LEDA MARIA
FLABOREA
ledaflaborea@uol.com.br
São Paulo, SP
(Brasil)
Semeaduras e colheitas
A
semeadura é livre, mas a
colheita é compulsória
“Ao que tem, se lhe
dará, e terá em
abundância, mas ao que
não tem,
até o que tem
lhe será tirado.” *
Essa frase de Jesus
aparece em vários
momentos no Novo
Testamento, mas tem
destaque nas
Parábolas do Semeador,
dos Talentos
(Mateus) ou das Minas
(Lucas) e do Joio;
e nos ensinamentos
“Buscai e achareis”,
“Ajuda-te e o Céu te
ajudará”. Mas é,
sobretudo, nas três
parábolas que
encontramos o chamado
que o Mestre faz para o
entendimento do
livre-arbítrio e do seu
uso. E dentre elas nosso
destaque é a Parábola
do Semeador.
Assim, vamos lembrar de
uma passagem na qual o
Sublime Benfeitor falava
com o povo quando sua
mãe e seus irmãos
chegaram, procurando-O,
e alguém Lhe disse:
“Tua mãe e teus irmãos
estão lá fora e querem
falar-te”. E Ele
respondeu a quem lhe
trouxe o aviso: “Quem
é minha mãe e quem são
meus irmãos?” E
estendendo a mão para os
discípulos disse: “Eis
minha mãe e meus irmãos,
porque qualquer um que
fizer a vontade de meu
Pai celeste, esse é meu
irmão, minha irmã e
minha mãe”. Jesus
estabelece naquele
momento o parentesco
divino entre todos, e
destaca a necessidade de
escolhermos o bem, o
amor e a verdade para
estarmos em harmonia com
Deus e com os
ensinamentos que derrama
sobre nós.
Naquele mesmo dia,
saindo de casa,
sentou-se à beira do mar
e grande multidão
reuniu-se perto dele.
Por causa disso, entrou
em um barco, acomodou-se
e falou a eles muitas
coisas por parábolas, e
dizia: “Eis que um
homem saiu a semear...”
O Mestre descreve o que
vai acontecendo com as
sementes que, na
verdade, são elementos
figurativos que bem
representam a forma como
a Palavra Divina chega
ao entendimento dos
homens:
a) Jogadas à beira do
caminho, as aves as
comem;
b) Atiradas nas pedras,
até brotam, mas, como
não têm raízes firmes,
morrem;
c) Lançadas no meio dos
espinhos, eles se
encarregam de sufocar o
crescimento, mesmo que
germinem;
d) Mas, jogadas em terra
fértil, brotam fortes,
desenvolvem-se, dão
flores, frutos e cada
fruto produz mais 30, 60
ou 100.
No livro Parábolas e
Ensinos de Jesus,
Cairbar Schutel
refere-se à Parábola
do Semeador, como a
parábola das parábolas,
porque sintetiza os
caracteres predominantes
em todas as almas e, ao
mesmo tempo, ensina a
distingui-las pela boa
ou má vontade com que
recebem as boas novas
espirituais. Dessa
forma, temos as almas
que são “beiras de
caminho”, ou seja,
onde passam todas as
ideias grandiosas, como
pessoas nas estradas,
sem gravarem nenhuma
delas. São as pedras
impenetráveis às novas
ideias, são os espinhos
que sufocam as verdades,
como as plantas que não
permitem o crescimento
do que quer que seja ao
seu redor. São homens e
terras improdutivas.
Mas também temos, ao
lado dessas almas,
aquelas de boa vontade,
que recebem a palavra de
Deus e a colocam em
prática. Terra fértil
que acolhe a semente
bendita da qual resulta
boa produção.
No momento evolutivo que
vivemos, temos todas
essas características em
nós mesmos. Qualidades
que já podem produzir
bons frutos, mas também
dificuldades que não
permitem a germinação da
boa semente. Como todo
esse processo evolutivo
é longo e demorado,
exige de cada um de nós
o exercício da
paciência, da
perseverança e da
coragem para lutar
contra as próprias
dificuldades, em acertos
e erros contínuos, até
que aprendamos a
escolher somente o bem.
Entendemos que a “semente”
é a palavra de Deus, mas
seu aproveitamento não é
uniforme, em razão da
variedade de seres que
habitam o planeta. Dessa
forma temos uns mais
propensos ao bem, à
caridade e à
fraternidade, e outros
mais inclinados ao mal,
ao egoísmo e ao orgulho.
Uns mais atentos às
coisas do Céu e outros
mais apegados aos bens
da Terra, ao transitório
e fugaz.
Portanto, segundo Jesus,
a terra que recebe a
semente representa o
estado intelectual e
moral de cada um: seja
beira de caminho,
pedregal, espinhal ou
boa terra... Por
exemplo, o amor que se
transforma em outro
sentimento ou perde seu
encanto e poesia, ou
simplesmente desaparece,
é por negligência
exclusiva do seu
“cultivador” e não de
Deus. Era pouco e, após
a transformação, ficou
sem nada. Se fosse
verdadeiro, teria sido
multiplicado.
Podemos acrescentar,
ainda, que nem todos que
pregam a Palavra o fazem
tal qual ela é: Simples
e despida de formas
enganosas. Encontramo-la
revestida de tantos
mistérios, de dogmas, de
retórica que, embora a
Palavra permaneça, fica
enclausurada na forma,
sem que se possa ver o
fundo, a essência.
Muitos a pregam por
interesse, por vaidade e
grande parte por
egoísmo. Não dissipam as
trevas, endurecem
corações ao invés de
abrandá-los, não
anunciam a Palavra, mas
fazem dela um
instrumento para
receberem ouro ou
glória. Como têm pouco a
dar, acabam por esvaziar
a oportunidade que lhes
foi dada, pelo Pai, de
espalhar o entendimento,
a fraternidade, a
solidariedade, enfim, o
Amor ao próximo...
A Palavra não pode ser
rebaixada. Ela deve
estar acima de nós
mesmos – nos dizeres de
Cairbar Schutel - “porque
aquele que despreza a
Palavra, anunciando-a ou
ouvindo-a, despreza seu
Instituidor e, como
disse Ele: ‘Quem me
despreza e não recebe as
minhas palavras, tem
quem o julgue; a Palavra
que falei, esta o
julgará no último dia’”.
(João, 12: 48.)
Voltemos a Jesus: Assim
que encerrou a narrativa
sobre o Semeador, os
discípulos perguntaram
ao Mestre por que falava
através de parábolas. E
Ele respondeu:
“Porque a vós outros é
dado conhecer os
mistérios do Reino dos
Céus, mas àqueles não
lhes é concedido. Pois
ao que se tem se lhe
dará, e terá em
abundância, mas ao que
não tem, até o que tem
lhe será tirado. Por
isso vos falo por
parábolas; porque vendo,
não veem; e, ouvindo,
não ouvem , nem
entendem; porque o
coração deste povo está
endurecido”.
Esta afirmação de Jesus
parece paradoxal. Como
dar mais a quem já tem e
tirar daquele que pouco
tem? O Mestre era
incoerente? Vamos pensar
em um exemplo, com
valores materiais, que
pode ilustrar nosso
tema: Um homem adquire
boa posição financeira.
Se é imprevidente e
malbarata os bens
conquistados, perderá o
que já obtivera,
confirmando a assertiva
de Jesus. Mas, se esse
homem toma providências,
sensatamente, para
estabilizar a boa
posição, conservando-a
para o bem de todos,
consolidará seu
bem-estar. Com os
tesouros do Espírito o
problema é o mesmo, mas
é preciso que fique
claro que o ensino de
Jesus é figurado, pois
Deus jamais tirará o bem
que lhe foi concedido. É
preciso ver o
ensinamento pelo
espírito. Não é Deus
quem retira daquele que
pouco havia recebido,
mas é o próprio Espírito
que, pródigo e
descuidado, não sabe
conservar o que tem e
aumentar, fecundando a
migalha que caiu no seu
coração.
O Evangelho segundo o
Espiritismo
dá outro excelente
exemplo: O filho que não
cultiva o campo que o
trabalho do pai
conquistou, para
deixar-lhe de herança,
vê esse campo cobrir-se
de ervas daninhas. As
perguntas que os
Espíritos superiores
fazem e que necessitamos
responder a nós mesmos
são:
1 – foi seu pai que lhe
tirou as colheitas que
ele não preparou?
2 - se ele deixou a
sementeira morrer nesse
campo por falta de
cuidado, deve acusar o
pai pela falta de
produção? Evidente que
não! Deve acusar, sim, a
si próprio, que é o
verdadeiro responsável
pela própria miséria.
Por outro lado, terá,
também, a chance de
arrepender-se e retomar
o trabalho e plantar a
boa semente escolhida
entre as más. Cuidar,
zelar, arrancando as
ervas daninhas que podem
sufocar a nova
sementeira. Isso dá
trabalho? Dá e muito!
Vale a pena? Vale,
porque a colheita será
imensa. Estamos
plantando para nós
mesmos, hoje, com vistas
a um futuro de muita
felicidade.
Mas o ensinamento do
Mestre ainda aparece na
Parábola dos Talentos,
que tem a mesma
significação da
Parábola das Minas,
e é importante
lembrar-se disso por
causa da conclusão que
Jesus dá à narrativa
dessa parábola:
“Tirai, pois, o talento,
e dai-o ao que tem dez.
Porque a todo que tem se
lhe dará, e terá em
abundância; mas, ao que
não tem, até o que tem
lhe será tirado. E o
servo inútil, lançai-o
para fora, nas trevas.
Ali haverá choro e
ranger de dentes”.
Bibliografia:
*MATEUS,
13: 10-14.
MATEUS,
25: 14-30.
MARCOS,
4: 23-24.
KARDEC,
Allan. O Evangelho
segundo o Espiritismo
- Cap. 18, itens 13 a
15.
SCHUTEL,
Cairbar. Parábolas e
Ensinos de Jesus –
14ª ed., Casa Editora O
Clarim – MATÃO/SP – 1997
- Parábola do Semeador.
ROHDEN,
Huberto. Sabedoria
das Parábolas – 12ª
ed., Editora Martin
Claret – São Paulo/SP,
1997, pág.87.
PERALVA,
Martins. O Pensamento
de Emmanuel – 4ª
ed., FEB – RIO DE
JANEIRO/RJ – 1991 – cap.
8.