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Crônicas e Artigos

Ano 4 - N° 177 - 26 de Setembro de 2010

CHRISTINA NUNES
cfqsda@yahoo.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)
 

Simplesmente vida!


Imagine uma situação hipotética na qual sentimos sede por um período dilatado demais, sem conseguir beber água. Se de súbito nos deparamos com um manancial abundante do precioso líquido, há que se beber com parcimônia – sob o risco de engasgar ou afogar, se simplesmente mergulhar, sôfregos, num tanque transbordante da linfa fresca da qual tanto ansiávamos, não?

Coisa semelhante acontece em muitas situações de retorno às múltiplas dimensões extrafísicas, depois do período mais ou menos extenso no qual toda a identificação se confinou no nosso dia-a-dia material terreno. Todos os temos. Horários e compromissos. Pessoas caras à nossa estima, que se constituíram no lume em torno do qual girávamos como girassóis humanos, constituindo-se todas estas coisas, aparentemente, no cerne mesmo do nosso ser!

Natural que, num primeiro momento, nos sintamos sem chão. Que fazer, pois, desta súbita, ampla e irrestrita liberdade - deparando a fonte vital primeva, a continuidade pura e simples? A mais patente condição de eternidade na qual todos estamos mergulhados – embora aqui, na materialidade, habitualmente nos situemos em estado crítico de inconsciência destas realidades definitivas?

Noutro dia, em estado semiprojetivo, fui reportada a um destes momentos em companhia de meu mentor e de outros afetos deste Mundo Maior; uma condição de lembrança vaga do que foi sentido e experimentado. Algo do que era visto, dito, ouvido e instruído. Olhava em volta, para todos os cenários, luzes e cores perolados – indescritíveis com exatidão verbal aqui, onde nos situamos transitoriamente – e indagava de mim mesma o que fazer.

A angústia momentânea pode vir a ser fator quase inevitável a ser experimentado. Onde os que nos ocuparam integralmente, e de maneira mais imediata, o coração e os pensamentos, e em relação aos quais foram nutridos todos os nossos mais bem-intencionados cuidados e zelos? Onde as atividades rotineiras, quase automáticas, levadas a cabo numa extensão muitas vezes longa de anos, pelo menos, segundo a nossa percepção esfacelada de consciência? Onde os fatores de lazer e de distração? Preferências, rejeições particulares por isto, ou por este, ou por aquilo, neste despertar definitivo no estado redivivo da existência, embaçam, e quase que se veem dolorosamente destituídos de sentido – extirpados de nós a pulso, neste puro, simples e ao mesmo tempo renovado continuar.

Subiam à tona destas imagens, por entre névoas, as perguntas: que fazer agora? Num lugar de beleza inimaginável, rodeada de companhias amigas e de afetos inestimáveis, nada obstante, a sensação de perda e de angústia se fazia inquestionável! A falta dolorida dos que deixamos para trás nas lutas corpóreas; as preocupações vívidas e inarredáveis sobre o seu estado e o modo como continuariam, sem a nossa participação assídua no contexto de suas jornadas materiais! O aconchego tão presente e familiar do lar, dos detalhes; dos cômodos, dos cheiros, risos e novidades diárias. O trabalho, as atividades cotidianas... Onde fica tudo, num tal contexto de modificação vital tão radical, a aguardar todos nós, mais ou menos à frente?

Nesta hora, o amparo dos mentores, amigos e familiares espirituais, bem como o bom hábito de quem já se fez afeiçoar ao estado elevado de prece e de conexão com as energias depuradas e sedativas da Vida, se fazem inestimáveis – arrisco mesmo, imprescindíveis – em tal conjuntura delicada! Afinal, é o momento de se reencontrar e de prosseguir. Instante supremo de identificação de nós mesmos naquela verdade maior e suprema da existência, com vistas a se estabelecer outros rumos e um sentido mais amplo, mais autêntico, que nos oriente os passos nos próximos caminhos.

Voltamos para o lugar de onde viemos – melhor dizendo, de onde, em verdade, nunca nos distanciamos em espírito, somente que em memória; reencontramos todos aqueles afetos tão importantes quanto os que ficaram na retaguarda da materialidade, apenas que esquecidos – felizes com o nosso retorno, e em poderem nos auxiliar na adaptação de volta ao lar! Ao mais genuíno e autêntico Lar!

E aos poucos recobramos nossa capacidade de análise mais acurada; delicada e progressivamente. Sem sobressaltos, e bem conduzidos pelo amor e carinho destes que tão desveladamente nos recebem! Como desprezar nossa realidade maior? Como ignorar que prosseguir é a opção única e definitiva, só dependendo de nós mesmos a aceitação desta verdade de um modo mais sábio, sereno, sem nos entregarmos a estados de perturbação e de descontrole emocional que em nada nos auxiliarão no progresso bem-sucedido de nossas vivências, em qualquer lugar onde a Vida nos situe?

"Vive com moderação as tuas horas, tendo em conta que és imortal" – diz um adágio anônimo.

– Que farei agora? – devo ter articulado, em confusa perplexidade naquele estágio já tantas vezes vivenciado de ressurreição de mim mesma. – Onde as referências às quais estava habituada? Os que tanto estimo, e que não sei agora em que estado se acham, nem como reagirão à nova condição de minha ausência?!

A sensação deveria ser de completo desnorteamento, de falta de chão. Mas aquele mentor tranquilo e fiel, que sempre esteve ao meu lado – como os possuem todos vocês, queridos leitores, ciceroneando da invisibilidade as etapas de sua jornada física, sem nenhuma sombra de dúvidas –, também ali, naquele instante de suprema insegurança e perturbação, ainda daquela feita não me abandonaria sem uma palavra de inspiração; sem uma atitude segura e terna que me ajudasse a restabelecer a certeza de que nunca nos achamos sós em nossas caminhadas incessantes dentro do eterno presente apenas insinuado em luzes, sons e cores diversificadas, na marcha inexorável quanto ilusória dos minutos.

– O que você vê em você mesma, em mim, e em volta, minha querida? Não se assemelha, em linhas gerais, ao que via durante todo o tempo também por lá, na estadia material? Não é Vida – simplesmente Vida – o que você, ainda agora, vê e sente em nós mesmos, como em tudo o que nos cerca?

Ele sorria com serenidade, como lhe era usual, o olhar brilhante e profundo ao dizer-me estas verdades singelas – como alguém que busca despertar suavemente uma criança em sobressalto depois de um período extenso de sono profundo.

Devo ter assentido em ouvindo aquilo, vagueando um olhar, talvez embaciado por lágrimas mistas de angústia com encantamento, pelos cenários luminosos e indescritíveis ao derredor.

– Então, apenas continuemos: com calma e sem pressa, porque cada tempo e lugar é um aprendizado novo e único, como nos primeiros dias em que, sob os amorosos cuidados maternos, ainda uma vez reaprendeste, criança, a andar! – e, tomando-me por uma das mãos, enquanto me rodeavam outros rostos felizes, cheios de entusiasmo, olhos rebrilhando de pura alegria de viver. – Venha conosco! Vamos conhecer e reconhecer tudo de bom que a espera na nossa – na sua! – antiga, eterna e bela morada, presente inestimável do Criador, a qualquer tempo, para cada um de nós!...

E tudo se foi diluindo em meio às brumas alvinitentes – nós, a diamantina visão maravilhosa! Portal que temporariamente se fechava, magnífico, sobre a paisagem excelsa! A promessa de luz! O sonho verídico do qual, reconfortada, gradativamente despertei!
 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita