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Crônicas e Artigos

Ano 4 - N° 173 - 29 de Agosto de 2010

LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com 
São José dos Campos, São Paulo (Brasil)


A cobrança do dízimo: Uma aberração à luz dos
ensinos de Jesus


A primeira questão que surge ao analisarmos a proposta do dízimo é justamente saber por que a doação mensal obrigatória à Igreja necessita ser exatamente a décima parte (ou seja, literalmente o “dízimo”) do salário do crente (no caso, do contribuinte).

O que essa percentagem teria de tão especial?!

De fato, 10% da renda mensal para um indivíduo com maiores recursos econômicos têm um impacto muito menor do que 10% para um pobre, pois as necessidades básicas mínimas de vida para um homem são as mesmas. Até a lei humana já estabeleceu isso há muito tempo nas taxas percentuais que são cobradas no Imposto de Renda das diferentes camadas sociais. Aqueles que ganham mais, pelo menos em grande número das sociedades mais justas, contribuem com uma taxa percentual maior de seus ganhos do que os cidadãos menos abastados.

A propósito, a passagem evangélica conhecida como “O óbolo da viúva” não seria exatamente a antítese da cobrança do dízimo ou de qualquer taxa pré-fixada?! E por que tem que ser exatamente 10%?! Seria um número “mágico”?! Por que não 8% ou 12%?!

Outra questão fundamental que surge de tal cobrança é ainda mais profunda. Por que eu devo “terceirizar” os meus gestos de caridade?! Por que eu sou obrigado a transferir para outro a minha responsabilidade de ajudar?! Por acaso, o amor seria uma Lei somente para os pressupostos “religiosos oficiais” e não para todos os seres criados por Deus, isto é, todos os irmãos espirituais?! Se eu decidir doar 10% do meu salário, por que eu deveria obrigatoriamente entregar esse dinheiro a uma instituição A ou B para atender à Vontade de Deus?! Por que eu mesmo não procuro as pessoas necessitadas que eu conheço e ajudo diretamente aos meus irmãos?! Nós necessitaríamos de “atravessadores” para fazer o bem?! E, o que é pior, isso agradaria a Deus?! Se não fizéssemos isso, Deus que é onisciente, não consideraria nosso gesto de amor?!

Além disso, se um indivíduo, que eu conheço minimamente, está passando por uma necessidade material e eu posso ajudar, não seria uma obrigação minha, como cristão, contribuir para a resolução do problema?! Ora, se eu doar o dinheiro para a Igreja, a contribuição chegará a essa pessoa?! Provavelmente não. É claro que a instituição religiosa pode dar um fim digno à aplicação do dinheiro, mas não necessariamente vai ajudar aquela pessoa que somente eu tinha conhecimento da sua necessidade. Todos nós temos responsabilidades pessoais perante a Lei de Deus que não podem ser transferidas a outrem! Sobretudo, quando se trata de indivíduos da nossa família espiritual, que são todos aqueles que convivem conosco: parentes, vizinhos, colegas de trabalho, pessoas necessitadas de nossa cidade etc.

Se admitirmos que a contribuição do dízimo ou de quaisquer outros tipos de ofertas materiais a instituições religiosas soluciona majoritariamente a nossa necessidade de exercício da caridade, dentro do âmbito da caridade material, estaríamos esperando que as instituições religiosas resolvessem totalmente os problemas materiais do mundo, o que evidentemente não acontecerá. Ademais, estaríamos desprezando a mensagem de Jesus, que nunca precisou de instituições religiosas para fazer o bem. Pelo contrário, combateu o abuso das instituições religiosas de seu tempo, as quais, tal como ocorre frequentemente nos dias atuais, nem sempre cumpriam com suas obrigações mínimas de ação no campo da caridade em suas várias vertentes, inclusive na caridade material. Realmente, se considerarmos tamanha incoerência evangélica, estaríamos ignorando um dos mais belos ensinos de Jesus, que está inserido na chamada “Parábola do Bom Samaritano”. De fato, nessa parábola, os religiosos não ajudaram o necessitado, “passando de largo”. Poderíamos supor que tais religiosos (o sacerdote e o levita) poderiam ter relevado tal atitude, pois não se sentiam sensibilizados a ajudar, uma vez que “isso (ajudar o próximo!)” deveria ser obrigação das instituições religiosas e governamentais (como, aliás, muitos pensam hoje em dia).

Vale lembrar que quando Jesus encontrou a Samaritana asseverou com muita contundência “Chegará o dia em que Deus será adorado em Espírito e Verdade”. Ora, o Amor, que é a síntese da Lei de Deus, tem na caridade o seu viés dinâmico, atuante e trabalhador. Não vê hora, contexto e situação, tentando ser sempre útil! Nos dizeres de Raul Teixeira, “caridade é o Amor dinâmico, o Amor em ação”. Por outro lado, nem só de caridade material vive o Amor assim como “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Será que se eu doar “apenas” o meu serviço, o meu tempo, a minha inteligência e a minha boa vontade, estarei em débito perante a Lei porque não doei 10% do meu salário diretamente a uma determinada instituição religiosa?!

Alguns poderiam argumentar que a doação do dízimo é “algo bíblico”. Diríamos, por nossa vez, que tal cobrança pode ser bíblica, mas não é evangélica, uma vez que as pressupostas bases bíblicas desse hábito estão inseridas no Velho Testamento, sobretudo em Malaquias, e não no Novo Testamento, que corresponde aos ensinos de Jesus, nosso Mestre. Ora, se cremos que Jesus é a nossa referência maior em termos de religiosidade/espiritualidade, não deveríamos priorizar o Velho Testamento em detrimento do Evangelho de Jesus! Léon Denis em “Cristianismo e Espiritismo” afirma que a bíblia é um conjunto de livros de méritos espirituais muito diferenciados e esta também é a opinião de grande número de grandes estudiosos da Bíblia provenientes de diferentes correntes religiosas. O Benfeitor espiritual Emmanuel afirma que “O Velho Testamento é a busca do homem em direção a Deus e o Novo Testamento é a Resposta de Deus a essa busca”. Portanto, o Velho testamento teria muito mais do homem do que de Deus e o Novo Testamento teria uma contribuição majoritária da Inspiração Divina em comparação com a parcela gerada pelas contradições humanas.

Vale adir que o próprio Mestre Jesus várias vezes corrigia crenças do Velho Testamento quando afirmava “Tendes ouvido o que vos foi dito, Eu, porém, vos digo....”, demonstrando que a mensagem dEle, Jesus, era muito superior àquela exarada no chamado Velho Testamento.

Em verdade, o dízimo só existe e é sustentado por alguns como “verdade bíblica” em função da necessidade de manutenção material das igrejas, uma vez que na maioria dos casos, com raras e especiais exceções, o religioso é infelizmente um “religioso profissional”, ou seja, ele vive materialmente (recebendo salário!) da religião, necessitando angariar fundos para manter-se economicamente. Assim, grande parte do conteúdo econômico dos dízimos é obtida para pagar o salário dos religiosos profissionais e não para gerar obras de benemerência para os mais necessitados. Todos os Apóstolos de Jesus tinham suas profissões e mantinham-se e a seus familiares com seus respectivos trabalhos materiais. A maioria era constituída por pescadores, sendo que Mateus era cobrador de impostos, Lucas era médico, Barnabé era oleiro e Paulo era tecelão. Assim sendo, os Apóstolos viviam “dando a César o que é de César e dando a Deus o que é de Deus”, e, podendo, dessa forma, “dar de graça o que de graça receberam”, ou seja, tudo aquilo que era de valor espiritual, não desfrutando de nenhuma vantagem de ordem material direta em função de divulgarem o Evangelho de Jesus.

 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita