A luta de uma
mulher pela
dignidade humana
Como uma humilde
camponesa,
contra todas as
possibilidades,
liderou uma
revolução
silenciosa que
mudou a face de
uma
pobre região do
seu país
A revista Seleções
Reader`s Digest, de
maio de 2008,
publicou
reportagem de
Robert Kiener
com o título
“Uma mulher pode
fazer a
diferença”,
sobre Mukhtar
Mai, da pequena
aldeia rural de
Mirvala, ao sul
da província
paquistanesa de
Punjab.
Depois de ter
sido estuprada,
o caminho que
ela teria de
seguir, segundo
os costumes
locais, seria
cometer o
suicídio. Mas
ela decidiu
viver, para
lutar por
justiça e ajudar
outras mulheres
a terem uma vida
mais digna.
Apoiada pelos
pais e
fortalecida
espiritualmente
pelas lições do
Alcorão, ela
dizia: “Sou só a
primeira gota
d`água, mas a
chuva virá. E
muitas gotas de
chuva acabam
formando um
grande rio”.
Ninguém da sua
família (pai,
mãe e quatro
irmãos) sabia
ler nem
frequentara a
escola. Eram,
porém,
muçulmanos
devotos, que
rezavam cinco
vezes ao dia. Mukhtar
tinha uma mente
privilegiada e
conseguia
memorizar
trechos do
Alcorão.
Tranquila, mansa
no falar, essa
mulher altiva de
1,70 m de altura
pensava,
mantendo os
profundos olhos
negros voltados
para baixo: “O
Alcorão me
protegerá”.
A família de
Mukhtar Mai é da
casta mais baixa
dos gujar
e
vivia, até
então, de
escassos
recursos dos
campos de
cana-de-açúcar e
trigo. A casa
era de barro e tinham
eles somente
poucas cabras e
bois, uma vaca e
um pedaço de
terra. Não
dispunham de luz
elétrica,
telefone, nem
água corrente.
Mukhtar casou-se
aos 18 anos e
não teve filhos.
Um casamento
arranjado. Ela não
foi feliz. O
divórcio era raro
no Paquistão
rural – a mulher
era malvista,
mas os pais a
apoiaram e, em
menos de um ano,
Mukhtar recebeu
do marido o talaq
(na lei
islâmica, o
repúdio do homem
à mulher), que a
libertou
oficialmente do
casamento e lhe
permitiu voltar
para a casa da
família em
Mirvala.
A agressão
ocorreu na noite
de 22 de junho
de 2002,
quando Mukhtar
Mai tinha 28
anos. Em
31 de agosto de
2002, cinco dos
seis
mastoi (casta
superior)
condenados
(quatro por
estupro) foram
absolvidos e
libertados. O
sexto teve a
pena de morte
comutada para
prisão perpétua.
“O que realmente
preciso é de uma
escola”, disse
Mukhtar ao
receber dinheiro
do governo
Os ativistas dos
direitos humanos
protestaram
contra o
veredicto. Houve
também um
protesto
internacional e
o governo
paquistanês
ordenou que os mastoi
voltassem à
prisão.
Continuaram,
então, presos, à
espera de novo
julgamento.
Ghulam, pai de
Mukhtar Mai, lhe
ensinou a
respeitar os
mais velhos e a
proibia de
mentir. “Temos
muito pouco, mas
possuímos nossa
honestidade”,
dizia à filha, o
que fez com que
ela desenvolvesse
um forte senso
sobre o que é
certo ou errado.
Quando, por
ordem do
governo, a
ministra federal
para as
mulheres, Attiva
Inayatullah,
deu-lhe um
cheque de meio
milhão de rúpias
(cerca de 8.200
dólares – mais
do que seu pai
ganharia em
décadas),
Mukhtar, que
jamais havia
visto um
cheque, disse:
“Não preciso de
dinheiro. O que
realmente
preciso é de uma
escola”. Ela
teve essa ideia
ao perceber que
a maioria de
pessoas que se
solidarizaram
com ela eram
educadas. O
pagamento, disse
então a
ministra, não
era uma
compensação, mas
um pequeno
símbolo de
“nossa
identificação”
pelo sofrimento
pelo qual
Mukhtar passou.
Então, ela
concordou em
receber o
cheque, desde
que pudesse usar
o dinheiro para
a construção de
uma escola para
meninas.
Determinada,
comprou um
terreno perto de
casa e contratou
trabalhadores
para a
construção de
uma escola
primária. Ela
também ajudou,
fazendo tijolos
de barro e
transportando-os
para o local da
obra. A
Escola-Modelo
para Meninas
Mukhtar Mai
tomou forma e
abriu as portas
em dezembro de
2002. O governo
pavimentou a
estrada e trouxe
luz e telefone
para Mirvala.
Acompanhada de
guarda-costas da
polícia, ela foi
de casa em casa
pedir aos pais
que enviassem as
filhas para a
nova escola. A
tarefa não foi
fácil, pois
ouvia sempre a
alegação:
“Meninas não
precisam
aprender a ler”
ou “Só os
meninos precisam
ser educados”.
Mukhtar se
comprometeu,
então, a mandar
uma van para
buscar cada
menina.
Em pouco tempo
mais de 700
crianças de
todas as castas
eram ali
atendidas
A escola não
tinha luxo. Em
vez de cadeiras,
as meninas se
sentavam sobre
sacos de
aniagem. Mukhtar
se sentava ao
lado delas, para
também aprender
a ler e
escrever. Buscou
recursos, vendeu
seus brincos e
uma vaca e,
quando a
imprensa
divulgou a
história,
chegaram-lhe
muitas doações.
Ela, então,
contratou
carpinteiros
para fazer
assentos e
carteiras de
madeira para as
alunas. Foram
instalados
ventiladores no
teto, tornando,
assim, agradável
o ambiente
sufocante das
aulas. Com saldo
suficiente, ela
abriu uma escola
para meninos em
Mirvala e outra
para meninas
numa aldeia
próxima. E mais
de 700 crianças
de todas as
castas
(inclusive da
casta mastoi)
se misturavam
livremente nas
escolas.
A ação
benemérita de
Mukhtar Mai não
parou por aí.
Mulheres,
algumas
estupradas,
outras
mutiladas,
outras
espancadas, outras
com cicatrizes
horríveis no
rosto – vítimas
de ataques de
ácido – ou sem
nariz ou
orelhas, punição
para as supostas
adúlteras,
procuravam
Mukhtar. Foi
então criado, ao
lado da primeira
escola, o Centro
Mukhtar Mai de
Assistência de
Crise da Mulher,
para o qual
chegam, em
média,
diariamente,
cinco vítimas em
busca de
auxílio. E
ninguém deixa de
ser atendida.
“Mukhtar – diz a
reportagem –
fala baixo e
raramente olha
no rosto de
estranhos.
Embora tenha
viajado muito e
obtido
reconhecimento
internacional, é
muito tímida, e
prefere que
outros falem por
ela. Suas
maneiras gentis
impõem
respeito.”
Sempre que ela
entra no pátio
do colégio, os
alunos vêm e
educadamente
tocam no xale e
apertam-lhe a
mão. “Quando
estou com meus
alunos, sinto-me
em paz”, diz
ela.
Mukhtar sorri
quando vê Sidra
Nazaru, uma das
alunas mais
inteligentes da
escola. A menina
de 10 anos e
olhos claros diz
que quer ser
médica. Um ano
antes, os pais
de Sidra
ameaçaram
tirá-la do
colégio porque
haviam prometido
casá-la com um
homem de 30
anos. Mukhtar
enfrentou a
família, que
desistiu da
ideia. Sidra
continuou na
escola, livre
para perseguir
seu sonho.
Homens e
mulheres, ensina
o Espiritismo,
devem gozar de
direitos iguais
Com as escolas e
o Centro de
Assistência,
Mukhtar salvou e
continua a
salvar mulheres
paquistanesas da
repressão da
justiça
tradicional, o
mesmo sistema
obsoleto que a
tornou vítima de
um estupro
coletivo. Agora,
as mulheres
recorrem a ela,
em vez de se
submeter ao
panchayat
local. Como
diz o ativista
paquistanês de
direitos humanos
Hashid Rehman:
“Contra todas as
possibilidades,
essa humilde
camponesa
liderou uma
revolução
silenciosa".
A ignorância e o
desconhecimento
dos ensinamentos
de Jesus, em que
pese já terem
decorrido mais
de 2 mil anos da
sua passagem
luminosa pela
Terra, ocasionam
fatos como esse,
em que se
discrimina o ser
humano pelo
simples fato de
ter nascido
mulher!
A resposta das
Entidades
Venerandas às
questões 817 a
822 de O
Livro dos
Espíritos
esclarece
que Deus deu ao
homem e à mulher
a inteligência
do bem e do mal
e a faculdade de
progredir. A
inferioridade
moral da mulher
em certas
regiões vem
tão-somente do
domínio injusto
e cruel que o
homem exerceu
sobre ela.
A mulher é
fisicamente mais
fraca do que o
homem, para lhe
assinalar
funções
particulares.
Mas ambos têm
que se ajudar
mutuamente nas
suas provas.
Para que uma
legislação seja
perfeitamente
justa – ensina o
Espiritismo –,
deve consagrar
igualdade de
direitos entre o
homem e a
mulher. Todo
privilégio
concedido a um e
a outro é
contrário à
justiça. A
emancipação da
mulher segue o
processo da
civilização, ao
passo que a sua
escravização
marcha com a
barbárie. Os
sexos só existem
na organização
física, pois os
Espíritos podem
tomar um ou
outro, não
havendo
diferenças entre
eles a esse
respeito. Em
face disso,
devem gozar,
evidentemente,
dos mesmos
direitos.
No capítulo do
referido livro,
publicado pela
FEESP, há uma
nota de rodapé
do tradutor, J.
Herculano Pires,
que esclarece
que marido e
mulher não são
senhor e
escrava, mas
companheiros que
desempenham
tarefa comum,
com
responsabilidades
idênticas pela
sua realização.
Allan Kardec, ao
tratar do
assunto,
asseverou que
Deus apropria a
organização de
cada ser às
funções que ele
deve
desempenhar. Se
Deus deu menor
força física à
mulher, deu-lhe
ao mesmo tempo
maior
sensibilidade,
em relação à
delicadeza das
funções
maternais e à
debilidade dos
seres confiados
aos seus
cuidados. As
funções são
diferentes, mas
seus direitos
devem ser
iguais.