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Crônicas e Artigos
Ano 4 - N° 165 - 4 de Julho de 2010

JANE MARTINS VILELA
limb@sercomtel.com.br
Cambé, Paraná (Brasil)


Olhos de misericórdia


“Bem-aventurados aqueles que são misericordiosos, porque eles próprios obterão misericórdia.”
 – Jesus (Mateus, 5:7.)

“... Procura-se um amigo... que se apiede da dor que os passantes levam consigo...”  – Fernando Pessoa.

Sempre presenciamos, ao longo da vida, atitudes de amor e solidariedade, em ações nobres, revestidas de misericórdia, em obras de caridade. Houve uma época em que se falava mais de amor do que de violência.

Quando ainda jovens, pertencemos a um rol de pessoas que, por estarem envolvidas no campo da medicina, deixavam a piedade agir e socorriam muitos aflitos sem condições econômicas, sem cobrar, apenas porque necessitavam, apenas porque isso era justo. Conhecemos médicos, que ainda hoje estão encarnados, que, movidos pela bondade, pagavam do próprio bolso o hospital para o doente pobre internado, pois sabiam que ele não teria condições.

Houve uma época em que pudemos presenciar médicos da Santa Casa de nossa cidade natal internando pacientes pobres no que eles chamavam de internação social, porque esta pessoa morava sozinha, não tinha ninguém que cuidasse dela, precisava ser cuidada até poder voltar para casa. Pessoas queridas, que não enriqueceram na Terra, mas são Espíritos ricos de amor, são os misericordiosos de que nos fala Jesus, pessoas cuja presença iluminou o caminho de muitos que aprenderam com eles. Hoje, muitos, já encanecidos, nos dizem: “Sou um fracassado, não consegui nada, podia ser rico e não o sou”. E nós lembramos a eles que não há riqueza maior que o amor, que o exemplo deixado para quem com eles conviveu.

Estamos adentrando uma nova era, nós o sabemos, mas ainda vemos o desejo da posse material e o egoísmo em grande escala, como se, por muitos anos, esse amor que tanto presenciamos ao longo de nossa jornada tivesse ficado adormecido, no meio de quem buscava o ter, acima da busca de ser alguém melhor.

Quantas vezes pensamos nessa misericórdia triunfante! As leis dos homens têm-se imiscuído demais nas relações humanas, com determinações legais que deveriam espontaneamente partir dos sentimentos. É crescendo no amor que a humanidade cresce. Pobre da nação que precisa de leis e se baseia muito nelas e não na moralidade de seu povo, já dizia o ilustre Léon Denis. Devemos crescer porque isso é imperativo da evolução, e crescer na emoção, buscando olhar com misericórdia a dor de nossos irmãos.

Nesta semana pudemos ver uma senhora lutadora, que consideramos vitoriosa, cuja jornada física chegou ao final. Há muitos anos lutava por sua saúde. Seu fêmur havia sido retirado de uma de suas pernas, devido a um câncer e, mesmo assim, com ajuda de uma bengala, ela caminhava, e sempre sorridente, sempre recebendo a todos com alegria. Tinha problema cardíaco grave, mas não se abatia. Sua cuidadora, da família, tinha especial carinho por ela.

Nos últimos dias de vida, não conseguia mais comer direito, tudo muito pouco, desidratou-se a ponto de os olhos ficarem fundos, encovados, não respondendo a estímulos. A família, desesperada, não sabia o que fazer. O médico da família, compadecido, viu que não dava para ela ficar em casa, precisava interná-la para hidratação, para não morrer à míngua. Foi encaminhada com urgência, mas há momentos em que os olhos de misericórdia se encontram um tanto fechados. Hidrataram-na e a mandaram para casa. Isso se repetiu umas três vezes e ela estava com pneumonia. A família, indo e voltando do hospital que desenganou a paciente. Era para morrer em casa – o que é muito bom, morrer cercado da família, como era antes, e não num hospital, longe dos seres amados – é olhar de misericórdia. Só que se esqueceram de alguns detalhes. A senhora em questão não comia nem bebia e a família ali, vendo-a à míngua, sentindo-se impotente. Aí entrou de novo o olhar de misericórdia. O médico da família, compadecido, sobrepujou-se às leis do município, que não permite internação em casa, e, conversando com a família e o enfermeiro, combinou de ministrar-lhe soro endovenoso em casa mesmo, pois viu o grau de desidratação em que ela estava.

O enfermeiro viria, “pegaria” sua veia, daria o soro necessário, vigiando, com o auxílio da família, para que ela não perdesse a veia. Ela melhorou e conseguiu engolir alimentos aos poucos, conseguindo se despedir da família antes de desencarnar, o que fez com que a família ficasse muito agradecida ao médico e ao enfermeiro. Estes se sentiram muito bem porque deixaram a compaixão agir.

Nestas horas difíceis da Terra, em que tanto ansiamos para que o amor faça morada no coração dos homens, em que ansiamos para que o progresso moral ocorra, que a Terra se transforme para o bem, deixemos nosso coração se enternecer com o sofrimento dos nossos irmãos e façamos o possível para sermos um passante que se apiede da dor alheia em qualquer lugar onde estivermos, até mesmo em nossa própria casa. Ao dirigirmos a palavra a alguém, lembremos a piedade e cuidemos do nosso falar. Que nosso agir seja de paz. Precisamos, com a edificação de sentimentos de amor, não necessitar de leis humanas para nos lembrarmos de que precisamos nos tratar com o respeito que desejamos, pois assim ensinava Jesus.



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita