VINÍCIUS LOUSADA
vlousada@hotmail.com
Bagé, Rio Grande do Sul (Brasil)
A árvore
e o fruto
“(...) cada árvore se
conhece pelo seu próprio
fruto; pois não se
colhem figos dos
espinheiros, nem se
vindimam uvas dos
abrolhos.”
- Jesus[1]
OPORTUNA METÁFORA
Jesus apresenta-nos uma
oportuna metáfora que
permite fazer uma
avaliação de várias
propostas dos campos do
conhecimento humano,
tanto quanto das gentes
que as apresentam.
Podemos avaliar o valor
de uma filosofia ou de
uma orientação religiosa
qualquer pelo que a
mesma dissemina nos
caminhos dos seus profitentes.
Assim, o preclaro
Codificador Allan
Kardec, na esteira do
ensinamento do Grande
Mestre Jesus,
apresenta-nos no Código
da Vida – O Evangelho
segundo o Espiritismo
– uma revisão dessa
máxima lembrando que o
cristão é reconhecido
pelas suas obras, assim
como o fruto denuncia a
natureza da árvore que o
produz ressaltando,
ainda, que o “primeiro
cuidado de todo espírita
sincero deve ser o de
procurar saber se, nos
conselhos que os
Espíritos dão, alguma
coisa não há que lhe
diga respeito”.[2]
UM ALERTA DE KARDEC
A Revista Espírita se
configura num estudo que
revela o processo de
construção da Ciência
Espírita e, ao mesmo
tempo, num repositório
da Filosofia Espírita
cuja fonte são as
comunicações dos
Espíritos Superiores.
Num de seus
esclarecedores textos,
Kardec apresenta um
alerta a respeito do que
ele convencionou chamar
de “falsos irmãos e
amigos inábeis”[3],
aliás, expressão da qual
se utiliza para nomear o
artigo com que nos
ocuparemos nessa
reflexão.
O mestre lionês
refere-se, inicialmente,
às atitudes irrefletidas
de certos adeptos que
deixam de lado a
prudência e agem com um
zelo terrível pela
Doutrina, gerando mais
mal do que bem porque,
segundo ele, “não
calculam bem o alcance
de seus atos e de suas
palavras, produzindo,
por isso mesmo, uma
impressão desfavorável
sobre as pessoas ainda
não iniciadas na
doutrina, mais própria a
afastá-las do que as
diatribes dos
adversários”[4].
Para o Codificador, o
Espiritismo estaria mais
espraiado, realizando
consolações e libertando
consciências pelo
esclarecimento de sua
filosofia racional se
não fossem as atitudes
impensadas de alguns
adeptos descuidados dos
conselhos da
prudência.
Aqui ressalta do texto,
em análise, a
preocupação do
missionário da era nova
quanto à postura
insensata daqueles
adeptos que pareciam
crer na infalibilidade
de suas opiniões
pessoais, descartando o
conselho da maioria e,
do mesmo modo, a
recomendação da
prudência que aponta a
necessidade de se pensar
com maturidade antes de
agir, ouvindo também a
opinião de seus pares.
A crença na própria
infalibilidade denotaria
orgulho ou obsessão. O
adepto de uma doutrina
como o Espiritismo, que
consiste num imenso
campo de saber a
descobrir e aprofundar
através do estudo sério
da produção kardequiana,
que por sua vez imagine
a si mesmo detentor
exclusivo da razão,
demonstra atitude
incoerente para com o
bom senso recomendado e
“encarnado” na prática
por Allan Kardec,
conforme a expressão de
Camille Flammarion ante
seu túmulo.
Por outro lado, quando
nos cremos os únicos
dotados de bom senso,
detentores da verdade e
quase “mais espíritas
que Kardec”, estamos,
possivelmente,
apresentando um processo
obsessivo definido em
O Livro dos Médiuns
como o de fascinação.
Recordemos que a
fascinação se
caracteriza,
principalmente, pela
influência do Espírito
sobre o pensamento
daquele que é objeto de
sua ação pertinaz,
paralisando-lhe o
discernimento.
Segue o texto da
Revue se referindo
ainda a outras posturas
dos amigos inábeis do
Espiritismo. Kardec
destaca a questão das
publicações
intempestivas ou
excêntricas, o que
quer dizer, aqueles
escritos ditados pelos
Espíritos que deveriam
levar o tempo necessário
de maturação da cultura
ou das ciências para que
viessem a lume, ou
ainda, aquelas
comunicações que
deveriam ser, como todas
e sem exceção, objeto de
análise e estudo
comparativo em relação
ao ensino universal dos
Espíritos.
De igual modo, o exame
sério dos ditados
oriundos do mundo
invisível evitaria
sobremaneira o
despropósito das
publicações que denigrem
a imagem da Doutrina
Espírita e que geram
desnorteio quanto ao seu
lúcido conteúdo, cuja
autoridade está
fundamentada no ensino
coletivo dado pelos
Espíritos Superiores.
Isso eliminaria
publicações que somente
revelam sistemas
particulares de
Espíritos personalistas
e
pseudossábios.
Outro assunto
considerado mais grave
ainda pelo Codificador
trata-se dos falsos
adeptos. O artigo
aponta para uma
estratégia dos
adversários do
Espiritismo dos dois
planos da vida: produzir
fatos comprometedores ou
fazer com que os
sujeitos que aderem à
Doutrina os levem a
efeito, fabricando-se,
pouco a pouco,
intrigas ocultas
supostamente capazes de
desacreditar ou arruinar
o Espiritismo.
Os falsos adeptos eram
pessoas que o modo de
vida, as suas relações e
antecedentes inspiravam
pouca confiança quanto
às suas convicções
concernentes ao ensino
espírita. Apresentavam
uma admiração fanática e
se supunham mártires da
Doutrina, nada obstante,
como afirma Kardec, “não
atraem simpatias: um
fluido malsão parece
envolvê-los e sua
presença nas reuniões
lança um manto de gelo”[5].
Mas o golpe de
misericórdia na
caracterização dos
falsos adeptos do
Espiritismo está na
seguinte referência que,
apesar de longa, nos
permitimos citar para
que possamos pensar em
diálogo com o texto
kardequiano:
“O
que caracteriza
principalmente esses
pretensos adeptos é sua
tendência em fazer o
Espiritismo sair de seus
caminhos de prudência e
de moderação pelo seu
ardente desejo do
triunfo da verdade; a
impelir as publicações
excêntricas, a se
extasiar de admiração
diante das comunicações
apócrifas mais
ridículas, e que eles
têm o cuidado de
difundir; a provocar,
nas reuniões, assuntos
comprometedores sobre a
política e a religião,
sempre para o triunfo da
verdade que não precisam
ter sob o alqueire; seus
elogios sobre os homens
e as coisas são golpes
de turíbulo a quebrar
cinquenta faces: são os
fanfarrões do
Espiritismo. Outros são
mais adocicados e mais
insinuantes; sob seu
olhar oblíquo e com
palavras melosas, sopram
a discórdia, pregando a
desunião; lançam
jeitosamente sobre o
tapete questões
irritantes ou ferinas,
assunto de natureza a
provocar dissidências;
excitam um ciúme de
preponderância entre os
diferentes grupos, e
ficam encantados em
vê-los se lançarem
pedra, e, em favor de
algumas divergências de
opinião sobre certas
questões de forma e de
fundo, o mais
frequentemente
provocadas, levantar
bandeira contra
bandeira”[6].
Meditemos em torno dessa
rica análise que o
Codificador nos
apresenta a partir de
suas vivências no
movimento espírita
nascente e logo seremos
levados a admitir a
atualidade de suas
palavras. Pensemos nisso
não como quem procura
culpados aqui ou acolá.
Simplesmente, revivamos
na memória essas
assertivas e perguntemos
a nós mesmos, em nossos
momentos de oportuna
introspecção: o que
estamos fazendo dessa
Doutrina em nossos
fazeres espiritistas?
As imposturas no
movimento espírita
revelam, conforme cada
caso, vaidades,
obsessões, má-fé, mas,
sobretudo, ignorância
quanto à Filosofia
Espírita e as suas
consequências morais.
Portanto, é justo
recordemos outro alerta
de Kardec:
“o Espiritismo é mais
entravado pelos que o
compreendem mal do que
pelos que não o
compreendem
absolutamente, e, mesmo
pelos inimigos
declarados”[7].
Os pretensos adeptos não
somente procuravam
afastar a ação espírita
da finalidade séria de
seu conteúdo filosófico
– que, segundo Kardec,
não os interessava -,
como, igualmente,
organizavam reuniões, as
de diálogo e estudo com
os Espíritos, em lugares
impróprios e atraíam
estranhos para as
mesmas, misturando o que
deveria ser encarado com
religioso respeito com
aquilo que é profano e
vulgar.
Outros ainda se
dedicariam a publicações
de ideias que na
aparência professariam
os princípios do
Espiritismo e que,
através do estudo das
mesmas, seria fácil
identificar o objetivo
de fomentar dissensões
no seio da família
espírita.
CONTRAPONTO PRÁTICO
Allan Kardec, ao nos
apresentar esse grave
texto sobre os “falsos
irmãos e amigos
inábeis”, não deixa de
se referir ao
contraponto destas
imposturas cujo critério
de verdade está na
práxis do adepto do
Espiritismo. Diz-nos
ele: “não nos poderíamos
equivocar quanto ao
caráter do verdadeiro
espírita; há nele uma
franqueza de atitudes
que desafia toda
suspeição, sobretudo
quando corroborada pela
prática dos princípios
da doutrina”[8].
Desse modo, para que
possamos investigar
quanto à qualidade de
nossos serviços
prestados ao Espiritismo
ou para que tenhamos um
critério de verdade
visando saber com quem
estamos lidando nas
hostes espiritistas -
evitando-se ingenuidade
que mais faz mal do que
bem -, observemos com
autocrítica e
criticidade construtiva
o que nós todos estamos
apresentando em nossas
atitudes dentro e fora
de nossas atividades de
cunho exclusivamente
espírita.
Prossigamos em nossos
estudos em torno da
produção kardequiana,
procurando compreender e
viver em profundidade o
pensamento
espírita.
[3]
KARDEC, Allan.
Revista
Espírita: jornal
de estudos
psicológicos:
Ano sexto –
1863. 3. ed. Rio
de Janeiro:
Federação
Espírita
Brasileira,
2006, p.
109-118.