perda; ver-te-ás a
braços com a
malevolência, com a
calúnia, com a traição
mesma dos que te
parecerão os mais
dedicados; terás que
sustentar uma luta quase
contínua (...)”.
Eram as dificuldades
do caminho, que lhe
poderiam provocar
ressentimentos,
levando-o, então, a
elaborar uma estratégia
para não ser afetado por
essa má disposição de
espírito: “— Quando
me sobrevinha uma
decepção, uma
contrariedade qualquer,
eu me elevava pelo
pensamento acima da
Humanidade e me colocava
antecipadamente na
região dos Espíritos e
desse ponto culminante,
donde divisava o da
minha chegada, as
misérias da vida
deslizavam por sobre
mim sem me atingirem.
Tão habitual se me
tornara esse modo de
proceder, que os
gritos dos maus jamais
me perturbaram”.[4]
(grifamos)
[1]
.
Rodrigues,
Amélia. Franco,
Divaldo.
2.ed.LEAL.p.143.
[2]
. Ângelis,
Joanna de.
Franco, Divaldo.
7.ed.LEAL.p.123.
[3]
. Goleman,
Daniel.
52.ed.Objetiva.p.184.
[4]
. Kardec, Allan.
Obras Póstumas.
26.ed.FEB.p.282
e 284.