LEONARDO MARMO MOREIRA
leonardomarmo@gmail.com
São José dos Campos, São
Paulo (Brasil)
A cobrança do dízimo:
Uma aberração à luz dos
ensinos
de Jesus
A primeira questão que
surge ao analisarmos a
proposta do dízimo é
justamente saber por que
a doação mensal
obrigatória à Igreja
necessita ser exatamente
a décima parte (ou seja,
literalmente o “dízimo”)
do salário do crente (no
caso, do contribuinte).
O que essa percentagem
teria de tão especial?!
De fato, 10% da renda
mensal para um indivíduo
com maiores recursos
econômicos têm um
impacto muito menor do
que 10% para um pobre,
pois as necessidades
básicas mínimas de vida
para um homem são as
mesmas. Até a lei humana
já estabeleceu isso há
muito tempo nas taxas
percentuais que são
cobradas no Imposto de
Renda das diferentes
camadas sociais. Aqueles
que ganham mais, pelo
menos em grande número
das sociedades mais
justas, contribuem com
uma taxa percentual
maior de seus ganhos do
que os cidadãos menos
abastados.
A propósito, a passagem
evangélica conhecida
como “O óbolo da viúva”
não seria exatamente a
antítese da cobrança do
dízimo ou de qualquer
taxa pré-fixada?! E por
que tem que ser
exatamente 10%?! Seria
um número “mágico”?! Por
que não 8% ou 12%?!
Outra questão
fundamental que surge de
tal cobrança é ainda
mais profunda. Por que
eu devo “terceirizar” os
meus gestos de
caridade?! Por que eu
sou obrigado a
transferir para outro a
minha responsabilidade
de ajudar?! Por acaso, o
amor seria uma Lei
somente para os
pressupostos “religiosos
oficiais” e não para
todos os seres criados
por Deus, isto é, todos
os irmãos espirituais?!
Se eu decidir doar 10%
do meu salário, por que
eu deveria
obrigatoriamente
entregar esse dinheiro a
uma instituição A ou B
para atender à Vontade
de Deus?! Por que eu
mesmo não procuro as
pessoas necessitadas que
eu conheço e ajudo
diretamente aos meus
irmãos?! Nós
necessitaríamos de
“atravessadores” para
fazer o bem?! E, o que é
pior, isso agradaria a
Deus?! Se não fizéssemos
isso, Deus que é
onisciente, não
consideraria nosso gesto
de amor?!
Além disso, se um
indivíduo, que eu
conheço minimamente,
está passando por uma
necessidade material e
eu posso ajudar, não
seria uma obrigação
minha, como cristão,
contribuir para a
resolução do problema?!
Ora, se eu doar o
dinheiro para a Igreja,
a contribuição chegará a
essa pessoa?!
Provavelmente não. É
claro que a instituição
religiosa pode dar um
fim digno à aplicação do
dinheiro, mas não
necessariamente vai
ajudar aquela pessoa que
somente eu tinha
conhecimento da sua
necessidade. Todos nós
temos responsabilidades
pessoais perante a Lei
de Deus que não podem
ser transferidas a
outrem! Sobretudo,
quando se trata de
indivíduos da nossa
família espiritual, que
são todos aqueles que
convivem conosco:
parentes, vizinhos,
colegas de trabalho,
pessoas necessitadas de
nossa cidade etc.
Se admitirmos que a
contribuição do dízimo
ou de quaisquer outros
tipos de ofertas
materiais a instituições
religiosas soluciona
majoritariamente a nossa
necessidade de exercício
da caridade, dentro do
âmbito da caridade
material, estaríamos
esperando que as
instituições religiosas
resolvessem totalmente
os problemas materiais
do mundo, o que
evidentemente não
acontecerá. Ademais,
estaríamos desprezando a
mensagem de Jesus, que
nunca precisou de
instituições religiosas
para fazer o bem. Pelo
contrário, combateu o
abuso das instituições
religiosas de seu tempo,
as quais, tal como
ocorre frequentemente
nos dias atuais, nem
sempre cumpriam com suas
obrigações mínimas de
ação no campo da
caridade em suas várias
vertentes, inclusive na
caridade material.
Realmente, se
considerarmos tamanha
incoerência evangélica,
estaríamos ignorando um
dos mais belos ensinos
de Jesus, que está
inserido na chamada
“Parábola do Bom
Samaritano”. De fato,
nessa parábola, os
religiosos não ajudaram
o necessitado, “passando
de largo”. Poderíamos
supor que tais
religiosos (o sacerdote
e o levita) poderiam ter
relevado tal atitude,
pois não se sentiam
sensibilizados a ajudar,
uma vez que “isso
(ajudar o próximo!)”
deveria ser obrigação
das instituições
religiosas e
governamentais (como,
aliás, muitos pensam
hoje em dia).
Vale lembrar que quando
Jesus encontrou a
Samaritana asseverou com
muita contundência
“Chegará o dia em que
Deus será adorado em
Espírito e Verdade”.
Ora, o Amor, que é a
síntese da Lei de Deus,
tem na caridade o seu
viés dinâmico, atuante e
trabalhador. Não vê
hora, contexto e
situação, tentando ser
sempre útil! Nos dizeres
de Raul Teixeira,
“caridade é o Amor
dinâmico, o Amor em
ação”. Por outro lado,
nem só de caridade
material vive o Amor
assim como “Nem só de
pão viverá o homem, mas
de toda palavra que
procede da boca de
Deus”. Será que se eu
doar “apenas” o meu
serviço, o meu tempo, a
minha inteligência e a
minha boa vontade,
estarei em débito
perante a Lei porque não
doei 10% do meu salário
diretamente a uma
determinada instituição
religiosa?!
Alguns poderiam
argumentar que a doação
do dízimo é “algo
bíblico”. Diríamos, por
nossa vez, que tal
cobrança pode ser
bíblica, mas não é
evangélica, uma vez que
as pressupostas bases
bíblicas desse hábito
estão inseridas no Velho
Testamento, sobretudo em
Malaquias, e não no Novo
Testamento, que
corresponde aos ensinos
de Jesus, nosso Mestre.
Ora, se cremos que Jesus
é a nossa referência
maior em termos de
religiosidade/espiritualidade,
não deveríamos priorizar
o Velho Testamento em
detrimento do Evangelho
de Jesus! Léon Denis em
“Cristianismo e
Espiritismo” afirma que
a bíblia é um conjunto
de livros de méritos
espirituais muito
diferenciados e esta
também é a opinião de
grande número de grandes
estudiosos da Bíblia
provenientes de
diferentes correntes
religiosas. O Benfeitor
espiritual Emmanuel
afirma que “O Velho
Testamento é a busca do
homem em direção a Deus
e o Novo Testamento é a
Resposta de Deus a essa
busca”. Portanto, o
Velho testamento teria
muito mais do homem do
que de Deus e o Novo
Testamento teria uma
contribuição majoritária
da Inspiração Divina em
comparação com a parcela
gerada pelas
contradições humanas.
Vale adir que o próprio
Mestre Jesus várias
vezes corrigia crenças
do Velho Testamento
quando afirmava “Tendes
ouvido o que vos foi
dito, Eu, porém, vos
digo....”, demonstrando
que a mensagem dEle,
Jesus, era muito
superior àquela exarada
no chamado Velho
Testamento.
Em verdade, o dízimo só
existe e é sustentado
por alguns como “verdade
bíblica” em função da
necessidade de
manutenção material das
igrejas, uma vez que na
maioria dos casos, com
raras e especiais
exceções, o religioso é
infelizmente um
“religioso
profissional”, ou seja,
ele vive materialmente
(recebendo salário!) da
religião, necessitando
angariar fundos para
manter-se
economicamente. Assim,
grande parte do conteúdo
econômico dos dízimos é
obtida para pagar o
salário dos religiosos
profissionais e não para
gerar obras de
benemerência para os
mais necessitados. Todos
os Apóstolos de Jesus
tinham suas profissões e
mantinham-se e a seus
familiares com seus
respectivos trabalhos
materiais. A maioria era
constituída por
pescadores, sendo que
Mateus era cobrador de
impostos, Lucas era
médico, Barnabé era
oleiro e Paulo era
tecelão. Assim sendo, os
Apóstolos viviam “dando
a César o que é de César
e dando a Deus o que é
de Deus”, e, podendo,
dessa forma, “dar de
graça o que de graça
receberam”, ou seja,
tudo aquilo que era de
valor espiritual, não
desfrutando de nenhuma
vantagem de ordem
material direta em
função de divulgarem o
Evangelho de Jesus.